Sociedade

‘É diário’, diz professor sobre intoxicação por agrotóxico em escolas

Ex-diretor da escola que foi pulverizada em Goiás afirma que os alunos continuam expostos ao mesmo risco

Petista é apontado como beneficiário de um saldo de R$ 40 milhões da empreiteira e teria indicado ministro para negociar com a construtora

À frente em pesquisas eleitorais para 2018, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrará em uma fase decisiva para viabilizar sua candidatura às eleições do próximo ano. Alvo de delatores da Odebrecht como suposto beneficiário de recursos ilícitos da empresa, o petista terá a chance de esclarecer algumas das acusações que recaem sobre ele em futuros interrogatórios na Justiça. O primeiro round com Sergio Moro tem data marcada: 3 de maio.

Há muitos pontos a serem esclarecidos. O volume de dados relacionados a Lula no âmbito das delações premiadas da Odebrecht mostram a preocupação central de investigadores e delatores em explicitar ao máximo as relações do ex-presidente com a empreiteira. Embora careçam de provas mais robustas, as acusações podem trazer consequências negativas para sua eventual candidatura.

Nos depoimentos, delatores como Emílio e Marcelo Odebrecht descrevem com riqueza de detalhes os contatos entre representantes da empreiteira e o petista nas últimas três décadas. Os negócios escusos não contavam, porém, com a participação direta do ex-presidente. Os relatos indicam que boa parte das negociações dos recursos supostamente destinados ao petista dava-se por meio de intermediários, notadamente o ex-ministro Antonio Palocci, preso em Curitiba.

Palocci seria o responsável por operar o saldo relacionado a uma conta corrente denominada "Italiano", abastecida com recursos relacionados a projetos nos quais os petistas teriam atuado em favor da empresa, como o chamado "Refis da Crise", que teria beneficiado a Braskem, petroquímica da Odebrecht, e a aprovação de uma linha de crédito para exportações a Angola.

Nesse segundo caso, Marcelo Odebrecht aponta que Lula indicou Paulo Bernardo, ex-ministro do Planejamento de seu segundo mandato, para negociar os valores ao PT. O ex-ministro e a Odebrecht teriam combinado um valor de 64 milhões de reais.

Ao fim do mandato de Lula, um saldo de 50 milhões de reais, não utilizados durante a campanha de 2010, passou, segundo Marcelo Odebrecht, para o controle de Guido Mantega, ministro da Fazenda de Dilma. Criou-se, ainda segundo a narrativa do delator, um saldo na planilha "Italiano", operada por Palocci, chamado "Amigo", para o qual foram "provisionados" 40 milhões de reais para atender demandas do ex-presidente Lula. Odebrecht afirma que Lula não fez esse pedido diretamente à empreiteira. O delator narra pagamentos em espécie retirados do saldo "Amigo", mas não apresenta provas de que os valores tiveram como destinatário final o ex-presidente.

A defesa do petista afirma que, ao contrário do que fez transparecer o esforço midiático, emerge das delações "a inocência de Lula". "É nítido que a força-tarefa só obteve dos delatores acusações frívolas, pela ausência total de qualquer materialidade. O que há são falas, suposições e ilações – e nenhuma prova. As fantasiosas condutas a ele atribuídas não configuram crime".

Conheça os detalhes dos relatos mais relevantes que implicam o ex-presidente:

Emílio Odebrecht e Lula (2002-2008)

Entre 2002 e 2008, Marcelo Odrebecht diz em sua delação que a relação direta com as lideranças do PT e do governo dava-se principal por meio de seu líder direto, Pedro Novis, e de Emílio Odebrecht, seu pai. O herdeiro do grupo chegou à presidência da Odebrecht S/A a dois anos do fim do segundo mandato do governo Lula.

Em seu termo de colaboração, Emílio narra sua relação com Lula neste período. Segundo o delator, a Odebrecht realizou pagamentos solicitados por Lula "para todas aquelas campanhas" em que o ex-presidente concorreu ao cargo de chefe do Executivo federal, "mesmo naquelas que ele não saiu vitorioso." Mesmo após se afastar da gestão dos negócios da construtora, o empreiteiro afirma que "a interlocução da Odebrecht com Luiz Inácio Lula da Silva continuou se dando através da minha pessoa."

Emílio narra que sua relação com o petista remonta ao fim da década de 1980, quando teriam sido apresentados pelo tucano Mário Covas, ex-governador de São Paulo. Em meio a uma greve geral no Polo Petroquímico de Camaçari, sem apoio do sindicato, Emílio pediu apoio a Covas, que por sua vez teria sugerido ao empreiteiro conversar com Lula, "dada sua capacidade de mediar diálogos entre líderes grevistas e empresários". Após Lula atuar para dar fim à paralisação, Emílio afirma que ambos criaram "uma relação de proximidade e respeito mútuo".

Assim que Lula assumiu a Presidência, em 2002, Emílio relata que teve reuniões esporádicas com o ex-presidente, "por vezes, trimestrais". Nas reuniões, o empreiteiro apresentava a Lula "assuntos empresariais de interesses da Organização que me pareciam compatíveis com as opções de políticas governamentais e projetos para o crescimento do País." Emílio diz ainda que tentava "influenciar" o ex-presidente para que "adotasse políticas de governo que fossem coincidentes" com os interesses da Odebrecht, como a promoção de agendas da empreiteira nas interlocuções de Lula com mandatários de outros países da América Latina e África.

Além de afirmar que doou para todas as campanhas de Lula, Emílio afirmava que sua atuação não se restringia ao apoio financeiro. A "Carta ao povo brasileiro", documento produzido pelo PT em meio à campanha de 2002 para acalmar o mercado com a possibilidade de vitória de Lula, seria "um exemplo do tipo de apoio não financeiro que dávamos ao ex-presidente". "Essa carta tem muita contribuição nossa."

Emílio afirma que, para as campanhas de 2002 e 2006, seu interlocutor para o apoio financeiro a Lula era Antonio Palocci, que negociava com Pedro Novis, então presidente da Odebrecht. "Lula me pedia, de forma genérica e sem detalhar valores comigo, ajudas financeiras a pretexto de contribuições de campanha", diz o empreiteiro.

Emílio diz não conhecer detalhes sobre os pagamentos, mas que parte deles "se deram com recursos provenientes de caixa 2". Sem especificar o que seriam doações oficiais ou não, ele afirma que teria repassado em torno de 20 milhões de reais por campanha a Lula.

A partir de 2009, Emílio diz que Marcelo assumiu a interlocução com Palocci. Ambos confirmam que Lula e Marcelo não tinham contato direto.

Além das campanhas presidenciais, Lula teria solicitado pagamentos para as campanhas municipais e estaduais do PT de 2004 e 2010. Da mesma forma, essa negociações ocorreram também com intermediários, sem a participação direta do petista.

Marcelo Odebrecht e Lula - Palocci e saldo "Amigo" (2009-2014)

Em seus termos de colaboração relativos à petição 6664, Marcelo Odebrecht aponta Palocci como o principal interlocutor junto a Lula. "Eu não tinha relação próxima com o então presidente", afirma. Em relação a seu contato com Dilma, Marcelo cita duas reuniões anuais com a ex-presidente, que duravam "de 2 a 4 horas". O delator aponta Mantega como o intermediador dessa relação.

Segundo o empreiteiro, "Lula e Dilma tinham conhecimento dos pagamentos, 'inclusive com recursos de caixa 2" e também "sabiam que vários pagamentos realizados por nós eram destinados a João Santana. Em depoimento a Moro, Mônica Moura, mulher se Santana, afirmou que o casal sempre trabalhou com caixa 2.

[caption id='attachment_5354' align='alignnone' width='300'] Palocci O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci (Foto: Agência Brasil)[/caption]

Segundo o empreiteiro, além de doações oficiais ao PT, a Odebrecht repassou doações de caixa 2 para as campanhas de 2010 e 2014, para a campanha municipal de Fernando Haddad e em disputas em El Salvador e Peru, com o objetivo de emplacar candidatos de esquerda próximos ao PT. Além disso, são apontadas as quitações de dívidas com Santana por meio de caixa 2 e o "custeio de despesas indicadas pelo PT", entre elas a compra de um terreno para a construção do prédio do Instituto Lula e "outros benefícios ao ex-presidente", "dentre os quais diversos pagamentos em espécie."

Segundo Marcelo, a planilha Italiano, codinome de Palocci, foi criada para atender aos interesses do partido. Por conta da atuação de petistas em relação ao chamado "Refis da Crise" e o aumento de uma linha de crédito à exportação em Angola, o PT teria recebido 50 milhões e 64 milhões de reais, respectivamente, da empreiteira. Os valores seriam operados por Palocci, mas o empreiteiro relata não se lembrar de discutir com o ex-ministro se os recursos eram oficiais ou de caixa 2. "Apesar de não se discutir que era 'pagamento', é óbvio que se tratava pela dimensão de caixa 2."

Em 2010, segundo Marcelo, os 50 milhões de reais do Refis  não foram utilizados na campanha. Assim, o empreiteiro destinou o valor à planilha "Pós-Itália", que seria operada por Mantega.

Em seguida, Marcelo narra ter provisionado 40 milhões de reais para o saldo "amigo" da planilha Italiano, ou seja, um valor operado por Palocci que teria como destinatário o ex-presidente do Lula. Em um relato confuso, o empreiteiro chega a falar que "em meados de 2040" (seria 2010?) haveria um saldo de 35 milhões para Lula. Depois, fala em 40 milhões. "Sabia que ia ter demandas de Lula, do instituto, outras coisas. Então vamos pegar e provisionar uma parte desse saldo no saldo 'amigo', que é Lula." Em seguida, afirma que o petista não pediu diretamente os recursos. "Eu combinei via Palocci." Ele cita ainda pagamentos em espécie oriundos do saldo "Amigo".

Um pagamento em espécie a Lula foi narrado por Marcelo a Sergio Moro em 10 de abril. O empresário relatou um suposto pagamento de 13 milhões a Branislav Kontic, ex-assessor de Palocci. Em mais uma acusação baseada em relatos de terceiros, o empreiteiro afirma que "ouviu de Branislav Kontic que o dinheiro teria como destinatário final o ex-presidente."

Marcelo diz que os únicos indícios de que Lula "de certo modo tinha um conhecimento da provisão" foram a compra do terreno do instituto Lula, "Via Bumlai ou Palocci", que teriam sido informados de que o pagamento viria do "valor provisionado", além de uma doação de 2014 ao Instituto Lula que teria saído do saldo "Amigo."


Favorecimento em exportações a Angola

Em seu depoimento, Emílio Odebrecht afirma que, a pedido do filho Marcelo, solicitou a Lula que o então presidente facilitasse a ampliação de uma linha de crédito concedida pelo BNDES a Angola, de forma a favorecer os negócios da empresa no país africano.

Emílio conta que a Odebrecht atua em Angola desde a década de 1980, mas diz que as receitas fiscais do país caíram com a crise econômica de 2008 e 2009, o que fez com que obras da construtora fossem até paralisadas. Ainda segundo Emílio, o crédito do BNDES estava se esgotando, mas era praticamente a única fonte de recursos de que Angola dispunha naquele momento, e por isso foi solicitada a extensão da linha.

“Marcelo realmente me pediu esse apoio, que eu conversasse com o Lula. Foi em um período em que houve uma queda de [preço do] petróleo muito grande e Angola estava com restrições orçamentárias”, diz o patriarca na delação.

“Era importante que houvesse uma ampliação da linha de crédito que o Brasil tinha com Angola. Eu me lembro que tinha um valor que nós chegamos a dimensionar, com outras empresas, porque isso não era só para a Odebrecht, era para a Odebrecht e outras”, continua Emílio, dizendo que a medida favoreceria outras companhias brasileiras.

Por fim, Emílio afirma que em meados de 2010 uma nova linha de crédito foi aberta para Angola no valor de 1 bilhão de reais, mas lembra que ele próprio sugeriu um valor de 1,2 bilhão de reais.

O depoimento de Marcelo Odebrecht trata de um episódio posterior à aprovação do crédito a Angola. De acordo com o ex-presidente do grupo, foi cobrado da Odebrecht um pagamento ao PT como acerto pela ampliação da linha. Marcelo afirma que o pagamento foi solicitado pelo então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e pelo então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Diz, ainda, que por uma determinação de Lula, a maior parte das negociações foi feita diretamente com Bernardo, que pediu um total de 40 milhões de dólares.

[caption id='attachment_5355' align='alignnone' width='300'] Mantega Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)[/caption]

Em um de seus depoimentos, Marcelo afirma que Paulo Bernardo o procurou por indicação de Lula, mas que não certeza de como sabe disso, se o próprio Bernardo falou, se foi seu pai, Emílio Odebrecht, ou Pedro Novis. “Eu só tenho certeza que gravei que veio por Lula. Até porque ele [Paulo Bernardo] era ministro do Planejamento não se metia nessas coisas. Ele não tinha por que se envolver. Nem sabia dessa conta."

Ainda segundo Marcelo, ele próprio procurou Palocci para confirmar o valor, que foi acertado em 36 milhões de dólares (ou 64 milhões de reais, conforme o câmbio da época). Na planilha referente ao pagamento de propina pela Odebrecht, os 64 milhões de reais foram destinados ao codinome “Italiano”, atribuído a Palocci.

Como “elementos de corroboração”, é listada uma sequência de e-mails datados de 20 de junho de 2010; a indicação de 64 milhões de reais ao “Italiano” da planilha; e uma anotação feita por Marcelo Odebrecht em seu celular: “Lula vs. linha Angola”.

Luís Claudio e Frei Chico

Em seus depoimentos de delação premiada, Emílio Odebrecht e o ex-diretor Alexandrino Alencar afirmam que o grupo Odebrecht se comprometeu a dar suporte aos negócios de Luís Cláudio Lula da Silva, um dos filhos do ex-presidente. Em troca, Lula se encarregaria de melhorar o relacionamento entre a então presidenta Dilma Rousseff e Marcelo Odebrecht, ambos de “temperamentos fortes”, nas palavras de Alencar.

As conversas se iniciaram no fim de 2011. Em seu depoimento, Alencar afirma ter participado de uma reunião no Instituto Lula e, na ocasião, Emílio pediu que ele assumisse as tratativas com o filho do petista. Foi quando conheceram Luís Cláudio, que apresentou aos executivos sua empresa Touchdown e um projeto que previa a criação de uma liga de futebol americano no Brasil.

Alencar conta que Emílio lhe pediu para buscar apoio ao projeto nas áreas jurídica, contábil e de marketing. Como Luís Cláudio tinha advogados e contadores de sua confiança, dispensou tais serviços, aceitando apenas a contribuição na área de marketing. Ainda segundo Alencar, foi solicitado à empresa Concept, que fornecia serviços ao grupo Odebrecht, para que passasse a atender a Touchdown. De acordo com Alencar, a empresa de Luís Cláudio pagava 10% do contrato, restando 90% à Odebrecht – o ex-diretor não soube dizer se tais valores foram deduzidos do saldo da conta “Amigo”.

Por fim, Alencar diz que o apoio à Touchdown durou três anos, período no qual a Odebrecht pagou cerca de 2,1 milhões de reais à Concept.

O ex-diretos também afirma, em outro momento de seu depoimento, que o irmão de Lula José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, recebia uma espécie de mesada da Odebrecht e era identificado com o codinome “Metralha” na planilha de pagamentos.

Alencar diz que conheceu Lula por volta de 1994 e que cerca de dois anos depois, quando o setor petroquímico enfrentava uma onda de greves, o petista sugeriu que a Odebrecht “contratasse” Frei Chico para apoiar demandas do grupo junto a sindicalistas e grevistas, dada à militância do irmão. Os serviços foram pagos a partir de notas emitidas por Frei Chico por “prestação de mão de obra temporária”, mas a partir de 2002, a fim de “preservar” o novo presidente, o contrato foi suspenso.

Alencar afirma, contudo, que era de interesse da Odebrecht manter um bom relacionamento com o chefe do Executivo, e os pagamentos a Frei Chico continuaram como “ajuda de custo”. Segundo Alencar, foram cerca de 3 mil reais por mês de 2002 a 2009, quando o valor subiu para 5 mil reais mensais, após pedido de “aumento” por Frei Chico. O ex-diretor afirma que, a cada três meses, ele próprio entregava os valores em espécie ao irmão de Lula.

A íntegra da defesa de Lula

A imprensa dedicou hoje (12/4/2017) inúmeras manchetes às delações que o Ministério Público Federal negociou com executivos do Grupo Odebrecht e, como tem ocorrido, o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o destaque da maioria delas. O vazamento ilegal e sensacionalista das delações, nos trechos a ele referentes, apenas reforça o objetivo espúrio pretendido pelos agentes envolvidos: manchar a imagem de Lula e comprometer sua reputação. Mas o que emergiu das delações, ao contrário do que fez transparecer esse esforço midiático, é a inocência de Lula – ele não praticou nenhum crime.

É nítido que a Força Tarefa só obteve dos delatores acusações frívolas, pela ausência total de qualquer materialidade. O que há são falas, suposições e ilações – e nenhuma prova. As fantasiosas condutas a ele atribuídas não configuram crime.

Desde 4 de março de 2016. o ex-Presidente passou a ser vítima direta de sucessivas ilegalidades e arbitrariedades praticadas no âmbito da Operação Lava Jato para destruir sua trajetória, construída em mais de 40 anos de vida pública. Lula já foi submetido à privação da liberdade sem previsão legal; buscas e apreensões; interceptações telefônicas de suas conversas privadas e divulgação do material obtido; e levantamento dos sigilos bancário e fiscal, dentre outras medidas invasivas.

A despeito de não haver provas, o ex-Presidente foi formalmente acusado, apenas com base em “convicções”. Depois de 24 audiências em Curitiba e a oitiva de 73 testemunhas apenas em um dos processos, salta aos olhos a inocência de Lula. Ao final dessa nova onda, o que sobrará é o mesmo desfecho melancólico vivido pelo senador cassado Delcídio do Amaral: caíram por terra suas teses. Delcídio aceitou acusar o ex-Presidente em troca da sua liberdade e depois foi desmentido por testemunhas ouvidas em juízo, quando então não podiam mentir.

Cristiano Zanin Martins

 

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Por Ana Aranha

Mais de cinco anos depois que 90 crianças foram intoxicadas quando um avião pulverizou agrotóxicos sobre uma escola em Rio Verde, interior de Goiás, alunos e professores da região continuam expostos à intoxicação dos químicos cotidianamente. Essa é a denúncia feita por Hugo Alves dos Santos, diretor da escola em 2013, ano do acidente, e uma das suas vítimas.

Ele é convidado especial para o lançamento de novo relatório da Human Rights Watch sobre intoxicações por agrotóxicos em zonas rurais do Brasil. Depois de visitar sete locais do país, o estudo conclui que casos como a da escola de Rio Verde estão se repetindo de modo sistemático: crianças, professores e moradores do campo são intoxicados em escalas menores, mas de modo disseminado, sem chamar a mesma atenção que teve o acidente.

Desde que fez as denúncias sobre o caso, Hugo perdeu o cargo de diretor e hoje dá aula como professor de educação física em cinco escolas rurais do mesmo município. Segundo ele, todas essas unidades têm registros constantes de sintomas de contaminação. “Num primeiro momento houve interesse da mídia, depois os alunos ficaram esquecidos”, ele diz, desanimado com as perspectivas das vítimas.

Leia também: Comunidades rurais são fadadas a respirar veneno, conclui relatório

A Syngenta, que produziu o agrotóxico pulverizado, e a Aerotex, proprietária do avião, foram condenadas a pagar 150 mil reais por danos morais coletivos em março desse ano.

Em nota, a Syngenta lamenta o ocorrido, afirma que não teve participação na atividade de pulverização e que está recorrendo da sentença, proferida pela justiça federal em primeira instância. A Aerotex afirma que não vai se manifestar enquanto o recurso da Syngenta não for julgado.

Para Hugo, pior do que ver esses alunos sem o tratamento médico que ele considera adequado, é observar que eles e seus colegas estão expostos a uma intoxicação ainda mais grave que a de 2013 por ser silenciosa.

Leia a íntegra da entrevista com Hugo Alves dos Santos.

Repórter Brasil: O que mudou desde que a escola foi pulverizada?

Hugo Alves dos Santos: Não mudou nada. Num primeiro momento houve interesse da mídia, depois os alunos ficaram esquecidos. Foi criada uma lei municipal que proibiu sobrevoar para aplicar veneno de avião dentro dos assentamentos.

Também foi proibido plantar a 500 metros das escolas, para evitar a aplicação do veneno perto. Mas ninguém respeita essa lei. O veneno é aplicado por tratores, passam bem ao lado das escolas. Fora dos assentamentos, o avião continua pulverizando o veneno perto. Ninguém fiscaliza, ninguém tem coragem de cobrar desse pessoal [produtores rurais].

RB: Há novos casos de intoxicação?

HAS: Sim, é diário. As crianças reclamam de dor de cabeça, dor no estômago. Tem uma professora que teve de deixar o ensino rural. Ela foi [transferida] para a cidade porque, toda vez que tinha contato com o veneno, tinha problemas na pele.

Hoje, eu estou [como professor de educação física] em 5 escolas diferentes, todas têm plantação em volta. Em todas os alunos são intoxicados com frequência, mas não podem falar que é do agrotóxicos porque os pais trabalham nas fazendas. Os alunos só falam com a gente, professores. Mas, quando a gente procura os pais, eles dizem que não é por causa dos agrotóxicos. Eu falo muito sobre isso na escola, mas sei que em casa não pode. Se o pai falar, perde o sustento dos filhos. É uma situação difícil de mudar.

RB: Como estão os alunos que foram intoxicados em 2013?

HAS: Muitos têm problemas. Um deles tem cirrose hepática, uma aluna já foi internada 18 vezes. Os que continuam a entrar em contato com o veneno falam de dor de cabeça, boca pinicando, dizem que as pálpebras dos olhos ficam geladas. Depois que a imprensa sumiu, esses alunos ficaram esquecidos. Estão sem nenhum atendimento, a maioria já não tem mais nem direito a receber remédios. As empresas só ajudam quando tem ordem judicial.

O MPF fez um termo de ajustamento de conduta dizendo que as crianças precisavam passar por uma bateria de exames a cada 6 meses. Eles fizeram a primeira, eu levei na segunda, depois não fizeram mais.

RB: As empresas envolvidas foram punidas?

HAS: Eu acho que, pelo tamanho do acidente, eles não pagaram nada. Num primeiro momento, foram muito prestativos, mas depois só com pedido judicial. A multa [ação civil pública do MPF] pedia 10 milhões da Aerotex, empresa do avião que jogou o veneno, e da Syngenta, a fabricante. Mas a sentença saiu em 150 mil reais. Mesmo nesse valor as empresas recorreram, tenho medo que não fique nada no final. E isso nem é para as famílias, é para ser aplicado em alguma melhoria na comunidade.

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RB: Como foi a reação das autoridades locais ao acidente?

HAS: Eles ficaram com deboche. Dias depois, quando as crianças continuavam passando mal e eu tinha que levar na cidade, eles diziam: “lá vem os envenenados”. Diziam “esses meninos não tem nada, tão com manha”. Isso eu ouvia das pessoas que atendiam a gente no hospital e dos vereadores.  

Isso aconteceu porque a escola ainda estava suja de veneno. Eu recebi uma ordem do secretário de educação para voltar a trabalhar cinco dias depois do acidente. Foram de 25 a 30 alunos, todos sentiram mal novamente: coceira, dor de cabeça forte.

Eu fiquei uns 15 dias na escola com os alunos passando mal. Até que recebi uma visita do [Wanderlei] Pignati [professor da Universidade Federal do Mato Grosso]. Ele disse que a escola estava contaminada, tinha de fechar. A Aerotex contratou uma empresa que fez uma limpeza mais detalhada e pintou a escola, aí melhorou.

RB: Você foi proibido de falar com a imprensa sobre o caso?

HAS: Sim. Chegou um momento que o pessoal da [secretaria de] educação disse: “a partir de hoje você não vai mais falar com a imprensa, a gente vai escolher quem é a pessoa que vai falar”. Me proibiram mesmo.

Depois de três anos, eu fiz um evento para falar sobre agrotóxicos com a comunidade, mas o prefeito me chamou num canto e disse “se for para falar de agrotóxico, eu não vou”. Então eu não pude falar, tive que fazer uma fala ‘light’. Tanto o prefeito quanto o secretário de saúde da época são produtores rurais.

RB: Você sofreu alguma ameaças?

HAS: Várias. Tive que mudar várias vezes de local. Eu via carros rondando minha casa, pessoas que eu tinha certeza que estavam ali para me intimidar. Fiquei dois anos e meio sem falar com a imprensa.

RB: Como você vê o debate para mudar a lei dos agrotóxicos?

HAS: Acho que eles vão aprovar o pacote da morte. Para mim, quanto mais agrotóxicos forem liberados, mais gente vai morrer. Se passaram cinco anos do acidente, corri muito atrás das coisas para esses meninos, mas agora parece que perdi as forças.

Eu queria que as autoridades vejam que essas crianças vão ter problemas de saúde futuramente. Eu não sei porque, mas com o passar do tempo, a memória do acidente fica mais viva em mim. À noite, quando vou relaxar para dormir, as imagens daquele dia voltam na minha cabeça.

RB: Qual foi a memória mais forte daquele dia?

HAS: Eu vou levar para o túmulo quando vi as crianças deitadas no pátio se debatendo, coçando, pedindo socorro. Quando elas chegaram no hospital desmaiadas, gritando “tio Hugo, não me deixa morrer”.

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