Curandeirismo eletrônico

Promessas de falsas curas na televisão e nas redes sociais movimentam um mercado bilionário no Brasil. A regulação frouxa facilita a vida dos charlatões

Comprando o produto milagroso, o terço de orações vem de brinde – Imagem: Redes sociais

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Em grupos de ajuda de 12 passos, um dos primeiros ensinamentos passados aos novatos é que o alcoo­lismo é uma doença incurável, progressiva e potencialmente fatal, que, se não for controlada a tempo, pode levar o dependente à demência ou à morte. A assertiva pode parecer um tanto fatalista, mas o melhor protocolo de tratamento disponível no Brasil, baseado no uso de ansiolíticos e antidepressivos e combinado com psicoterapia, promete apenas auxiliar o alcoólatra a se manter mais tempo longe do copo, uma vez que recaídas ou “lapsos” parecem ser inevitáveis para a ampla parcela dos pacientes. Há estudos promissores, sobretudo no exterior, envolvendo o uso de microdoses de cetamina, potente analgésico de uso veterinário, ou de psilocibina, substância extraída dos famosos cogumelos mágicos. Ainda assim, espera-se que essas drogas contribuam para prolongar o período de abstinência. Nenhum dos pesquisadores ousa falar em cura para a moléstia.

A comunidade científica internacional talvez esteja defasada, alheia aos notáveis avanços obtidos pelo curandeirismo nativo. Há anos, em seu programa televisivo na Rede Vida, o padre sertanejo Alessandro Campos anuncia um produto milagroso, 100% natural, que “vai acabar definitivamente com o seu problema de alcoolismo”, garante. Bastam dez gotinhas do Tad Control, duas vezes ao dia, para livrar qualquer pessoa do vício, até mesmo aqueles que resistem em aceitar o tratamento. Incolor, insípido e inodoro, o líquido pode ser diluído até na bebida alcoólica. Assim, o alcoólatra relutante “nem vai perceber que está sendo tratado”, acrescenta o promotor de vendas ao lado do sacerdote de chapelão branco, sua marca registrada nos shows que faz pelo Brasil afora – além do trabalho à Santa Sé, Alessandro Campos é um famoso cantor, com milhões de álbuns vendidos.

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3 comentários

ricardo fernandes de oliveira 30 de junho de 2023 20h43
E um conjunto de coisas: uma população pouco alfabetizada, um Conselho federal de medicina que fez vista grossa para a hidroxicloroquina, os políticos de todos os partidos que fazem vista grossa para as vigarices das curas dos pastores evangélicos, e a dificuldade de marcar consulta com médicos, mesmo quando vc tem plano de saúde, são os médicos ausentes nos postos de saúde e aqueles de formação deficiente, tudo isso leva a automedicação
Reginaldo Araújo Costa 1 de julho de 2023 22h02
Com o advento do Covid-19, as vendas de vitaminas, principalmente a vitamina D, tornaram-se uma coisa absurda. No princípio da pandemia, 1.000 UIS seriam necessários para tornar alta a imunidade, depois 5.000 e hoje fala-se até em 30.000 e 50.000. Cuidados com a ingestão de alimentos, medicamentos e suplementos alimentares, tornam-se cada dia mais preciso. Se vamos numa farmácia, a pressão para a compra de vitaminas e suplementos impressiona, nos supermercados são as ofertas de embutidos e enlatados. As pilhas de caixas de vitaminas nas grandes redes de farmácias em Minas Gerais e na Bahia também, precisam ser diminuídas, e para isso, o vendedor lhe oferece 3 na compra de dois.
PAULO SERGIO CORDEIRO SANTOS 2 de julho de 2023 23h20
O governo Lula , o Ministério da Saúde , o Ministério das Comunicações além de outras instituições do Estado brasileiro têm um grande desafio pela frente que é a desarticulação dessas crendices que somente causam mal a saúde dos brasileiros e desinformação. No último quadriênio presidencial, esses charlatões se aproveitaram da leniência dos governos Temer e Bolsonaro para atacar no mercado e na boa fé das pessoas e assim vender seus medicamentos milagrosos sem o mínimo critério científico e até anticientífico. Urge que qualquer indício de veiculação desse charlatanismo midiático e eletrônico seja denunciado e severamente punido para que tenhamos a moralização e o início de um tempo em que as pessoas se conscientizem que a saúde não pode ser mercantilizada de fora irresponsável e criminosa. Os Conselhos Regionais e Federal de medicina e farmácia precisam atuar proativamente contra esses enganadores e o Ministério Público, Policia Federal e Judiciário atuar combativamente de modo a educar coercitivamente esses falsos vendedores de ilusões e messiânicos desses milagres da saúde alheia.

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