Sociedade

Devaneio Capitalista

Como projetar empresas, criar marcas e mudar o mundo

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por William Vieira

Sentado à mesa do Café Armani, no terceiro piso do Shopping Iguatemi, em São Paulo, um homem de cabelos grisalhos e camisa de riscas lilases faz às vezes de arauto do fim dos tempos.

Isso para logo assumir o papel de profeta de um glorioso futuro, regido por um novo capitalismo baseado não só no consumo, mas em uma lógica superior de funcionamento das sociedades em consonância com a sofisticada tessitura do cosmo, descrita agora de maneira irretocável por ninguém menos do que ele.

Filósofo nato, visionário ignorado e um dos raros empresários a captar a tendência do destino, segundo a imodesta definição dele próprio, José Souza Martins, tal qual um Marx da Avenida Faria Lima, desfia sem pressa os elementos teóricos de seu vaticínio econômico, enquanto toma goles de Coca-Cola Light seguidos de café expresso. Espremido ali por símbolos do consumismo, como Dolce & Gabbana e Hugo Boss, “que criaram marcas com alma”, Martins regozija-se com seu achado. “Eles vão ver. Vou ficar rico quando o mundo comprar minha ideia. E falta pouco.”

Homem de fala rápida e dicção atrapalhada, que volta e meia estaciona sobre os lábios um teimoso perdigoto, Martins só silencia por cinco segundos para recolocar a obturação que cai de um dos dentes, logo retomando a narrativa de uma vida dedicada à complexa alquimia das marcas. Ele diz ter criado “um novo modelo corporativo mundial” que revolucionará a economia, ao enterrar as noções ultrapassadas do velho capitalismo financeiro em prol do que ele chama de “capitalismo científico” – tudo com base na gestão de marcas. Com o olhar vidrado no interlocutor, o autor tira da bolsa um grande livro azul de 608 páginas, cujo título, Criação Científica de Corporações Planetárias, nomeia a coletânea de textos, gráficos e ilustrações inventada por ele em anos de desemprego e criatividade. Boa parte das figuras foi extraída com entusiasmo e despudor da internet. Os textos formam uma bricolagem de apropriações de cânones de psicologia, sociologia, filosofia e senso comum. Juntos, sustentam sua profecia de uma revolução quase galáctica.

A síntese desse cotejo jaz no conceito que ele chama de “style”, o signo que melhor traduziria um produto e alcançaria diretamente o consumidor, indo ao encontro de sua psique como formiga no açúcar. O tal style “atua na mente magnética, que cria significado e valor, acima da mente instintiva do prazer e da dor, da intelectual-racional e da psíquica-emocional da percepção do ego”. Para chegar a tal conclusão, Martins entrevistou, diz, 10 mil pessoas em todo o mundo. “Assim definimos mil emoções humanas, que podem ser traduzidas por símbolos do mundo magnético.” A fala, marcada por um sotaque irreconhecível e permeada por tiques, metáforas e silogismos, enche o café. “Para fazer uma ponte, o cara começa colocando os tijolos ou faz um projeto? O empresariado hoje no Brasil está no nível do pedreiro. Eu faço projetos de empresas, prontas para funcionar. Minha tecnologia vale 1 milhão de dólares.” Mas ele não pretende vendê-la. Prefere fazer parte das novas empresas, como sócio igualitário. “Meu plano é fazer um grupo empresarial de 13 trilhões de dólares.”

Com uma inflexão de voz digna de um calejado contador de histórias, ele aceita o desafio de retraçar a genealogia da grande ideia parida por ele e contida na -modesta bíblia que leva consigo para -cima e -para baixo entre Alphaville, em São Paulo, – -onde mantém a “sede” da sua consultoria, e Brasília, onde vive com uma namorada. A gênese da fórmula remonta aos tempos em que ele ainda duvidava da predestinação do garoto nascido em Petrópolis por acaso, aos sete meses – a mãe grávida passeava por ali e não se conteve com a paisagem. Criança irrequieta, Martins foi um ávido devorador de bibliotecas. Dos 12 aos 18 anos leu toda a coleção de clássicos filosóficos, além de Sartre, -Confúcio, -Nietzsche, Stendhal e Dante. Nada escapou a seus olhos afiados. “Meu pai era muito ignorante. Foi desembargador, mas não lia nada. Já eu sempre tive mente científica.” Aos 20 anos, fez a descoberta de sua vida, a mesma que lhe traria apelidos e inimigos de escola. “Eu dizia a quem quisesse ouvir que o capitalismo é burro, só concentra capital. Aí me chamavam de louco.” Isso antes de ler Marx, garante. “Marx era um materialista. Mas o homem não o é, em essência. Faltava um lado magnético.”

Engenheiro de formação, Martins enche a boca ao dizer que fez MBA em Columbia. “Mas não aprendi absolutamente nada. Para alguém que sabe calcular a flexibilidade da asa de um avião, aquelas continhas eram uma palhaçada.” De volta ao País, trabalhou em usinas nucleares. “Foi quando vi que o Brasil não ia para a frente. Ninguém aprende a construir um disco voador olhando para uma carroça.” Até descobrir o marketing. Por uma década trabalhou no setor de planejamento de marcas em grandes companhias, até criar a sua. Martins então se ajeita na cadeira, junta as mãos e professoralmente resume sua teoria semiótica magnética. “O ser humano não consegue entender além dos símbolos. Mas as teorias de hoje são estúpidas. Jung não entendeu nada. E Freud só quis comer a mãe. Dá para acreditar em caras como eles?” Diz o site da Elsevier, “uma das mais antigas e conceituadas casas editoriais do mundo”, que seu autor trabalhou com planejamento estratégico em grandes agências e, “desde que desenvolveu sua teoria sobre marcas, atua como consultor e palestrante no assunto”. Seu nome é citado em blogs. Muitos endossam seus ensinamentos, como os do resenhadíssimo livro A Natureza Emocional da Marca, em que elenca 26 sentimentos estereotipados em arquétipos emocionais a serem usados para vender a marca.

Enquanto milhares marcham pelo mundo a ocupar “Wall Streets”, Martins faz sua revolução silenciosa. Todos os dias, acorda às 6 da manhã. Fica duas horas na internet, pesquisando imagens que usará. E passa o resto do dia a desenhar projetos de empresas. Ele as pensa em sua integralidade, explica. A empresa sairia do papel já pronta, com marca, produtos e área de mercado definidas. “Já fiz empresa de carro, de avião, de energia.” Em 2011, ele criou a “Corporações Científicas” e passou, diz, a levantar recursos em bancos de investimento. Já há grandes empresas, mesmo multinacionais, cujo nome prefere não mencionar, a sondar suas ideias, afiança. Martins ainda não tem clientes para o projeto. Sua fonte de renda são economias dos tempos em que os tinha de fato. Mas o futuro promete. “Na USP, me criticaram. Me disseram: ‘você acha que vai conseguir mudar o mundo?’ Eu digo que sim.”

por William Vieira

Sentado à mesa do Café Armani, no terceiro piso do Shopping Iguatemi, em São Paulo, um homem de cabelos grisalhos e camisa de riscas lilases faz às vezes de arauto do fim dos tempos.

Isso para logo assumir o papel de profeta de um glorioso futuro, regido por um novo capitalismo baseado não só no consumo, mas em uma lógica superior de funcionamento das sociedades em consonância com a sofisticada tessitura do cosmo, descrita agora de maneira irretocável por ninguém menos do que ele.

Filósofo nato, visionário ignorado e um dos raros empresários a captar a tendência do destino, segundo a imodesta definição dele próprio, José Souza Martins, tal qual um Marx da Avenida Faria Lima, desfia sem pressa os elementos teóricos de seu vaticínio econômico, enquanto toma goles de Coca-Cola Light seguidos de café expresso. Espremido ali por símbolos do consumismo, como Dolce & Gabbana e Hugo Boss, “que criaram marcas com alma”, Martins regozija-se com seu achado. “Eles vão ver. Vou ficar rico quando o mundo comprar minha ideia. E falta pouco.”

Homem de fala rápida e dicção atrapalhada, que volta e meia estaciona sobre os lábios um teimoso perdigoto, Martins só silencia por cinco segundos para recolocar a obturação que cai de um dos dentes, logo retomando a narrativa de uma vida dedicada à complexa alquimia das marcas. Ele diz ter criado “um novo modelo corporativo mundial” que revolucionará a economia, ao enterrar as noções ultrapassadas do velho capitalismo financeiro em prol do que ele chama de “capitalismo científico” – tudo com base na gestão de marcas. Com o olhar vidrado no interlocutor, o autor tira da bolsa um grande livro azul de 608 páginas, cujo título, Criação Científica de Corporações Planetárias, nomeia a coletânea de textos, gráficos e ilustrações inventada por ele em anos de desemprego e criatividade. Boa parte das figuras foi extraída com entusiasmo e despudor da internet. Os textos formam uma bricolagem de apropriações de cânones de psicologia, sociologia, filosofia e senso comum. Juntos, sustentam sua profecia de uma revolução quase galáctica.

A síntese desse cotejo jaz no conceito que ele chama de “style”, o signo que melhor traduziria um produto e alcançaria diretamente o consumidor, indo ao encontro de sua psique como formiga no açúcar. O tal style “atua na mente magnética, que cria significado e valor, acima da mente instintiva do prazer e da dor, da intelectual-racional e da psíquica-emocional da percepção do ego”. Para chegar a tal conclusão, Martins entrevistou, diz, 10 mil pessoas em todo o mundo. “Assim definimos mil emoções humanas, que podem ser traduzidas por símbolos do mundo magnético.” A fala, marcada por um sotaque irreconhecível e permeada por tiques, metáforas e silogismos, enche o café. “Para fazer uma ponte, o cara começa colocando os tijolos ou faz um projeto? O empresariado hoje no Brasil está no nível do pedreiro. Eu faço projetos de empresas, prontas para funcionar. Minha tecnologia vale 1 milhão de dólares.” Mas ele não pretende vendê-la. Prefere fazer parte das novas empresas, como sócio igualitário. “Meu plano é fazer um grupo empresarial de 13 trilhões de dólares.”

Com uma inflexão de voz digna de um calejado contador de histórias, ele aceita o desafio de retraçar a genealogia da grande ideia parida por ele e contida na -modesta bíblia que leva consigo para -cima e -para baixo entre Alphaville, em São Paulo, – -onde mantém a “sede” da sua consultoria, e Brasília, onde vive com uma namorada. A gênese da fórmula remonta aos tempos em que ele ainda duvidava da predestinação do garoto nascido em Petrópolis por acaso, aos sete meses – a mãe grávida passeava por ali e não se conteve com a paisagem. Criança irrequieta, Martins foi um ávido devorador de bibliotecas. Dos 12 aos 18 anos leu toda a coleção de clássicos filosóficos, além de Sartre, -Confúcio, -Nietzsche, Stendhal e Dante. Nada escapou a seus olhos afiados. “Meu pai era muito ignorante. Foi desembargador, mas não lia nada. Já eu sempre tive mente científica.” Aos 20 anos, fez a descoberta de sua vida, a mesma que lhe traria apelidos e inimigos de escola. “Eu dizia a quem quisesse ouvir que o capitalismo é burro, só concentra capital. Aí me chamavam de louco.” Isso antes de ler Marx, garante. “Marx era um materialista. Mas o homem não o é, em essência. Faltava um lado magnético.”

Engenheiro de formação, Martins enche a boca ao dizer que fez MBA em Columbia. “Mas não aprendi absolutamente nada. Para alguém que sabe calcular a flexibilidade da asa de um avião, aquelas continhas eram uma palhaçada.” De volta ao País, trabalhou em usinas nucleares. “Foi quando vi que o Brasil não ia para a frente. Ninguém aprende a construir um disco voador olhando para uma carroça.” Até descobrir o marketing. Por uma década trabalhou no setor de planejamento de marcas em grandes companhias, até criar a sua. Martins então se ajeita na cadeira, junta as mãos e professoralmente resume sua teoria semiótica magnética. “O ser humano não consegue entender além dos símbolos. Mas as teorias de hoje são estúpidas. Jung não entendeu nada. E Freud só quis comer a mãe. Dá para acreditar em caras como eles?” Diz o site da Elsevier, “uma das mais antigas e conceituadas casas editoriais do mundo”, que seu autor trabalhou com planejamento estratégico em grandes agências e, “desde que desenvolveu sua teoria sobre marcas, atua como consultor e palestrante no assunto”. Seu nome é citado em blogs. Muitos endossam seus ensinamentos, como os do resenhadíssimo livro A Natureza Emocional da Marca, em que elenca 26 sentimentos estereotipados em arquétipos emocionais a serem usados para vender a marca.

Enquanto milhares marcham pelo mundo a ocupar “Wall Streets”, Martins faz sua revolução silenciosa. Todos os dias, acorda às 6 da manhã. Fica duas horas na internet, pesquisando imagens que usará. E passa o resto do dia a desenhar projetos de empresas. Ele as pensa em sua integralidade, explica. A empresa sairia do papel já pronta, com marca, produtos e área de mercado definidas. “Já fiz empresa de carro, de avião, de energia.” Em 2011, ele criou a “Corporações Científicas” e passou, diz, a levantar recursos em bancos de investimento. Já há grandes empresas, mesmo multinacionais, cujo nome prefere não mencionar, a sondar suas ideias, afiança. Martins ainda não tem clientes para o projeto. Sua fonte de renda são economias dos tempos em que os tinha de fato. Mas o futuro promete. “Na USP, me criticaram. Me disseram: ‘você acha que vai conseguir mudar o mundo?’ Eu digo que sim.”

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