Sociedade

Em defesa dos pitbulls

Não se pode criminalizar todos os animais de uma raça por conta de episódios específicos, e a solução passa pela melhoria do comportamento dos donos

Em defesa dos pitbulls
Em defesa dos pitbulls
O pitbull é a raça da moda, geralmente criado para ser agressivo; mas esta é uma decisão do dono
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O tema pitbull é polêmico, e as opiniões são variadas. Há até quem defenda a extinção de raças consideradas “perigosas”, como fez o escritor e colunista Menalton Braff, de CartaCapital, em sua coluna de 31 de julho passado. Me parece, contudo, que faltam dados científicos e argumentos embasados em estudos e pesquisas sobre o comportamento canino.

Alguns países têm uma legislação específica de proibição da raça, mas estudos recentes mostram que tais leis não conseguiram reduzir os episódios de mordedura. Em um passado não tão distante, outras raças também foram condenadas, como o dobermann, o rottweiler e o fila brasileiro.

Assim, para agradar a todos seria necessário banir a totalidade dos cães de porte médio e grande com maior potencial de mordedura. Seria a única forma de reduzir as injúrias utilizando as chamadas Specific Breed Legistations – Leis sobre raças específicas, em uma tradução livre. Até o inofensivo labrador está relacionado a episódios graves e até fatais de agressão.

No Brasil, o maior índice de mordedura está entre os cães de pequeno porte, mas as lesões causadas são muito menores, não necessitando sequer atendimento em serviços de saúde. Ainda assim, os ataques de pitbull são os mais noticiados. Por quê?

Primeiro, não sabemos se todos os ocorridos envolvem de fato pitbulls. Muitos são mestiços ou cães de raças assemelhadas. Mas o fato é que, infelizmente, a maioria das pessoas tem um cão dessa raça para guarda, para ele ser bravo, para andar na rua e as pessoas ficarem com medo.

Com este objetivo, os criam desde filhote de maneira inadequada, aprisionados, incitando a agressividade – característica inerente a qualquer cão ou, indo além, qualquer espécie animal. É também um cão “da moda”, e essa polêmica em torno da raça só corrobora as atitudes deste tipo de pessoas.

Mas o que pode de fato reduzir o ataque de cães a pessoas?

A American Veterinary Society of Animal Behavior defende a tutela adequada desses cães, socialização inicial, treinamento adequado e educação da comunidade como um todo. Em todos os casos de ataque, temos uma falha importante na comunicação. Ou seja, o cão “avisa” antes de atacar que não quer a aproximação da pessoa. Para tal, ele usa posturas diversas, como sinais de apaziguamento ou de agressão e vocalizações (latidos e rosnados). Muitas vezes essa comunicação vem sendo feita há anos e não é respeitada, ou sequer compreendida.

Pitbull Nenhum estudo foi capaz de demonstrar que a raça Pitbull, por si só, explica uma agressão

Há a cultura geral de que um cão não pode, por exemplo, rosnar para seu dono (sendo o rosnado uma forma de comunicação do cão) e se o fizer, é mau. Quando as pessoas pensam que seu cão é mau, usam técnicas que abusam da violência (enforcamento, trancos, choques, coleiras de garra, sufocamento, chutes, cutucões, vassouradas etc), causando medo, frustração, ansiedade e reatividade. Todas essas emoções reduzem o limiar de agressão, ou seja, favorecem um ataque.

Em relação à genética, sabe-se que o comportamento é determinado apenas em parte por ela (em torno de 30%): o ambiente onde o animal é criado e sua educação ainda são os maiores determinantes do seu comportamento.

O cão foi a primeira espécie a ser domesticada pelo homem, numa relação evolutiva de 30 mil anos. A comparação do cão com qualquer espécie selvagem é inválida. Moldamos tanto o seu comportamento com a domesticação que hoje eles não existiriam em vida selvagem.

A área do comportamento canino é bem desenvolvida, com estudos no mundo todo, demonstrando a grande capacidade cognitiva, aprendizado (remetendo aos estudos de Pavlov) e as emoções da espécie. Nenhum estudo foi capaz de demonstrar que a raça, por si só, é suficiente para explicar uma situação de agressão.

A sociedade deveria estar unida na tentativa de melhorar a maneira como os cães são tratados, promovendo a guarda responsável, a criação adequada de animais, a esterilização de cães de estimação, a educação da população e a formação de profissionais qualificados. É um trabalho a longo prazo e é o ideal para reduzir os episódios de ataques de cães.

 

* Joice Peruzzi é veterinária comportamentalista e trabalha em um projeto de ressocialização de cães com perfil agressor da Secretaria Especial de Direitos Animais de Porto Alegre.

 

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