Sociedade

Conservadorismo da população afeta proteção a mulheres, mostra estudo

Implementação de recursos sugeridos pela Lei Maria da Penha nas cidades esbarra no perfil dos eleitores locais

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Uma população mais conservadora pode representar más notícias para o sucesso da proteção dos direitos das mulheres nos municípios.

É o que mostra um estudo dos pesquisadores brasileiros Malu Gatto e Victor Araújo. Para chegar a esse recorte, ainda pouco explorado, a dupla cruzou dados da implementação das políticas da Lei Maria da Penha com informações sobre o conservadorismo do eleitorado.

A conclusão é que municípios com eleitorado mais conservador tendem a se engajar menos em implementar planos de combate à violência contra a mulher. A hipótese se mantém entre municípios que registram mais ou menos assassinatos de mulheres ou possuem maiores aparatos burocráticos, por exemplo.

Gatto e Araújo testaram a hipótese principal – de que o conservadorismo afetaria a efetividade das leis de proteção – com análises baseadas na quantidade de instrumentos sugeridos pela Lei Maria da Penha nos municípios  e com o nível de conservadorismo local, um medidor criado pelos pesquisadores Rodrigo Rodrigues Silveira e Timothy Power considerando as eleições de 1994 a 2018.

Variáveis como a porcentagem de mulheres eleitas no município ou a influência religiosa de legisladores, assim como dados dos casos de feminicídio, também compõem o estudo. 

O fato do eleitorado conseguir influenciar políticas públicas é visto como algo bom, a gente quer haja influência sobre as políticas públicas. Mas, nesse caso, essa afinidade entre a demanda do eleitorado e as políticas gera, nos municípios em que o eleitorado é mais conservador, menor proteção para as mulheres”, explica Malu Gatto, professora assistente de Políticas Latino-Americanas na University College London, do Reino Unido. 

“O que a gente analisa é o que leva a essa variação de efetividade das políticas públicas, e o conservadorismo do eleitorado se aponta de fato como uma das variáveis mais importantes. Isso é interessante, porque a gente controla nos nossos modelos estatísticos pela ideologia dos representantes eleitos, e mostra de fato que o eleitorado que está puxando essa diminuição dos instrumentos adotados nos municípios mais conservadores”, explica.

A pesquisadora aponta que pessoas do espectro mais conservador tendem a preferir políticas que não separem as famílias e que apostem, em vez disso, na reconciliação de casais, por exemplo. Logo, aparatos que visam tirar uma mulher do convívio com o agressor têm menor apelo a essa população.

Gatto não aponta motivos ou soluções, mas destaca que políticas de combate à violência, pelo menos à nível eleitoral, têm um apelo pouco relacionado às ideologias “diferente de pautas como aborto ou direitos reprodutivos de uma maneira mais ampla”, diz, “e por conta disso ela é uma pauta mais fácil de governos de esquerda ou direita apoiarem”.

A questão principal deve ser olhar para aplicação plena da Lei Maria da Penha, argumenta. Entre os dados coletados, consta que, após 14 anos da promulgação, apenas 21% dos 5.570 municípios brasileiros adotaram ao menos um dos instrumentos recomendados pelo rico arcabouço de medidas da Lei.

“A Lei de fato sugere a implementação de todos esses instrumentos, que são os mais apropriados para se lidar com a violência doméstica. Não basta uma casa abrigo, mas também precisa de uma delegacia especializada. Não é um problema da lei em si, mas dessa implementação de lei que perpassa um processo estrutural de federalismo. É mais complicado em relação às responsabilidades em diversos níveis.”

Dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no domingo 07, véspera do Dia Internacional da Mulher, mostraram que houve 105 mil denúncias de violência contra a mulher registradas por meio de canais do governo federal como Ligue 180 e Disque 100. Deste total, 72%, ou mais de 75 mil denúncias, são referentes à violência doméstica e familiar contra a mulher.

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