Sociedade

Congresso discute repasse de recursos do Sistema S para a Embratur; entenda o que está em jogo

A Embratur pede 5% do orçamento do Sesc e do Senac, defendendo que a proposta beneficia o setor como um todo; entidades do Sistema S apontam risco de fechamento de unidades

Unidade do Sesc Consolação, em São Paulo (SP). Foto: Sesc SP.
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Uma proposta, em debate no Congresso Nacional, pode determinar o repasse de 5% dos recursos do Sesc e do Senac para a Agência Brasileira de Promoção do Turismo, a Embratur. O Projeto de Lei de Conversão (PLV) n. 09/2023, já aprovado na Câmara dos Deputados, vem sendo objeto de debates entre representantes do comércio, do turismo e do setor cultural. 

De um lado, a Embratur destaca que o repasse é fundamental para que a agência possa desenvolver suas atividades de promoção ao turismo, já que, desde que deixou de ser uma autarquia federal, em 2019, não tem mais uma fonte permanente de financiamento. Além disso, o repasse seria viável, do ponto de vista orçamentário, para o Sesc e o Senac, e o investimento no turismo pode trazer retornos imediatos para as entidades, em termos de verba e de empregabilidade. 

Por outro lado, federações empresariais, instituições do Sistema S e membros da classe artística argumentam que o repasse pode inviabilizar atividades importantes do Sesc e do Senac, provocando fechamento de unidades, demissões e descontinuidade de projetos de atendimento gratuito à população. A perda orçamentária pode gerar ainda, segundo as entidades, prejuízos à promoção de educação profissionalizante no país. 

No Senado, a relatora do projeto é a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB). O prazo final para a votação do projeto é o dia 30 de maio.

CartaCapital ouviu José Carlos Cirilo, diretor-geral do Sesc, e Marcus Vinicius Machado Fernandes, diretor-geral interino do Senac, sobre o tema. Os fundamentos da Embratur, apresentados publicamente, também estão elencados abaixo.

O histórico da disputa

Em 2019, a Embratur, então chamada de Instituto Brasileiro de Turismo, foi transformada em Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo. Com isso, deixou de ser uma autarquia federal e passou a ser considerada um serviço social autônomo, o que gerou mudanças nas regras da sua estrutura. Uma das consequências foi a retirada da Embratur do Orçamento federal, o que fez com que a agência deixasse de ter um financiamento permanente.

No final do ano passado, uma MP, elaborada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), buscou estabelecer benefícios para companhias aéreas e para o setor do turismo, no geral. No corpo da MP, estava prevista uma alteração no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), reduzindo a zero as alíquotas de PIS e COFINS sobre as receitas decorrentes da atividade de transporte aéreo, entre 2023 e 2026.

No final de abril deste ano, ao analisar a MP – transformada em Projeto de Lei de Conversão n. 09/23 -, o relator da medida e líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), incluiu o dispositivo que impõe o repasse de 5% das receitas do Sesc e do Senac para a Embratur. Segundo cálculos da própria Embratur, o percentual representa cerca de 440 milhões de reais.

Os argumentos da Embratur, do Sesc e do Senac

De acordo com a Embratur, a ideia se sustenta em uma pesquisa elaborada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) que apontou que, na prática, o repasse de verba pode gerar efeitos positivos, justamente, para o Sesc e o Senac. O argumento, em síntese, é que o crescimento do turismo internacional beneficia os setores de serviço e de comércio, que constituem a base das receitas das duas entidades. Segundo o estudo, a cada 1 real investido em promoção internacional do turismo, 20 reais entram na economia do país, por meio do consumo dos turistas.

Vale destacar que, nesse contexto, o Sesc e o Senac têm como parte principal das suas receitas as contribuições obrigatórias de 1,5% sobre as folhas de pagamento dos setores de bens, serviços e turismo. A questão tem tratamento constitucional. Segundo a Transparência do Sesc e do Senac, os orçamentos das instituições, para 2023, somam pouco mais de 10 bilhões de reais. A maior parte desse valor vem, justamente, do recolhimento nas folhas.

A Embratur pleiteia os cerca de 440 milhões de reais com base no orçamento de 2021 das entidades, que foi de cerca de 9 bilhões de reais. A agência argumenta que o impacto orçamentário é baixo para as siglas do Sistema S, que teriam 15 bilhões de reais em caixa.

O Sesc e Senac, por outro lado, apontam que a aprovação da medida poderá trazer consequências significativas nos atendimentos realizados pelas entidades, e nos projetos de expansão. Ambas estimam uma redução de 7.700 matrículas em educação básica, fechamento de 36 unidades do Sesc pelo país, 29 centros de formação profissional do Senac e 23 laboratórios de turismo. Além disso, mais de 2.600 exames clínicos deixariam de ser realizados, a despeito da perda de mais de 30 mil matrículas gratuitas. 

Para José Carlos Cirilo, a medida pode afetar, sobretudo, as unidades das regiões Norte e Nordeste do Sesc. “As contribuições dos estados dessas regiões não correspondem nem às atividades que a receita compulsória gera naqueles estados”, explica. No caso do Senac, o impacto pode ser de “140 milhões de reais a menos aplicados no programa de gratuidade”, pondera Marcus Vinicius Fernandes, do Senac.

O efeito da aprovação da Medida, de acordo com Fernandes, pode ser “devastador na educação profissional do Brasil”, o que exigiria uma revisão das operações da entidade. Para ele, o superávit do Sesc e do Senac é resultado da gestão, que permite que as entidades cheguem a “localidades que nem mesmo o Poder Público alcança”.

Outro impacto seria sobre o Mesa Brasil Sesc, um programa de segurança alimentar que atua por meio de doação de alimentos de parceiros do Sesc, como centrais de distribuição, redes atacadistas e de varejo, além da indústria e de feiras livres. “Com essa perda dos 5%, a estimativa nossa é de uma perda de 2,6 milhões de quilos de alimentos distribuídos”, aponta Cirilo.

A Embratur, entretanto, diz que o debate deve ser feito com objetividade. “Não é verdade que a iniciativa prejudicará a distribuição de alimentos e provocará desemprego. Esse debate precisa ser feito com base em fatos, não em desinformação e sensacionalismo”, diz a agência.

De acordo com a Embratur, o repasse de 5% “é muito menor até mesmo que o lucro dessas entidades com cobrança de aluguéis e aplicações financeiras”. Por meio de informações da Transparência do Sesc e do Senac, a Embratur afirma que as duas entidades ganham, por ano, 2 bilhões de reais com aluguel e lucro de aplicações.

Na esteira da discussão orçamentária, há uma disputa sobre a natureza dos recursos do Sesc e do Senac. Ou seja, se são públicos ou privados. Marcus Vinicius cita uma decisão, de 2014, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que os recursos destinados ao Sesc e ao Senac não fazem parte do orçamento público.

Para as entidades, a proposta é inconstitucional. “O artigo 240 da Constituição determina que a contribuição das empresas seja direcionada às entidades privadas dos serviços sociais. Para nós, não há dúvidas quanto à inconstitucionalidade. É essencial ressaltar que esses recursos são privados”, observa Marcus Vinicius. A Embratur, por sua vez, discorda do caráter privado dos recursos. A ideia já foi compartilhada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em 2018, quando foi candidato à Presidência da República.

A Embratur vem ressaltando que está aberta ao diálogo. Marcus Vinicius e José Cirilo afirmam, porém, que, desde que a ideia do repasse foi incluída no projeto de lei, a agência não procurou o Senac e o Sesc para debater a questão. 

O tema tem mobilizado grupos ligados aos setores. Na terça-feira 16, protestos contra a retirada de 5% das receitas do Sesc e do Senac foram realizados em frente ao Theatro Municipal, em São Paulo, na Cinelândia, no Rio de Janeiro, na Praça Sete, em Belo Horizonte, e em outras cidades do país. Além disso, o Sesc mobilizou campanhas envolvendo artistas, como os cantores Ivan Lins e Zélia Duncan, o diretor Celso Frateschi e a atriz Letícia Sabatella.

A Embratur também vem promovendo campanhas, buscando convencer a sociedade civil, atores do setor do turismo, e os parlamentares, da importância do repasse. Sem ele, a agência “não terá nenhum orçamento para investir na atração de turistas estrangeiros e irá parar totalmente suas ações de promoção”, diz a Embratur. 

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