Sociedade

Concessão do Maracanã gera polêmica no Rio de Janeiro

Audiência pública sobre projeto, que vai desalojar atletas de alto nível e colocar em risco projetos sociais, terminou em confusão

Foto: Gabriel Bonis
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Terminou em confusão a audiência pública de concessão do Estádio do Maracanã, realizada na noite de quinta-feira 8, no Espaço da Cidadania, zona portuária do Rio de Janeiro. Essa é a última etapa antes da publicação da versão final do edital do polêmico projeto, que prevê a demolição de diversos espaços públicos no entorno do estádio utilizados por atletas de alto rendimento e projetos sociais para abrir espaço a estacionamentos, bares, lojas e restaurantes. No local, a iniciativa privada vai gerir um espaço de entretenimento e shows, visto por analistas como uma opção que desvirtua a função social do atual complexo esportivo.

Apesar dos protestos contra o projeto, que duraram mais de duas horas, o secretário da Casa Civil do Rio de Janeiro, Regis Fichtner, deu por concluída a audiência. Professores, políticos, estudantes e organizações não governamentais presentes no Espaço da Cidadania se opuseram ao edital e a polícia precisou ser chamada para conter os manifestantes, que chegaram a atirar objetos na mesa de trabalho. “O que houve foi que uma minoria veio aqui com o propósito de não deixar a audiência pública ocorrer. Os que ficaram aqui puderam receber todos os esclarecimentos e o estado recebeu a todas as questões”, disse.

Os deputados presentes contra o processo manifestaram a intenção de ingressar com uma representação no Ministério Público pedindo a nulidade da audiência, com a justificativa de que a população se posicionou contra a sua realização. Fichtner, no entanto, afirmou que o estado manterá todas as decisões já anunciadas. “O espaço destas audiências têm sido desfigurado e as oposições dos cidadãos, ignoradas”, lamentava dias antes da audiência Gustavo Mehl, membro do Comitê Popular da Copa e Olimpíada no Rio. “O projeto é antagônico à maneira que a sociedade encara o Maracanã, como um espaço de interesse histórico ímpar, de uso esportivo, social e cultural. É um equipamento público para servir à população.”

Na avaliação do deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha, a insistência do secretário da Casa Civil do Rio em levar a audiência adiante “é uma farsa com o objetivo de legitimar uma decisão já tomada pelo governo”.

 

 

Pelo modelo de concessão proposto pelo governo do Rio, devem ir ao chão, para que haja viabilidade econômica, dois monumentos do esporte nacional: o Célio de Barros e o Parque Aquático Julio Delamare, reformado por cerca de 10 milhões de reais para os Jogos Pan-americanos. E para garantir que isso ocorra, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), revogou o tombamento dos prédios quatro dias antes da apresentação da minuta.

A justificativa oficial sustenta que as intervenções adequam o estádio às exigências da Fifa e a padrões internacionais de conforto, acesso e tempo de evacuação. Motivos pelos quais também serão demolidos o antigo prédio do Museu do Índio e a Escola Municipal Friedenreich, a décima melhor do Brasil segundo o desempenho no Ideb. “Não faz sentido ter uma escola municipal dentro de um complexo esportivo. Um espaço de shows e de espetáculos, o que não é adequado para uma escola”, declarou o secretário.

Pelo modelo da minuta do edital, o concessionário investirá 469 milhões de reais para gerir o complexo por 35 anos. E, como ressarcimento pelos gastos na reforma do estádio (até o momento em 860 milhões de reais), a inciativa privada repassará ao estado cerca de 7 milhões de reais por ano, com dois anos de carência. Logo, ao fim do contrato, o governo estadual terá arrecadado 236 milhões de reais, ou 26% do valor gasto na última reforma do Maracanã. Enquanto isso, estima-se que o concessionário lucre mais de 2 bilhões. O que não é um problema, pois o objetivo “não é recuperar o valor, mas transformar o espaço em uma grande área de entretenimento”, defende o governo estadual, em nota a CartaCapital.

É justamente a criação deste “espaço de entretenimento”, excluindo o aspecto social e esportivo do complexo, a maior crítica do Comitê. Os especialistas também são unânimes ao dizer que o projeto de concessão desvirtua o carater popular da área, podendo torna-la restrita à elite. “Não existe explicação para eliminar estes equipamentos se não a subordinação do poder público a interesses comerciais”, afirma Orlando Santos Júnior, professor da UFRJ e pesquisador do Observatório das Metrópoles.

                                     

Outra marca da exclusão dos mais pobres é a não incorporação de espaços populares ao Maracanã, que aboliu a “geral” em 2005. “A geral era uma das maiores expressão do espaço público, assim como a praia. Essa licitação reflete a elitização por meio dos ingressos”, diz Erick Omena, também pesquisador do Observatório. O governo, porém, atribui aos clubes os preços altos e alega que a iniciativa privada modernizará o estádio, além de fazer do Maracanãzinho um local apto a shows e espetáculos. A reforma do Maracanãzinho, inclusive, pode deixar o local com capacidade menor que a exigida para partidas de vôlei nas Olimpíadas. Tudo em nome do entretenimento.

Há ainda a destruição simbólica da histórica do complexo. A escola muncipal leva o nome de Arthur Friedenreich, um dos primeiros jogadores de futebol brasileiro de destaque, filho de um alemão com uma lavadeira negra. Já Célio de Barros foi um dos responsáveis por trazer a Copa de 1950 ao Brasil, para a qual o Maracanã foi construído.

A minuta prevê ainda a reconstrução, pelo concessionário, dos centros de esporte em um terreno em frente ao complexo. Mas não define datas específicas para que isto ocorra. O que leva os atletas a preocuparem-se com a infraestrutura disponibilizada e se projetos sociais, como o comandado por Edneida Freire, no Célio de Barros, com 250 jovens de diversas comunidades, terão o mesmo sucesso em outro local. “Recebemos todos pelo atletismo e, depois, indicamos quem tem resultados para ser um campeão nas pistas e quem será um campeão de cidadania”, conta sorridente a ex-atletista. “Minhas crianças perguntam o que vai acontecer, mas não sei responder. Ninguém vem a público explicar. Nós é que estamos informando os pais sobre a demolição do estádio.”

Nem mesmo o presdiente da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), Roberto Gesta de Melo, foi informado da decisão do governo do Rio. Ficou sabendo pelos jornais. “É mais valioso para o Rio a restauração e modernização do estádio, que carece de locais próprios para o atletismo. Temos o Engenhão, mas o seu porte tornaria muito custoso o uso para treinamento diário.”

O caso do Julio Delamare é ainda mais dramático. O local abriga os treinos de esportes aquáticos poucos apoiados, como o salto ornamental. “Não é qualquer piscina que é suficiente, precisamos de um espaço de 25×25 metros porque é a medida do regulamento internacional”, explica Maura Xavier, treinadora da seleção brasileira de nado sincronizado.

Perto dali, fica o prédio do antigo Museu do Índio, uma construção do século XIX que abrigou o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), origem da Funai. Não resta dúvida, ao menos para os analistas, de que o local possui valor histórico e cultural para impedir sua demolição. “Aquele é um lugar de identidade dos índios. Demoli-lo é apagar parte da memória nacional”, acredita José Bessa, professor da UERJ e especialista em cultura indígena.

Ele é apoiado pela escritora Vangri Kaingang, de 32 anos, uma das lideranças dos indígenas no prédio, ocupado por 12 tribos há seis anos. “A atitude do governo estadual reflete a mesma situação de descaso e abandono que o índio brasileiro enfrenta. É humilhante perceber que o prédio será demolido quando o povo brasileiro precisa muito mais de cultura e conhecimento sobre a história do País.”

No final de outubro, o governo fluminese oficializou a compra do terreno do prédio por 60 milhões de reais. Á época, o governador Sérgio Cabral afirmou que o local “não tem nenhum valor histórico”, além de atrapalhar a dispersão dos torcedores do Maracanã. Por enquanto, duas decisões da Justiça Federal impedem a demolição e a expulsão dos índios.

A situação da Escola Municipal Friedenreich, a quarta melhor do estado, é a mais indefinida entre as previsões da minuta do edital. No lugar da instituição já se sabe que ficarão duas quadras de aquecimento. Não há certeza, entretanto, da localidade do novo prédio, ou se haverá um. O governo estadual informa apenas estar, juntamente com a Prefeitura, buscando alternativas para “a futura acomodação dos estudantes” e destaca que a “boa performance dos alunos não se dá pela localização da escola”. A prefeitura garante que a escola e o corpo docente serão mantidos.

Com informações Agência Brasil.

Terminou em confusão a audiência pública de concessão do Estádio do Maracanã, realizada na noite de quinta-feira 8, no Espaço da Cidadania, zona portuária do Rio de Janeiro. Essa é a última etapa antes da publicação da versão final do edital do polêmico projeto, que prevê a demolição de diversos espaços públicos no entorno do estádio utilizados por atletas de alto rendimento e projetos sociais para abrir espaço a estacionamentos, bares, lojas e restaurantes. No local, a iniciativa privada vai gerir um espaço de entretenimento e shows, visto por analistas como uma opção que desvirtua a função social do atual complexo esportivo.

Apesar dos protestos contra o projeto, que duraram mais de duas horas, o secretário da Casa Civil do Rio de Janeiro, Regis Fichtner, deu por concluída a audiência. Professores, políticos, estudantes e organizações não governamentais presentes no Espaço da Cidadania se opuseram ao edital e a polícia precisou ser chamada para conter os manifestantes, que chegaram a atirar objetos na mesa de trabalho. “O que houve foi que uma minoria veio aqui com o propósito de não deixar a audiência pública ocorrer. Os que ficaram aqui puderam receber todos os esclarecimentos e o estado recebeu a todas as questões”, disse.

Os deputados presentes contra o processo manifestaram a intenção de ingressar com uma representação no Ministério Público pedindo a nulidade da audiência, com a justificativa de que a população se posicionou contra a sua realização. Fichtner, no entanto, afirmou que o estado manterá todas as decisões já anunciadas. “O espaço destas audiências têm sido desfigurado e as oposições dos cidadãos, ignoradas”, lamentava dias antes da audiência Gustavo Mehl, membro do Comitê Popular da Copa e Olimpíada no Rio. “O projeto é antagônico à maneira que a sociedade encara o Maracanã, como um espaço de interesse histórico ímpar, de uso esportivo, social e cultural. É um equipamento público para servir à população.”

Na avaliação do deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha, a insistência do secretário da Casa Civil do Rio em levar a audiência adiante “é uma farsa com o objetivo de legitimar uma decisão já tomada pelo governo”.

 

 

Pelo modelo de concessão proposto pelo governo do Rio, devem ir ao chão, para que haja viabilidade econômica, dois monumentos do esporte nacional: o Célio de Barros e o Parque Aquático Julio Delamare, reformado por cerca de 10 milhões de reais para os Jogos Pan-americanos. E para garantir que isso ocorra, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), revogou o tombamento dos prédios quatro dias antes da apresentação da minuta.

A justificativa oficial sustenta que as intervenções adequam o estádio às exigências da Fifa e a padrões internacionais de conforto, acesso e tempo de evacuação. Motivos pelos quais também serão demolidos o antigo prédio do Museu do Índio e a Escola Municipal Friedenreich, a décima melhor do Brasil segundo o desempenho no Ideb. “Não faz sentido ter uma escola municipal dentro de um complexo esportivo. Um espaço de shows e de espetáculos, o que não é adequado para uma escola”, declarou o secretário.

Pelo modelo da minuta do edital, o concessionário investirá 469 milhões de reais para gerir o complexo por 35 anos. E, como ressarcimento pelos gastos na reforma do estádio (até o momento em 860 milhões de reais), a inciativa privada repassará ao estado cerca de 7 milhões de reais por ano, com dois anos de carência. Logo, ao fim do contrato, o governo estadual terá arrecadado 236 milhões de reais, ou 26% do valor gasto na última reforma do Maracanã. Enquanto isso, estima-se que o concessionário lucre mais de 2 bilhões. O que não é um problema, pois o objetivo “não é recuperar o valor, mas transformar o espaço em uma grande área de entretenimento”, defende o governo estadual, em nota a CartaCapital.

É justamente a criação deste “espaço de entretenimento”, excluindo o aspecto social e esportivo do complexo, a maior crítica do Comitê. Os especialistas também são unânimes ao dizer que o projeto de concessão desvirtua o carater popular da área, podendo torna-la restrita à elite. “Não existe explicação para eliminar estes equipamentos se não a subordinação do poder público a interesses comerciais”, afirma Orlando Santos Júnior, professor da UFRJ e pesquisador do Observatório das Metrópoles.

                                     

Outra marca da exclusão dos mais pobres é a não incorporação de espaços populares ao Maracanã, que aboliu a “geral” em 2005. “A geral era uma das maiores expressão do espaço público, assim como a praia. Essa licitação reflete a elitização por meio dos ingressos”, diz Erick Omena, também pesquisador do Observatório. O governo, porém, atribui aos clubes os preços altos e alega que a iniciativa privada modernizará o estádio, além de fazer do Maracanãzinho um local apto a shows e espetáculos. A reforma do Maracanãzinho, inclusive, pode deixar o local com capacidade menor que a exigida para partidas de vôlei nas Olimpíadas. Tudo em nome do entretenimento.

Há ainda a destruição simbólica da histórica do complexo. A escola muncipal leva o nome de Arthur Friedenreich, um dos primeiros jogadores de futebol brasileiro de destaque, filho de um alemão com uma lavadeira negra. Já Célio de Barros foi um dos responsáveis por trazer a Copa de 1950 ao Brasil, para a qual o Maracanã foi construído.

A minuta prevê ainda a reconstrução, pelo concessionário, dos centros de esporte em um terreno em frente ao complexo. Mas não define datas específicas para que isto ocorra. O que leva os atletas a preocuparem-se com a infraestrutura disponibilizada e se projetos sociais, como o comandado por Edneida Freire, no Célio de Barros, com 250 jovens de diversas comunidades, terão o mesmo sucesso em outro local. “Recebemos todos pelo atletismo e, depois, indicamos quem tem resultados para ser um campeão nas pistas e quem será um campeão de cidadania”, conta sorridente a ex-atletista. “Minhas crianças perguntam o que vai acontecer, mas não sei responder. Ninguém vem a público explicar. Nós é que estamos informando os pais sobre a demolição do estádio.”

Nem mesmo o presdiente da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), Roberto Gesta de Melo, foi informado da decisão do governo do Rio. Ficou sabendo pelos jornais. “É mais valioso para o Rio a restauração e modernização do estádio, que carece de locais próprios para o atletismo. Temos o Engenhão, mas o seu porte tornaria muito custoso o uso para treinamento diário.”

O caso do Julio Delamare é ainda mais dramático. O local abriga os treinos de esportes aquáticos poucos apoiados, como o salto ornamental. “Não é qualquer piscina que é suficiente, precisamos de um espaço de 25×25 metros porque é a medida do regulamento internacional”, explica Maura Xavier, treinadora da seleção brasileira de nado sincronizado.

Perto dali, fica o prédio do antigo Museu do Índio, uma construção do século XIX que abrigou o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), origem da Funai. Não resta dúvida, ao menos para os analistas, de que o local possui valor histórico e cultural para impedir sua demolição. “Aquele é um lugar de identidade dos índios. Demoli-lo é apagar parte da memória nacional”, acredita José Bessa, professor da UERJ e especialista em cultura indígena.

Ele é apoiado pela escritora Vangri Kaingang, de 32 anos, uma das lideranças dos indígenas no prédio, ocupado por 12 tribos há seis anos. “A atitude do governo estadual reflete a mesma situação de descaso e abandono que o índio brasileiro enfrenta. É humilhante perceber que o prédio será demolido quando o povo brasileiro precisa muito mais de cultura e conhecimento sobre a história do País.”

No final de outubro, o governo fluminese oficializou a compra do terreno do prédio por 60 milhões de reais. Á época, o governador Sérgio Cabral afirmou que o local “não tem nenhum valor histórico”, além de atrapalhar a dispersão dos torcedores do Maracanã. Por enquanto, duas decisões da Justiça Federal impedem a demolição e a expulsão dos índios.

A situação da Escola Municipal Friedenreich, a quarta melhor do estado, é a mais indefinida entre as previsões da minuta do edital. No lugar da instituição já se sabe que ficarão duas quadras de aquecimento. Não há certeza, entretanto, da localidade do novo prédio, ou se haverá um. O governo estadual informa apenas estar, juntamente com a Prefeitura, buscando alternativas para “a futura acomodação dos estudantes” e destaca que a “boa performance dos alunos não se dá pela localização da escola”. A prefeitura garante que a escola e o corpo docente serão mantidos.

Com informações Agência Brasil.

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