Maria Alice (nome fictício) tinha apenas 6 anos quando começou a ser abusada sexualmente por um tio. Aos 10 anos ganhou na Justiça o direito ao aborto legal, depois da confirmação de uma gravidez fruto de quatro anos dessa violência. O caso ganhou grande repercussão porque o sistema de saúde do estado natal da criança, o Espírito Santo, recusou-se a fazer o procedimento e ela precisou ser transferida para Pernambuco, onde o aborto aconteceu em meio a protestos de fundamentalistas. Maria Alice é apenas uma das mais de 73 mil vítimas de estupro em crianças e adolescentes de zero a 17 anos ocorridos entre 2019 e junho de 2021, dos quais quase 14 mil no primeiro semestre deste ano – aumento de 6,9% comparado ao mesmo período de 2020. Os dados constam em uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com a Fundação José Luiz Egydio Setúbal, publicada no início deste mês.
Segundo o levantamento, 56,6% dos crimes cometidos contra crianças e adolescentes são de estupro, cujo alvo preferencial são meninas (85%), com maior incidência na faixa etária de 10 a 14 anos (47%) e entre 5 e 9 anos (26%). A maioria (51,6%) é negra. O estudo foi feito a partir da compilação de informações dos boletins de ocorrência sobre violência contra crianças e adolescentes no Distrito Federal e em 11 estados, incluindo o Espírito Santo de Maria Alice. O médico Olímpio Moraes Filho, diretor do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros – unidade que garantiu o aborto legal da criança –, tem larga experiência no atendimento de meninas violentadas que precisam interromper gravidez, em decorrência de abusos. Ele chama atenção para a gravidade e as consequências dessa violência. “Entre 70% e 80% desses estupros são praticados por pessoas da família que deveriam proteger a criança, o que dificulta a identificação da violência. A gravidez a partir do abuso sexual é uma das principais causas de suicídio, pelo sofrimento causado à saúde mental dessas crianças”, ressalta.
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