Saúde

Consumo de álcool cresce no Brasil e provoca cada vez mais danos

Financiada pela indústria de bebidas, pressão social pelo consumo é responsável pelo crescimento

(Foto: Getty Images)
Apoie Siga-nos no

Números da Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstram que o consumo de bebidas alcoólicas pelos brasileiros acima de 15 anos acelerou em uma década: se em 2006 o consumo per capita anual era de 6,2 litros de álcool puro, em 2016 essa média pulou para 8,9 litros. O aumento é de 43,5%.

O consumo nacional está acima da média mundial, de 6,4 litros. Além disso, o Brasil é o terceiro país na América Latina e o quinto em todo o continente com o maior consumo de álcool per capita, ficando atrás apenas de Canadá (10 litros), Estados Unidos (9,3 litros), Argentina (9,1 litros) e Chile (9 litros).

“O álcool é a substância psicoativa com maior consumo e dependência no Brasil”, afirma o psicólogo Telmo Ronzani. Dados epidemiológicos nacionais demonstram que há um consumo cada vez mais cedo entre os jovens e que cerca de 13% da população apresenta um quadro de dependência alcoólica.

Além do alto consumo per capita, o beber para se embriagar é outro problema cada vez maior no Brasil. O comportamento de ingerir grandes quantidades de álcool num curto espaço de tempo (5 doses para os homens e 4 doses para as mulheres, num período de 2 horas) teve um aumento de 31,1% de 2006 a 2012.

Segundo o estudo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), 32% da população brasileira bebe de forma moderada, e 16% tem um comportamento de consumo de álcool nocivo. Por causa desses índices preocupantes verificados na última década, o Brasil transformou o 18 de fevereiro no Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo.

“O consumo de álcool é um dos maiores problemas de saúde pública no mundo, principalmente na América Latina. No Brasil, o uso abusivo da substância tem proporções epidêmicas”, afirma o biocientista Gabriel Andreuccetti, da Faculdade de Medicina da USP.

“Embora a conotação de epidemia seja mais utilizada para se referir a doenças infecciosas que tragam risco à comunidade, o uso abusivo do álcool pode ser considerado como tal por ser um componente importantíssimo no desencadeamento da desestruturação social, com inúmeras consequências negativas para a sociedade”, argumenta Andreuccetti, lembrando que a substância é a droga psicoativa que mais causa dano social no Brasil.

O uso de álcool ocasiona mais de 3 milhões de mortes por ano em todo o mundo. No Brasil, cerca de 40 mil mortes por acidentes de trânsito e 60 mil homicídios ocorrem, por ano, como resultado do consumo de álcool, estima o pesquisador, alertando que o país carece de pesquisas que demonstrem os danos causados pelo álcool em nível nacional.

“O consumo de álcool no Brasil gera custos sociais e de saúde inestimados, já que é um grande problema de saúde pública que afeta não somente o indivíduo, mas também a família e a sociedade em geral”, afirma a professora Sandra Cristina Pillon, da USP de Ribeirão Preto.

Leia também: A cruzada de Putin contra o alcoolismo na Rússia

Mortes e violência

Em sua pesquisa de pós-doutorado, Andreuccetti investigou a relação entre as mortes violentas ocorridas em São Paulo em 2014 e 2015 com o consumo de álcool. Segundo ele, 55% dessas mortes ocorridas na capital estão relacionadas com as bebidas alcoólicas. O percentual médio mundial, para as pessoas de 20 a 39 anos, é de 25%, menos da metade da média encontrada na cidade paulistana.

Andreuccetti analisou 365 mortes súbitas e violentas relacionadas ao álcool, registradas em 19 meses de pesquisa, e constatou que se tratavam, principalmente, de homicídios (104 mortes), acidentes de trânsito (56 mortes) e suicídios (44 casos). “Vale apontar que os homicídios têm relação com a violência interpessoal, como a violência doméstica”, ressalva.

Segundo ele, também é comum encontrar álcool no sangue de vítimas que morreram de forma súbita em função de afogamento, queda, intoxicação e envenenamento.

Contudo, as mortes violentas são apenas uma das consequências do álcool na sociedade brasileira. “Os danos ocasionados pelo consumo abusivo de álcool compreendem desde os efeitos crônicos, tais como transtornos mentais, cirrose hepática, câncer, bem como outros agravos à saúde oriundos do uso agudo”, afirma.

Perdas econômicas por baixa produtividade, incapacitação, custos hospitalares e depreciação do patrimônio público em razão de acidentes causados pelo abuso de bebidas alcoólicas também devem entrar na conta dos danos causados pelo álcool no Brasil.

Outro estudo, feito pela Faculdade de Medicina da USP e publicado em 2018, demonstrou a ligação entre o consumo de álcool e o suicídio entre os brasileiros: 30% das vítimas dos 1.700 suicídios ocorridos entre 2011 e 2015 em São Paulo apresentavam concentrações de teor alcoólico no sangue. Essa taxa chegou a 34,7% entre os homens. Dentro da faixa etária de 25 a 44 anos, mais de 61% dos suicidas tinham álcool no sangue.

O álcool está associado a mais de 60 condições agudas e crônicas de saúde, como a hipertensão e o diabetes, doenças agravadas pelo consumo de álcool. “O principal problema, contudo, é que o consumo de álcool também está associado a diversos danos sociais, entre eles a violência doméstica e urbana, problemas no desempenho escolar e laboral, comportamento sexual de risco, entre outros”, afirma Ronzani.

Leia também: Usuários de drogas no mundo somam 250 milhões

Pillon alerta que os danos sociais causados pelo álcool tendem a piorar nos próximos anos, já que os jovens estão consumindo bebidas alcoólicas cada vez mais cedo, por volta dos 14 anos, e por causa do aumento do consumo irresponsável, principalmente entre as mulheres. “O consumo que resulta em embriaguez é o mais perigoso, e é justamente o que tem aumentado, sobretudo entre as mulheres”, alerta Pillon. Entre 2006 e 2012, houve um aumento de 20% de bebedores frequentes no Brasil. O aumento entre as mulheres foi de 34,5%.

Saúde mental

O Brasil é recordista mundial em transtornos de ansiedade, como síndrome do pânico, e o segundo país latino com maior incidência de depressão, de acordo com a OMS. O país com menor prevalência de depressão na América é a Guatemala, e o maior, os Estados Unidos, países que, coincidentemente, têm a menor média de consumo de álcool per capita e a segunda maior média, respectivamente.

“Porém, não seria correto fazer essa relação simples de que o consumo de álcool leva à depressão e ansiedade. Essas condições de saúde são complexas e alguns estudos mostram que são fatores biopsicossociais que envolvem tais condições de saúde. Por outro lado, há estudos que mostram tal associação”, explica Ronzani.

Para Andreuccetti, ainda faltam estudos que demonstrem que o álcool é o fator causal responsável pelos transtornos depressivos e mentais observados no Brasil, apesar de estudos epidemiológicos já terem mostrado que o consumo de álcool aumenta o risco de desenvolvimento de depressão.

“Como o Brasil apresenta um consumo per capita de álcool acima da média mundial, esse tipo de associação deve ser considerada em estratégias preventivas voltadas para o uso abusivo de álcool em países como o Brasil, onde as taxas de transtornos mentais são igualmente altas”, defende o biocientista.

Indústria do álcool

Para Ronzani, a relação do brasileiro com o álcool não pode ser explicada de maneira simplista e vai além de fatores culturais, incluindo questões políticas e econômicas. “O consumo em altas doses e a embriaguez é culturalmente estimulado na população, em especial entre os jovens, mas há outros fatores associados, como a fácil disponibilidade das bebidas alcoólicas para pessoas de diversas idades, especialmente os jovens, e uma grande pressão social pelo consumo que, na realidade, é financiada pela indústria do álcool”, afirma o especialista.

Empresas financiam pressão social por consumo de álcool (Foto: Reprodução)

“No quesito político, não podemos ignorar que existe um lobby para dificultar o avanço nas políticas de controle ao consumo de álcool no país”, afirma Ronzani. Ele argumenta que a indústria do álcool brasileira, em especial a de cerveja, é uma das mais lucrativas do mundo. “Isso gera uma grande influência social, econômica e política.”

Para o especialista, é urgente que as leis já vigentes para regular o consumo e comércio de bebidas alcoólicas sejam eficazes. “É preciso que as leis que restringem a venda de bebidas a menores de idade sejam realmente cumpridas”, defende Ronzani.

Como exemplo do fator político associado ao consumo de álcool, Pillon lembra que o Brasil tem voltado a discutir a liberação da venda de bebidas alcoólicas em estádios de futebol, proibida desde 2008. “Estamos vendo há um tempo movimentações dos senadores para revogar essa lei. Isso seria um retrocesso, pois o álcool está claramente associado à violência, e foi justamente por isso que ele foi banido dos estádios.”

Para a professora, aumentar o preço das bebidas alcoólicas, como muitos defendem, pode ser uma solução apenas superficial para o problema de consumo irresponsável de álcool no país. “Estudos demonstram que uma maior renda per capita está relacionada com aumento de consumo de álcool no Brasil”, argumenta. “O mercado do álcool no país é completamente desregulado, não existe controle de pontos de venda e a concorrência e publicidade do álcool são altíssimas e não controladas. É isso que realmente precisa mudar”, defende Pillon.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.