Sociedade

Duas pratas, duas medidas

Não tenho dúvidas de que os jogadores de vôlei mastigariam a rede para ficar com o ouro. No futebol, as estrelas mal sujariam os calções…

Não tenho dúvidas de que os jogadores de vôlei mastigaria a rede para ficar com o ouro. No futebol, mal sujariam os calções...Foto: AFP
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A derrota da seleção masculina do vôlei, neste domingo 12, foi um dos mais amargos reveses que já assisti em Olimpíadas. Quem acompanhou as partidas contra a Argentina e a Itália sabe o quanto o time de Bernardinho merecia a vitória, principalmente por causa dos desfalques de Vissotto e Dante, na última hora, e das recuperações incompletas de Giba e Ricardinho. Wallace e Bruninho caminhavam a passos largos para se tornarem os grande heróis da conquista: chamados na hora certa, davam conta do recado e brilhavam como nunca. Faltou, literalmente, combinar com os russos – que no terceiro set mudaram a estratégia, atuaram como kamikazes e deram o chamado nó tático que determinou o destino da competição: 3 a 2 de virada quando o Brasil tinha três pontos na frente para matar o jogo no terceiro set…

O Brasil, como na véspera havia acontecido no futebol, perdia um ouro praticamente certo. E este é o único ponto em comum entre as duas derrotas. Para a seleção de vôlei, aquele era realmente o jogo da vida. O último do vitorioso Serginho, que há pelo menos uma década tem dado o sangue e a vida para a equipe. Quem viu a explosão dos atletas – os olhos arregalados a cada ponto conquistado, a seriedade na hora da orientação tática, a concentração e o choro no apito final – testemunhou o golpe num time que estava vivo, vacilante mas vibrante, que acabava de tomar uma entortada do destino.  Essas são as derrotas mais doídas que se pode sofrer.

A seleção de futebol, como a do vôlei, não tinha a obrigação de vencer. Mas, ao ser derrotado, não reagiu como um time vivo. A derrota para o México na final por 2 a 1 é praticamente um documento histórico: quem quiser entender o que tem sido o futebol na era atual só vai precisar de 30 segundos de vídeo. Os 30 segundos iniciais. A displicência esportiva brasileira poucas vezes foi tão bem retratada: num lance só, o lateral Rafael Silva evitou duas vezes fazer o mais simples: recuar uma bola apertada para o zagueiro mandar pra frente. Ele preferiu driblar (porque, no meio de tanta estrela, também precisa posar bem na foto) e ficou sem espaço; apertado, jogou a bola na fogueira como último recurso. Resultado: gol de Peralta.

Como Rafael, o time teve uma partida inteira para se redimir. O que se viu foi um Neymar tentando sempre o drible desnecessário. Um Alex Sandro apavorado (como se a camisa amarela tivesse o peso de uma bigorna). Um Damião isolado. Um Marcelo em mais um dia de Felipe Mello (a psicopatia da equipe só mudou de posição). Um Sandro inexistente. Um Oscar apático. E um Rafael Silva com a displicência de sempre, sem acertar um cruzamento e ainda assim tentando dar toque de letra no campo de defesa quando a equipe perdia por 2 a 0 – por muito menos já vi jogador ser dispensado de clubes médios por insuficiência técnica. Rafael tem menos de 23 anos, uma medalha de prata pela seleção e uma certa moral em campos europeus, onde defende o todo poderoso Mancheter United. Ainda assim, acabou se tornando um retrato do futebol  moderno, em que a seleção é mais um entreposto do que a chance da vida.

Há muito pouco tempo, chegar à seleção era coroar anos e anos de vitórias por um clube.  Era a chance de se mostrar para o mundo. De ficar entre os melhores no que de melhor se faz em todo o País. Hoje, a seleção é quase uma pedra no caminho. A projeção do futebol brasileiro na era da globalização criou uma ponte direta entre os clubes de formação e a Europa – este sim o destino final, que engorda as burras, paga os salários, cobra alto rendimento, garante altíssimas transações. A ponto de não haver hoje um esquadrão nacional no mesmo nível de Barcelona ou Real Madrid.

Para a maioria dos jogadores desse time, a Olimpíada não era vitrine, não era vida e morte, não era nada. Era a interrupção das férias. Um desafio de verão (europeu) no caminho da fortuna. Lucas e Oscar assinaram transações milionárias no meio da competição, Thiago Silva e Rômulo, às vésperas. Hulk e Neymar foram sondados – e passaram mais tempo respondendo perguntas sobre propostas do que pensando em futebol. O time, enquanto isso, vencia adversários fracos – não sem percalços, como na quase vexatória vitória contra Honduras com dois homens a mais em campo.

Mano Menezes errou e muito. Apostou nas peças erradas. Enxergou em Hulk, um touro de corrida incapaz de pensar e carregar a bola, uma liderança inexistente. Apostou em Alex Sandro (sic) e deixou Ganso e Lucas no banco. Tinha nas mãos uma geração brilhante e levou a campo um time derrotado – não pela medalha de prata, mas pela própria preguiça e arrogância.

Romário tem razão quando diz que Mano não é treinador para a seleção por não saber escalar, convocar, botar o time para funcionar. Mas o papel dele não era esse: o papel dele era mais parecido com o de bedel de colégio responsável pela segurança dos alunos ricos em viagem de excursão. Os clubes, de origem e de destino, são como as madames que entregam os filhos aos cuidados da escola e dão as instruções: não o coloque na mesma Vila Olímpica de qualquer judoca; não o faça correr e se desgastar; lembre de dar a ele a mamadeira na hora certa; não esquece do sucrilhos pela manhã; e, se ele chegar quebrado em nosso departamento médico, a culpa é toda sua. Os diamantes de Mano ficaram até bem na foto, mas jogaram como estrelas de cristal. Entraram e saíram de campo com as roupas perfumadas e limpas. É até possível imaginar a seleção mexicana na preleção: “vamos pegar os playboys e fazer nosso jogo”. Foi o que aconteceu: mais ou menos igual a quando os moleques descalços da rua davam cambaus homéricos nos riquinhos de chuteira e caneleira da rua de cima. Para o time brasileiro, Olimpíada e Jogos Abertos do Interior eram praticamente a mesma coisa.

No vôlei, por outro lado, não tenho a menor dúvida de que qualquer atleta mastigaria a rede para ficar com o ouro. Não deu, paciência. Mas uma coisa é certa: o time masculino de futebol, que já teve líderes de verdade como Cafu, Dunga e Romário, hoje não tem um jogador com a mesma hombridade de um Serginho, o líbero da seleção de vôlei que, horas após a derrota, ainda chorava, ainda cerrava o punho, os olhos arregalados, e ainda lamentava o revés. A prata no vôlei foi mais dolorida porque todos ali mereciam um lugar melhor na história da Londres 2012. Quanto à equipe de futebol, era melhor nem ter perdido tempo. Salvo Damião, poucos dali se dariam ao trabalho de sujar as meias e o calção por uma medalha de ouro que você, e só você, torcedor, tanto esperava.

PS: Para cada tristeza, uma alegria: o bicampeonato das meninas do vôlei, lideradas por Sheila e Jaqueline, é daquelas campanhas que não esqueceremos jamais. E o improvável bronze de de Yane Marques no pentatlo moderno foi o bronze mais doce de toda a Olimpíada. Mais do que nunca é preciso mirar o exemplo dessas mulheres que foram à luta e brilharam.

A derrota da seleção masculina do vôlei, neste domingo 12, foi um dos mais amargos reveses que já assisti em Olimpíadas. Quem acompanhou as partidas contra a Argentina e a Itália sabe o quanto o time de Bernardinho merecia a vitória, principalmente por causa dos desfalques de Vissotto e Dante, na última hora, e das recuperações incompletas de Giba e Ricardinho. Wallace e Bruninho caminhavam a passos largos para se tornarem os grande heróis da conquista: chamados na hora certa, davam conta do recado e brilhavam como nunca. Faltou, literalmente, combinar com os russos – que no terceiro set mudaram a estratégia, atuaram como kamikazes e deram o chamado nó tático que determinou o destino da competição: 3 a 2 de virada quando o Brasil tinha três pontos na frente para matar o jogo no terceiro set…

O Brasil, como na véspera havia acontecido no futebol, perdia um ouro praticamente certo. E este é o único ponto em comum entre as duas derrotas. Para a seleção de vôlei, aquele era realmente o jogo da vida. O último do vitorioso Serginho, que há pelo menos uma década tem dado o sangue e a vida para a equipe. Quem viu a explosão dos atletas – os olhos arregalados a cada ponto conquistado, a seriedade na hora da orientação tática, a concentração e o choro no apito final – testemunhou o golpe num time que estava vivo, vacilante mas vibrante, que acabava de tomar uma entortada do destino.  Essas são as derrotas mais doídas que se pode sofrer.

A seleção de futebol, como a do vôlei, não tinha a obrigação de vencer. Mas, ao ser derrotado, não reagiu como um time vivo. A derrota para o México na final por 2 a 1 é praticamente um documento histórico: quem quiser entender o que tem sido o futebol na era atual só vai precisar de 30 segundos de vídeo. Os 30 segundos iniciais. A displicência esportiva brasileira poucas vezes foi tão bem retratada: num lance só, o lateral Rafael Silva evitou duas vezes fazer o mais simples: recuar uma bola apertada para o zagueiro mandar pra frente. Ele preferiu driblar (porque, no meio de tanta estrela, também precisa posar bem na foto) e ficou sem espaço; apertado, jogou a bola na fogueira como último recurso. Resultado: gol de Peralta.

Como Rafael, o time teve uma partida inteira para se redimir. O que se viu foi um Neymar tentando sempre o drible desnecessário. Um Alex Sandro apavorado (como se a camisa amarela tivesse o peso de uma bigorna). Um Damião isolado. Um Marcelo em mais um dia de Felipe Mello (a psicopatia da equipe só mudou de posição). Um Sandro inexistente. Um Oscar apático. E um Rafael Silva com a displicência de sempre, sem acertar um cruzamento e ainda assim tentando dar toque de letra no campo de defesa quando a equipe perdia por 2 a 0 – por muito menos já vi jogador ser dispensado de clubes médios por insuficiência técnica. Rafael tem menos de 23 anos, uma medalha de prata pela seleção e uma certa moral em campos europeus, onde defende o todo poderoso Mancheter United. Ainda assim, acabou se tornando um retrato do futebol  moderno, em que a seleção é mais um entreposto do que a chance da vida.

Há muito pouco tempo, chegar à seleção era coroar anos e anos de vitórias por um clube.  Era a chance de se mostrar para o mundo. De ficar entre os melhores no que de melhor se faz em todo o País. Hoje, a seleção é quase uma pedra no caminho. A projeção do futebol brasileiro na era da globalização criou uma ponte direta entre os clubes de formação e a Europa – este sim o destino final, que engorda as burras, paga os salários, cobra alto rendimento, garante altíssimas transações. A ponto de não haver hoje um esquadrão nacional no mesmo nível de Barcelona ou Real Madrid.

Para a maioria dos jogadores desse time, a Olimpíada não era vitrine, não era vida e morte, não era nada. Era a interrupção das férias. Um desafio de verão (europeu) no caminho da fortuna. Lucas e Oscar assinaram transações milionárias no meio da competição, Thiago Silva e Rômulo, às vésperas. Hulk e Neymar foram sondados – e passaram mais tempo respondendo perguntas sobre propostas do que pensando em futebol. O time, enquanto isso, vencia adversários fracos – não sem percalços, como na quase vexatória vitória contra Honduras com dois homens a mais em campo.

Mano Menezes errou e muito. Apostou nas peças erradas. Enxergou em Hulk, um touro de corrida incapaz de pensar e carregar a bola, uma liderança inexistente. Apostou em Alex Sandro (sic) e deixou Ganso e Lucas no banco. Tinha nas mãos uma geração brilhante e levou a campo um time derrotado – não pela medalha de prata, mas pela própria preguiça e arrogância.

Romário tem razão quando diz que Mano não é treinador para a seleção por não saber escalar, convocar, botar o time para funcionar. Mas o papel dele não era esse: o papel dele era mais parecido com o de bedel de colégio responsável pela segurança dos alunos ricos em viagem de excursão. Os clubes, de origem e de destino, são como as madames que entregam os filhos aos cuidados da escola e dão as instruções: não o coloque na mesma Vila Olímpica de qualquer judoca; não o faça correr e se desgastar; lembre de dar a ele a mamadeira na hora certa; não esquece do sucrilhos pela manhã; e, se ele chegar quebrado em nosso departamento médico, a culpa é toda sua. Os diamantes de Mano ficaram até bem na foto, mas jogaram como estrelas de cristal. Entraram e saíram de campo com as roupas perfumadas e limpas. É até possível imaginar a seleção mexicana na preleção: “vamos pegar os playboys e fazer nosso jogo”. Foi o que aconteceu: mais ou menos igual a quando os moleques descalços da rua davam cambaus homéricos nos riquinhos de chuteira e caneleira da rua de cima. Para o time brasileiro, Olimpíada e Jogos Abertos do Interior eram praticamente a mesma coisa.

No vôlei, por outro lado, não tenho a menor dúvida de que qualquer atleta mastigaria a rede para ficar com o ouro. Não deu, paciência. Mas uma coisa é certa: o time masculino de futebol, que já teve líderes de verdade como Cafu, Dunga e Romário, hoje não tem um jogador com a mesma hombridade de um Serginho, o líbero da seleção de vôlei que, horas após a derrota, ainda chorava, ainda cerrava o punho, os olhos arregalados, e ainda lamentava o revés. A prata no vôlei foi mais dolorida porque todos ali mereciam um lugar melhor na história da Londres 2012. Quanto à equipe de futebol, era melhor nem ter perdido tempo. Salvo Damião, poucos dali se dariam ao trabalho de sujar as meias e o calção por uma medalha de ouro que você, e só você, torcedor, tanto esperava.

PS: Para cada tristeza, uma alegria: o bicampeonato das meninas do vôlei, lideradas por Sheila e Jaqueline, é daquelas campanhas que não esqueceremos jamais. E o improvável bronze de de Yane Marques no pentatlo moderno foi o bronze mais doce de toda a Olimpíada. Mais do que nunca é preciso mirar o exemplo dessas mulheres que foram à luta e brilharam.

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