Dom Odilo “não tem altura intelectual” para ser papa, diz Leonardo Boff

Exponente da Teoria da Libertação também acredita que o Papa Francisco quer uma Igreja "simples, evangélica e destituída de todo o poder"

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*Atualizado às 18h10

Aos 74 anos, o teólogo catarinense Leonardo Boff comenta os problemas da Igreja Católica com voz calma, mas enfática. Fortemente combatido nos anos 1980 pela instituição da qual foi expoente, o premiado estudioso da religião diz a CartaCapital (poucas horas antes do anúncio do argentino Jorge Mario Bergoglio como o novo pontífice) que um papa da “periferia” era um direito das regiões que concentram a maioria dos católicos, como a América Latina e a África. Mas o nome ideal para este momento conturbado da Igreja Católica, segundo ele, não seria Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, que chegou a ser apontado como um dos favoritos ao posto.

 

“Dada à crise mundial, seja ecológica, financeira, ou interna da Igreja, ele não tem altura intelectual, nem abertura teológica capaz de dar uma resposta adequada e suficiente a essa crise”, diz.

Doutor em Teologia e professor-visitante de universidades respeitadas como Harvard, nos Estados Unidos, Boff é um dos líderes da Teologia da Libertação, que procura articular o discurso indignado frente à miséria e à marginalização com o da fé cristã. Uma tese combatida pelo Vaticano e que lhe rendeu, em 1985, uma condenação a um ano de silêncio obsequioso pelo livro Igreja: Carisma e Poder. Sete anos mais tarde, a possibilidade de uma nova reprimenda de Roma o levou a renunciar às suas atividades de padre.

      


Segundo o teólogo, Dom Odilo tem uma relação tensa com o clero e uma atitude autoritária, que pôde ser vista quando ele interveio na PUC-SP indicando para a reitoria a professora Anna Cintra, terceira colocada na eleição feita por alunos, funcionários e professores. O ato gerou manifestações e foi parar na Justiça, com a permanência da docente no cargo. “Ele criou um problema não resolvido.”

Dom Odilo, acredita, também não representaria “o lado mais vivo da Igreja brasileira” e não se mostra disposto a discutir temas importantes como o aborto, o uso de células tronco e o celibato. “Mantém o perfil da velha Igreja que não deu certo. [Como papa] faria remendos, mas não buscaria a cura do corpo.”

Para Boff, falta ao arcebispo mais experiência pastoral, pois ele sempre ocupou cargos em Roma, seminários, faculdades e outras burocracias, longe do povo. “Ele não vem de baixo, das raízes populares que sentem o grito dos oprimidos. Tem uma suspeita generalizada disso tudo como politização da fé. Por isso, não seria um papa adequado”, afirma.

De acordo com o teólogo, Dom Odilo não conhece o dia a dia dos fiéis, as contradições e as dificuldades da fé. “Há um vazio nele sobre isso. Por isso, ele pode ser tão duto na doutrina, porque está distante da realidade. Quando se encontra as pessoas e vê o seu sofrimento, você se enche de compaixão e modera a doutrina.”

Papa Francisco

Em texto publicado em seu blog nesta quinta-feira 14, Boff afirmou que a escolha do nome Francisco por Bergoglio pode indicar uma Igreja mais “simples, evangélica e destituída de todo o poder”. “Creio que o Papa Francisco tem em mente uma Igreja assim, fora dos palácios e dos símbolos do poder. Mostrou-o ao aparecer em público. Normalmente os Papas e Ratizinger, principalmente, punham sobre os ombros a mozeta aquela capinha, cheia de brocados e ouro que só os imperadores podiam usar. O Papa Francisco veio simplesmente vestido de branco e com a cruz de bispo.”

Um gesto que, acredita ele, aponta que o argentino quer “presidir na caridade”, com uma ligação maior com os fiéis e evitando a espetacularização da figura do papa.

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