Sociedade

‘Cuidamos do filho da patroa e o nosso fica abandonado’: os relatos de trabalhadoras domésticas a Lula

No ABC Paulista, trabalhadoras e sindicatos entregaram reivindicações da categoria ao candidato do PT à Presidência

Lula e Diana Soliz durante o discurso - Foto: Reprodução
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O ex-presidente Lula, candidato do PT ao Palácio do Planalto, se reuniu neste domingo 4 com trabalhadoras domésticas no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, em São Bernardo do Campo, a fim de debater propostas sobre a categoria.

Ao lado da esposa Janja, do candidato a vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do postulante petista ao governo de São Paulo, Fernando Haddad (PT), Lula apostou em um discurso sobre economia, saúde e educação. 

As declarações representaram um forte aceno às mulheres, majoritárias no evento. Lula tornou a defender a recriação do Ministério da Mulher e a reativação do programa Farmácia Popular. 

Também marcaram presença Márcio França (PSB), candidato ao Senado por São Paulo; Gleisi Hoffmann, presidenta do PT; Lu Alckmin, esposa do vice de Lula; Ana Estela, esposa de Haddad; e representantes de organizações de empregadas domésticas.

Entre elas estava Diana Soliz de García, 61 anos, trabalhadora doméstica e imigrante boliviana que chegou a passar por uma situação análoga à escravidão em seu primeiro emprego no Brasil. De 2008 a 2014, ganhava entre 200 e 400 reais por mês, mesmo trabalhando todos os dias. 

Após ficar doente durante dois meses, sem respaldo financeiro, procurou ajuda no Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo, do qual faz parte até hoje.

“Antes, a trabalhadora doméstica imigrante… Nem digo antes, ainda é invisível… É difícil saber onde tem uma trabalhadora doméstica imigrante. Elas são escravizadas, não têm seus direitos garantidos”, afirmou Soliz na agenda. Ela pediu que Lula “olhasse com um pouco de carinho” para “essa luta”.

“Porque somos nós que damos o sangue, somos nós que cuidamos das patroas e dos filhos das patroas enquanto nossos filhos ficam abandonados em nossas casas.”

A categoria chegou a ter o título de “serviço essencial” durante o início da pandemia da Covid-19 no País, o que sindicatos avaliaram à época como “expressão de racismo”. Afinal, dos 5,7 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, 91% são mulheres e 65% são negras (3,4 milhões), segundo um levantamento do Dieese publicado em 2021. 

Em meio à crise sanitária, trabalhadoras foram dispensadas por justa causa, devido a ausência, o que levou o Ministério Público do Trabalho a emitir uma nota para orientar a dispensa remunerada das domésticas ante os riscos de se expor ao coronavírus. No Brasil, a primeira pessoa morta pela Covid-19 foi Cleonice Gonçalves, 63 anos, trabalhadora doméstica do Rio de Janeiro.

Reivindicações

Cleide Silva Pinto, presidenta interina da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos, entregou a Lula uma carta com demandas da categoria produzida em conjunto com sindicatos regionais.  

Entre as reivindicações, está a atualização da Lei Complementar 150, a prever apenas para trabalhadoras que atuem ao menos três vezes por semana piso salarial mínimo, 13º salário, FGTS, horas extras, descanso semanal remunerado e licença-maternidade, além de INSS e seguro contra acidente de trabalho. 

“A doméstica que trabalha duas vezes por semana fica sem direito nenhum, mesmo que trabalhe o mês inteiro. Mas o médico e o professor que trabalham assim têm seus direitos. Isso só porque têm canudo? E por que a gente não tem?”, questionou Cleide em conversa com CartaCapital.  

Cleide Silva Pinto, presidente interina da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos. Foto: Camila Da Silva/CartaCapital

Além da atualização da Lei Complementar 150, Cleide mencionou a importância da criação da Lei das Domésticas para regularizar o trabalho da categoria e defendeu o fim do trabalho intermitente. 

Maria Regina Teodoro, 65 anos, do Sindicato das Domésticas de Campinas (SP), relembrou a Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalhoa reconhecer a importância social do trabalho doméstico e definir regras como o limite de duração da jornada, um salário mínimo e a proteção da maternidade.

“Eu estive em Genebra nesse processo da condução, e ela precisa ser efetivada. Ela foi promulgada, porém, ainda não foi colocada em prática, e isso é que é o essencial, porque só assim a gente vai conseguir nossa equiparação de direitos”, diz Maria. 

Maria Regina Teodoro, representante do Sindicato das Domésticas de Campinas – Foto: Camila da Silva/CartaCapital

Aposentada por idade, ela trabalhou como doméstica desde os 12 anos, a exemplo de outras mulheres de sua família. Para Maria, “os empregadores continuam não cumprindo a lei” e “se você não briga muito e conversa com empregador de igual para igual, você não tem seus direitos garantidos”. 

Jorgina dos Santos, presidenta e fundadora do Sindicato das Domésticas de Volta Redonda (RJ), afirma ter começado a trabalhar no setor aos 14 anos, ganhando cerca de 150 reais por mês. Ela não tinha percepção de seus direitos, nem imaginava a quem deveria recorrer caso algo acontecesse. 

Jorgina dos Santos, fundadora do Sindicato das Domésticas de Volta Redonda no Rio de Janeiro – Foto: Camila Da Silva/CartaCapital

Em 1992, com a forte atuação sindical em Volta Redonda, ela conheceu a Associação das Trabalhadoras Domésticas e, logo depois, decidiu criar um sindicato. 

Jorgina ressalta a necessidade de revisão do salário estadual das domésticas, hoje em 1.238,11 reais no Rio de Janeiro.

Para Tatiane Loredo Camargo, 46 anos, do Rio Grande do Sul, desde o governo de Michel Temer (MDB) a situação financeira da categoria entrou em deterioração significativa. Com isso, tornou-se necessário “racionar” a comida, e o lazer virou uma exceção. 

“Você tinha duas TVs pré-pagas que são a cabo, tu já diminui. Começa a prestar muito mais atenção à cesta básica dentro da tua casa. Eu mesma tenho que limitar minha cesta dentro da minha casa, para que isso não falte, porque eu não posso deixar faltar”, admite. “Sabe uma quantidade a mais de comida? Era a quantidade, e antes você não precisava estar calculando para não faltar.”

Tatiane Loredo Camargo, trabalhadora doméstica do Rio Grande do Sul – Foto: Camila Da Silva/CartaCapital

O levantamento do Dieese mostra que houve uma diminuição no número de trabalhadoras com carteira assinada – hoje, 76% trabalham sem registro, um total de 4 milhões. Sobre o assunto, Lula disse não desejar “que a filha da empregada doméstica prejudique o filho do patrão dela”, apenas “que o filho da empregada doméstica tenha a oportunidade de disputar a mesma vaga com qualquer outra pessoa do mundo”.

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