Sociedade

Doria quer manifestação sem máscaras, mas mantém PMs sem identificação

Grupo da PM que atuou em ato do MPL usou fardas com código alfanumérico. Secretaria diz se tratar de uma identificação “mais precisa”

Policial do CAEP em ato contra o aumento da tarifa do transporte público. Crédito: Cauê Gomes Policial do CAEP em ato contra o aumento da tarifa do transporte público.
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O governador de São Paulo, João Doria, baixou decreto que proíbe o uso de máscaras ou qualquer acessório que impossibilite a identificação facial de pessoas em manifestações de rua, mas seus policiais militares continuam usando subterfúgios que impedem a identificação de seus agentes durante os atos de rua.

No último protesto promovido pelo Movimento Passe Livre, dia 16, contra o aumento da tarifa de transporte público em São Paulo, agentes do CAEP (Companhia de Ações Especiais da Polícia) levavam em suas fardas um código alfanumérico que nada dizia ao cidadão comum. Em patrulhas diárias da Polícia Militar, os agentes costumam ser identificados pela sua patente e sobrenome, dados mínimos que permitem à população saber com quem estão falando ou a quem está pedindo auxílio.

O decreto de Doria, entre outros pontos, exige que qualquer ato que reúna um número superior a 300 pessoas em vias públicas do estado deve ser comunicado a Polícia Militar com cinco dias de antecedência. Em relação a identificação dos manifestantes, a norma diz: “ciência dos organizadores quanto a proibição do anonimato, da vedação ao uso de máscaras ou qualquer outro paramento que possa ocultar o rosto da pessoa, ou que dificulte ou impeça a sua identificação durante o evento”.

De acordo com Camila Marques, advogada da Artigo 19 – ONG que atua na defesa dos Direitos Humanos – a partir de 2013 a PM começou a substituir o nome dos agente policiais por “identificações” alfanuméricas em operações específicas, como as manifestações de rua. Segundo ela, a medida “dificulta absolutamente que alguém registre e memorize quem é aquele agente de segurança”. Consequentemente, qualquer excesso policial ou ato ilícito do agente público torna-se mais difícil de ser enunciado.

Agente da PM com código alfanumérico no lugar onde comumente consta patente e sobrenome. Crédito: Cauê Gomes

Além da ausência de uma identificação clara dos agentes policiais nos atos, Marques aponta outro agravante da postura da PM: o uso de máscaras ou objetos que dificultam também a identificação facial. No ato de semana passa, os policiais do CAEP usavam toucas, além dos códigos nos seus uniformes.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública informou que os agentes policiais passaram a ser identificados através de seu RE (Registro Estatístico) “por oferecer uma identificação mais precisa”. De acordo com a justificativa da pasta, existem “policiais com o mesmo nome, mas jamais com o mesmo RE”.

A identificação clara e precisa, porém, não deve ser apenas para um grupo de pessoas ou para a própria corporação da PM. “Nossa Constituição Federal diz que todo o agente público deve perpassar pelo principio de transparência e da publicidade. Toda a atuação de interesse público exercida por esses agentes públicos devem ser passíveis do controle social. Então todos os indivíduos que pertencem à sociedade brasileira têm o direito de saber quem é aquele agente e o que aquele agente está fazendo”, explica Marques.

Para ela, “não faz sentido um agente público ir com um combinado de letras e números para uma manifestação”. “Isso caracteriza uma opacidade da corporação”, classifica.

O decreto de Doria, diz ela, “reflete a incoerência do estado de São Paulo”, além de ser inconstitucional por impedir a liberdade de expressão e manifestação das pessoas de forma espontânea.

O Ouvidor da Polícia paulista, Benedito Mariano disse que ausência de transparência da PM é cultural e uma prática comum. “Em qualquer circunstâncias em qualquer ocorrência de manifestação policial cotidiana, o policial tem que andar identificado”.

Nesta terça-feira 22, o MPL volta as ruas de São Paulo para manifestar contra o aumento da tarifa de metrô e ônibus implantada no início do ano.

Leia também: Doria regulamenta lei que proíbe máscaras em protestos em São Paulo

Máscaras

“A nossa Constituição garante a liberdade de expressão vedando o anonimato, porém o uso de máscaras em protestos não caracteriza anonimato porque qualquer um é facilmente identificável”, diz Marques.

O uso de lenços, pedaços de panos ou mesmo máscaras de proteção são usadas por alguns manifestantes e jornalistas durante atos para se protegerem do gás dissipado pelo armamento utilizados pela própria polícia, como as bombas de efeito moral. A advogada afirma que o uso desse aparato não pode ser considerado uma tentativa de manter o anonimato e, em vários casos, trata-se de uma proteção da própria saúde daquele que está no alto.

Agentes da Companhia de Ações Especiais da Polícia Militar no ato do MPL. Crédito: Cauê Gomes

No caso de utilização de máscaras usadas por black blocs nos protestos, Marques ressalta que os autores de ações ilícitos, como depredação de patrimônio público ou privado, podem ser identificação numa averiguação e detenção policial.

Ação parada

A Defensoria Pública de São Paulo promoveu ação civil pública em 2014 contra os excessos da violência policial nas manifestações daquele ano. Dentro do processo, o órgão pedia que o plano de atuação da polícia previsse a identificação do agente policial com seu nome e posto.

Em 2016, a 10ª Vara da Fazenda Pública da Capital o pedido da defensoria e determinou a elaboração do plano de ação. Logo após a decisão, porém, o tribunal de Justiça de São Paulo determinou a suspensão de segurança. O caso está parado desde então.

*Colaborou Cauê Gomes

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