Sociedade

Comunidades rurais são fadadas a respirar veneno, conclui relatório

Estudo da Human Rights Watch pede que a pulverização aérea e terrestre de agrotóxicos não passe incólume pelo governo

Atuais deputados e senadores devem manter condições facilitadas para obter aposentadoria integral: 35 anos de contribuição e idade mínima de 60 anos

Com o objetivo de garantir a aprovação da reforma da Previdência, o governo aceitou recuar em cinco itens da proposta, ao flexibilizar as regras de transição e propor um regime mais brando para trabalhadores rurais. Nas novas regras apresentadas nesta terça-feira 18 por Maia em um café da manhã com a base aliada de Temer, homens e mulheres terão de contribuir 40 anos, até 65 e 62 anos, respectivamente, para ter acesso à aposentadoria

O novo projeto não deixou, porém, de lado as preocupações corporativistas. Com a crescente insatisfação dos parlamentares com o projeto, Maia incluiu no texto uma salvaguarda aos atuais deputados e senadores, que poderão manter regras facilitadas de acesso à Previdência. Atualmente, o Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC) impõe uma idade mínima de 60 anos e 35 anos de contribuição para os parlamentares obterem a aposentadoria integral.

No texto original da Proposta de Emenda à Constituição 287, relativa à reforma da Previdência, os parlamentares passariam a ser incluídos no regime geral e seguiriam as regras do restante da população: idade mínima de 65 anos e um mínimo de 25 anos de contribuição para ter acesso ao benefício parcial. No texto inicial, ficou prevista a aplicação de imediato do regime geral "aos titulares de novos mandatos eletivos", mas nada constava sobre a situação de quem já estava contemplado pelo regime especial dos parlamentares.

No texto reformulado por Maia e apresentado à base de Temer, a aplicação do regime geral só ocorrerá caso os parlamentares já não sejam vinculados ao regime de previdência parlamentar da casa para a qual se reelegeram.

A proposta de preservar os atuais deputados havia sido apresentada por emenda pelo deputado Carlos Eduardo Cadoca (PDT-PE) à comissão que tratava do tema. Em sua justificativa, o parlamentar argumentou que o projeto limitava-se a "a estabelecer o regime geral de previdência social para os titulares de mandato eletivo que fossem diplomados a partir da sua promulgação", mas "remeteu à legislação infraconstitucional as regras de transição para os atuais mandatários.

"Não nos parece a melhor alternativa, uma vez que se deve respeitar o direito daqueles que já ingressaram no sistema e cumpriram com suas obrigações financeiras no tempo correto", assinalou Cadoca em sua emenda.  

No substitutivo de Maia, prevê-se a aposentadoria de parlamentares federais aos 60 anos de idade, aumentados em um ano a cada dois anos a partir de janeiro de 2020, e da manutenção dos 35 anos de contribuição para a aposentadoria integral, desde que o parlamentar contribua por 30% do tempo que lhe restava para se aposentar.

Veja a apresentação resumida de Maia sobre o novo projeto de reforma da Previdência:

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Jakaira vive em uma comunidade indígena Guarani-Kaiowá localizada a poucas horas de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O homem, na faixa dos 40 anos, sofreu uma intoxicação aguda depois de uma pulverização aérea de agrotóxicos em uma plantação  de soja e milho que fica a 50 metros da entrada principal de sua comunidade. 

“Dava para ver o líquido branco [no ar]. Mesmo cheirando, vai para o seu cérebro. Você sente uma amargura na garganta. Você não quer mais respirar veneno – você quer respirar outro tipo de ar – mas não tem nenhum”, lembra Jakaira.

Moradora da mesma comunidade, Panambi, uma mulher de 20 anos, conta que, em março deste ano, ela e sua filha de quatro anos começaram a sentir os olhos queimarem após uma pulverização na plantação vizinha. “Sentimos um gosto ruim, uma sensação de queimação”, contou ela.

Os relatos acima estão presente no documento “Você não quer mais respirar veneno – As falhas do Brasil na proteção de comunidades rurais expostas à dispersão de agrotóxicos”, que acaba de ser lançado pela Human Rights Watch. O novo relatório alerta para o perigo da pulverização de agrotóxicos, que acomete pequenos produtores rurais, quilombolas e indígenas em todas as regiões do País. 

“Agrotóxicos pulverizados em grandes plantações intoxicam crianças em salas de aula e outras pessoas em seus quintais em zonas rurais espalhadas por todo Brasil”, declarou o pesquisador Richard Pearshouse, autor do relatório. 

A questão tem pouca repercussão entre as autoridades e o momento para quem sofre diretamente com o uso de agrotóxicos, não é dos melhores. Uma comissão especial do Congresso aprovou recentemente o Projeto de Lei 6299/02, também conhecido como Pacote do Veneno.

Não é para menos: o Projeto flexibiliza as regras para a aprovação, fiscalização e utilização dos agrotóxicos no País. Com a mudança na Lei, que ainda aguarda votação em plenário, apenas o Ministério da Agricultura teria poder de decisão sobre os agrotóxicos. Além disso, o termo seria alterado para “defensivo fitossanitário”, suavizando-o. 

O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo, com vendas anuais girando em torno de 10 bilhões de dólares. Segundo o relatório, muitos dos agrotóxicos utilizados em plantações de cana, milho, soja e algodão em todo o país usam agrotóxicos altamente perigosos à saúde humana. “Dentre os 10 agrotóxicos mais usados no Brasil no ano de 2016, quatro não são autorizados para uso na Europa, o que evidencia quão perigosos eles são para outros governos”, afirma a ONG. 

Nas 73 entrevistas feitas pela HRW, os moradores descreveram sintomas da intoxicação aguda após verem pulverização de agrotóxicos nas proximidades, ou sentirem o cheiro de agrotóxicos recentemente aplicados em plantações próximas. Os sintomas mais descritos foram sudorese, frequência cardíaca elevada, vômitos, náusea, dor de cabeça e tontura.

O relatório ainda alerta que a exposição a longo prazo pode causar infertilidade, impactos negativos no desenvolvimento fetal, câncer e outros efeitos graves à saúde. Principalmente quando se trata de pessoas mais vulneráveis, como grávidas, idosos e crianças. 

Segundo a HRW, nas poucas localidades em que existem zonas de segurança para a pulverização terrestre, as regras e regulamentações são frequentemente desrespeitadas. Há uma regulamentação nacional que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos a 500 metros de povoações e mananciais de água, mas ela é ignorada pelos grandes agricultores e sua fiscalização é quase inexistente.

Como medida de urgência, o autor do relatório defende que o Brasil deveria imponha a suspensão à pulverização aérea e crie zonas de segurança para a pulverização terrestre nas proximidades de locais sensíveis. Além da rejeição do Congresso ao Pacote de Veneno. “Em vez de enfraquecer ainda mais as leis existentes, o Brasil precisa de regulamentações mais rígidas e de um plano de ação nacional para diminuir o uso de agrotóxicos,” afirmou Pearshouse. 

Silenciamento das vítimas 
Em 2010, o agricultor rural e ativista contra o uso de agrotóxicos Zé Maria do Tomé foi morto com 21 tiros após pressionar o governo local do Ceará a proibir a pulverização aérea. O caso foi um dos primeiros nos Brasil a expor o problema. Mas são raras as vezes em que os casos de intoxicações vêm à tona por meio de denúncias. 

Durante as conversas com os personagens que compõem o relatório, a HRW percebeu que as comunidades rurais temem sofrer represálias e retaliações caso denunciem intoxicações sofridas. O medo é justificável: muitos já foram vítimas de ameaças de grandes proprietários de terra com poder político e econômico em suas regiões.

Para Pearshouse, que também é diretor associado da Divisão de Meio Ambiente da ONG, é dever das autoridades brasileiras proteger aqueles que denunciam ou se opõem aos danos causados pelos agrotóxicos às suas comunidades. 

Leia também:
A resistência da agricultura familiar e orgânica ao ‘Pacote do Veneno’
As sequelas dos agrotóxicos para trabalhadores rurais

Pedrina, moradora de uma comunidade quilombola em Minas Gerais, há 20 metros de uma plantação de cana-de-açúcar, disse que teme a retaliação caso denuncie às autoridades a intoxicação aguda que a acometeu em uma das pulverizações. Segundo os relatos dos moradores, descritos no relatório, os aviões que realizam a pulverização passam sobre suas casas e plantações. 

“O avião sobrevoa a comunidade. Diversas vezes agrotóxicos caíram sobre mim enquanto eu trabalhava na terra. Não há nada que possamos fazer”, revela Estevo, morador da mesma comunidade. 

Segundo a ONG, o Ministério da Saúde reconhece que a subnotificação de intoxicações é uma preocupação e a falta de dados oficiais subestimam a gravidade deste problema. Mas quando alguns moradores ultrapassam o medo e resolvem falar, muitas vezes, o problema passa incólume. “Fizemos várias ocorrências no quartel, delegacia [de polícia civil]. Ninguém resolve – não existe Justiça”, revela Bernardo, que também vive na mesma comunidade quilombola. 

O relatório também revela que no Pará, um morador de uma comunidade rural entregou às autoridades estaduais do meio ambiente um abaixo-assinado pedindo a redução da pulverização de agrotóxicos na região.

Segundo ele, o fazendeiro proprietário da plantação vizinha o ameaçou fazendo o gesto de uma arma quando se cruzaram em público. Apesar do medo, ela denunciou as ameaças à polícia civil, mas a polícia não tomou nenhuma medida para investigá-las. 

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