Editor acusado de injúria racial na Flip se afasta de cargo na PUC-SP

José Luiz Goldfarb, diretor da Educ, nega a ofensa a uma funcionária da editora Patuá. Segundo a reitoria da universidade, o desligamento é temporário

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Acusado de injúria racial durante a Flip, a Feira Literária de Paraty, José Luiz Goldfarb foi afastado temporariamente da direção da Educ, a editora da PUC de São Paulo. “Foi uma decisão de comum acordo com a reitoria”, afirma. “Desta forma terei tempo para me defender e esclarecer o episódio”. Em um curto comunicado à comunidade acadêmica, a reitoria da universidade confirmou o afastamento “a pedido”.

Goldfarb, editor experiente e reconhecido, ex-curador do Prêmio Jabuti, sofria pressões, dentro e fora da universidade, desde que Sara Cristina Trajano Silva, secretária da editora Patuá, o acusou de injúria racial e registrou um boletim de ocorrência na delegacia da cidade fluminense.

“Foi a primeira vez que isso me aconteceu. Nunca, em 23 anos, eu tinha sentido isso na pele”, declara a jovem. Goldfarb, afirma Sara Silva, que tem traços indígenas, teria sido preconceituoso ao afirmar, durante uma ríspida discussão, que gente como ela, de “cor morena”, era responsável por eleger políticos como Donald Trump e pela crise atual no Brasil.

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O editor nega ter usado a expressão “cor morena” e afirma que identificou na secretária traços autoritários típicos de eleitores de Trump ou de Jair Bolsonaro. Por isso a menção a “gente como você”. Seria uma crítica política, não uma expressão de preconceito, alega. Desde o início do evento, diz Goldfarb, Sara Silva barrava de forma  “despótica” seus pedidos ou ignorava problemas sérios de organização.

A discussão que gerou o B.O. ocorreu, afirma o editor, após um acúmulo de atritos, iniciado pela falta de alojamentos adequados para os convidados da Educ. A gota d´água foi a recusa da secretária em transferir para o jardim, onde fazia menos calor, uma mesa de debate organizada por ele. Embora a área externa estivesse vazia e fosse mais agradável, segundo ele, a intransigência de Sara Silva o obrigou a conduzir a discussão no interior da casa, com pouca ventilação.


A Taperá havia ficado responsável por organizar a Casa do Desejo, parte da programação paralela da Flip, e a hospedagem de autores. Editoras parceiras, entre elas a Educ, custearam parte dos gastos da organização. O maior volume de recursos veio de um crowdfunding.

“Ele vinha sendo rude comigo desde terça-feira. Ontem (sexta-feira) à noite, me disse que pessoas morenas como eu é que estão fazendo o país estar a merda que está”, afirmou a secretária ao repórter Pedro Alexandre Sanches no dia seguinte à discussão.

Sara Silva era responsável por organizar os eventos na Casa do Desejo, uma aprazível residência colonial com gramado situada em ponto privilegiado do centro histórico de Paraty. “Ele dizia que foram pessoas como eu que elegeram Donald Trump nos Estados Unidos”, repisou.

Única testemunha da alegada injúria, a pedagoga Alessandra Marques estava na Casa do Desejo em companhia do marido, Charles Marlon, um dos autores convidados. Ela foi até a delegacia com a funcionária da Taperá. Os policiais, critica a pedagoga, agiram com descaso. “Falaram que não foi uma agressão nem um furto, que não tinha importância, começaram a rir.”

Alessandra recorda: “Eu estava com a Sara na cozinha, e ele chegou indignado, indagando quem era ela para negar o pedido dele. Fingiu que ia sair, voltou e apontou o dedo para ela e disse: ‘São pessoas como você, da sua cor morena, que deixam o mundo do jeito que está e votam no Donald Trump e é por isso que o mundo está deste jeito’. Ele falou muito baixo, só ouvimos eu, que estava muito perto, e a Sara. Eu não tive reação, comecei a chorar.”

Goldfarb tentou se desculpar pelo que classifica de mal entendido, antes de acionar seus advogados. “Nunca fui racista”, garante. O editor lista a sua defesa pública das cotas raciais, trabalhos desenvolvidos em parceria com o movimento negro e a militância contra o autoritarismo. Judeu, ele se mobilizou, com sucesso, para impedir uma palestra de Bolsonaro no tradicional clube Hebraica, em São Paulo.

A organização da Flip divulgou nas redes sociais, ainda no calor dos acontecimentos, uma nota de repúdio a “todo e qualquer ato de violência, racismo e discriminação”. O texto recomendava ainda o afastamento de Goldfarb da Casa do Desejo.

O editor declarou-se chateado com a decisão da Flip, pois o instantâneo posicionamento da organização transformou a discussão em um problema institucional. “Eles emitiram a nota sem ouvir a minha versão dos fatos”.

* Colaborou Pedro Alexandre Sanches

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