Em parecer emitido em fevereiro e divulgado na segunda-feira 8, o Conselho Federal de Medicina (CFM) decidiu que adolescentes transexuais têm direito a realizar tratamento hormonal antes da puberdade – desde que possuam orientação médica e autorização dos responsáveis. Os jovens devem ter acesso a esse tipo de procedimento no Sistema Único de Saúde (SUS) e em centros de excelência, geralmente ligados a universidades públicas.
O parecer foi realizado após consulta do Núcleo de Combate à Discriminação da Defensoria Pública de São Paulo, que recebeu uma demanda da ONG Grupo de Pais de Homossexuais (GPH). A organização relatou que muitos jovens transexuais recorriam a tratamentos clandestinos devido à falta de regulamentação sobre o assunto no SUS)
Apesar de não ter força de lei, espera-se que o parecer direcione protocolos sobre o tratamento, além de aumentar o acompanhamento médico de crianças e adolescentes com transtorno de identidade de gênero (TIG). “Esses pacientes devem ser assistidos no SUS, com estrutura multiprofissional. Isso deve evitar o uso clandestino e indiscriminado de hormônios, que é uma droga capaz de realizar alterações importantes no organismo”, diz Lucio Flávio Gonzaga Silva, conselheiro suplente do CFM e relator do parecer, a CartaCapital.
Segundo o parecer, estudos indicam que jovens na pré-puberdade com TIG experimentam “ansiedade” e “sofrimento” quando seus corpos começam a passar por transformações físicas. Diversos estudos, então, têm proposto e praticado uma intervenção médica precoce, suprimindo a puberdade com medicamentos. “Há um benefício real, prevenindo a disforia de gênero e um melhor resultado físico e psíquico, quando comparado com os jovens que somente iniciam tratamento após as primeiras fases da puberdade”, diz o texto.
A terapia precoce, antes mesmo dos 16 anos, evitaria o aparecimento de características sexuais do gênero com o qual não há identificação. “É uma grande conquista porque antes não havia nenhuma manifestação do CFM sobre o assunto. Essa omissão levava os serviços públicos a não realizar esse tipo de tratamento”, afirma Vanessa Alves Vieira, coordenadora do Núcleo de Combate à Discriminação da Defensoria Pública de SP. “Isso estimulará o serviço público de saúde a se organizar para criar um protocolo de tratamento, além de permitir usar esse parecer em eventuais ações judiciais para exigir o procedimento.”
De acordo com o parecer, o processo precoce também garantiria mais tempo para avaliação da identidade de gênero, evitando cirurgias invasivas de mudança de sexo. “Consultamos especialistas de todo o Brasil que tratam esse transtorno, coletamos informações, fizemos uma revisão bibliográfica da literatura científica mais atual do assunto envolvendo diretrizes da Sociedade Americana de Endocrinologia e da Associação Mundial para Saúde de Gênero, além de diversos artigos científicos”, afirma Silva.
O documento ainda destaca que o diagnóstico do TIG exige a participação de uma equipe médica com clínicos, pediatras, endocrinologistas e profissionais de saúde mental.
Veja a íntegra do parecer .