Coronavírus: Processos de adoção enfrentam dificuldades na pandemia

Falta de informação e difícil adaptação ao meio virtual são algumas das queixas das mães e pretendentes que passam pelo processo

Família. Foto: Pixabay

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Era maio quando o telefone tocou para a servidora pública Daniela Mendes. Há cinco meses na fila de adoção, ela recebeu a notícia da assistente social de sua comarca, em Olinda (PE), de que havia uma criança no seu perfil. Hoje, ela e a esposa Maria Helena de Jesus são mães do Anderson, de 9 anos.

No contexto da pandemia do novo coronavírus, os processos de adoção passaram por adaptações em suas etapas, majoritariamente presenciais.  No meio de março, fóruns de diversos estados suspenderam suas atividades e a retomada gradual é feita com o auxílio de ferramentas virtuais.

Daniela conta que tudo foi resolvido por meio de ligações telefônicas e videochamadas. “Depois que a assistente social nos ligou, ela fez a ponte entre nós e a casa de passagem onde nosso filho estava. Nós o conhecemos inicialmente por vídeo, mesmo morando perto do abrigo.” Os acompanhamentos da assistente social, posteriores à adoção, também são realizados virtualmente.

Para a servidora pública, os abrigos e casas de passagem não têm estrutura para a aproximação. “É improvisado. Nós marcávamos uma hora e ligávamos para a cuidadora, uma vez por dia, para conversar com ele. Para a criança, o processo não faz muito sentido. É difícil mantê-la em uma conversa de vídeo por mais de cinco minutos”.

Daniela compartilha que “a visita presencial foi incrível e ao mesmo tempo estranha”. Ela teve que encontrá-lo na área externa da casa de passagem, com distanciamento e usando máscaras. Foi a única vez que o viu pessoalmente antes de levá-lo para casa, cerca de 15 dias depois. 


”Tive a impressão de que existiu uma certa intenção da Justiça em manter as crianças o mínimo de tempo possível nas instalações por conta da pandemia. Lá elas ficam todas juntas. Imagino que pensem na capacidade das famílias em mantê-las isoladas, seguras e num ambiente mais saudável”, reflete Daniela.

Antes de sair da casa de passagem, seu filho fez o teste de Covid-19. Depois disso, a família ficou em isolamento por duas semanas. “Eu prefiro pensar que passamos por uma prova extra de termos nos conhecido numa época de pandemia, sem uma rotina normal de escola e passeios. Mas estamos nos virando bem”, diz.

 

 

A advogada Fernanda Massad, de São Paulo (SP), passou pelo processo de adoção duas vezes. A primeira foi para receber Emanuel, na época com 9 meses, hoje com 7 anos. A segunda foi com Leonardo, de 1 ano, cujo processo foi finalizado na pandemia.

Com Emanuel, o processo durou 1 ano e 1 mês, enquanto o do Leonardo se estendeu por 3 anos e 4 meses. “O processo do Leo foi totalmente on-line. As reuniões com assistente social e a entrevista com psicólogas foram feitas virtualmente. Sinto que a pandemia atrasou a adoção em cerca de três meses”, afirma.

Fernanda conta que a aproximação teve alguns obstáculos. Para ela, é muito difícil fazer contato com a criança por videochamada, especialmente se ela é muito pequena.

“Quando eu fui conhecê-lo pessoalmente, fiquei em uma sala isolada, sem contato com mais ninguém. Tive que fazer o teste de Covid-19, assim como ele e a psicóloga que nos acompanhou”, revela.

No primeiro processo, ela conheceu o Emanuel no dia seguinte ao recebimento da ligação do fórum. Agora, foi necessário esperar cerca de um mês para ver o Leonardo pessoalmente. “Ninguém estava preparado para uma situação dessas”, afirma.

 

Na fila

Enquanto Fernanda e Daniela conseguiram finalizar seus processos, algumas pretendentes passam por impasses na continuidade da adoção.


A administradora Patrícia Rocha, de São Paulo (SP), deu entrada no processo em agosto de 2019, e se encontra na fase de habilitação. Ela conta que já realizou a primeira entrevista com psicóloga, porém, não consegue marcar as próximas.

“Minhas entrevistas foram canceladas por conta da pandemia, sem data de reagendamento”, diz. Patrícia conseguiu entrar em contato via e-mail apenas com a assistente social. Ela foi informada de que os fóruns não estavam funcionando e não ofereceram a possibilidade de atendimento on-line. 

Para ela, a maior dificuldade está relacionada à ausência de informações. “O meu cadastro no site não possui nenhuma evolução, agendamento ou posicionamento de quando meu processo poderá seguir”, conta.

 

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Vanessa Lima, advogada do Rio de Janeiro (RJ), iniciou seu processo em março e ainda está na etapa de habilitação. Ela passa o período de isolamento social no interior de Minas Gerais, onde tentou dar entrada no processo.

“Exigem que eu já tenha o curso de formação de pretendente, mas ele não é oferecido aqui. Somente agora estão aceitando que o curso seja feito em outros lugares”, compartilha. Ela estava inscrita em um curso online de São Paulo e por não ter conseguido assistir a uma aula por causa da conexão de internet foi excluída da turma.

Vanessa conta também que entrou na busca ativa, pois seu perfil de adoção é para adolescente. “A equipe técnica se esforça muito para fazer essa adaptação e não prejudicar a criança, mas o contato virtual é muito diferente”, reforça.

 

A adoção no Brasil

 

De acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), 31,2 mil crianças estão em casas de acolhimento e instituições públicas do País e cerca de 5,2 mil estão disponíveis para adoção. Ainda assim, há cerca de 36,4 mil pretendentes disponíveis no País.


Fernanda aponta que algumas pessoas ainda veem o processo de adoção com preconceito, em relação aos pretendentes e às crianças.

“O termo ‘filho adotivo’ é sempre usado como se fosse algo de outro mundo. No âmbito pessoal, nunca enfrentamos isso, mas a sociedade ainda tem esse estigma”, completa.

Já Vanessa compartilha que enfrenta alguns julgamentos por ser solteira e querer adotar uma adolescente. “As pessoas possuem uma visão muito estigmatizada e negativa. Mas também vejo pessoas que encaram essa adoção como uma beatificação, um ato de caridade”.

A advogada diz que a adoção é mais uma forma de ter um filho, portanto, tem muito amor envolvido, mas também muito trabalho.

Para Daniela, é um processo burocrático e distante do dia a dia das pessoas, então, não é simples de se entender.

“Muitos se queixam do tempo de espera, mas ele é necessário. Não é sobre nós, pretendentes, é sobre as crianças e adolescentes e as necessidades deles de terem uma estrutura familiar saudável”.

 

*Malu Bassan é estagiária e escreveu esse texto sob a supervisão do editor Alisson Matos

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