Sociedade

Como destravar o debate sobre legalização das drogas?

Psiquiatra da USP Hercílio de Oliveira critica discurso de azarões nas eleições sobre liberação e fim da guerra ao tráfico

Participantes reivindicaram a legalização da maconha em protesto diante do Congresso Nacional, em maio
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Às vésperas de mais uma eleição, o Brasil caminha a passos largos para a manutenção de uma política descalibrada e desajustada da realidade em relação ao consumo de drogas – as lícitas e as ilícitas. Entre os candidatos à Presidência com chance de vitória nas urnas, a estratégia é evitar discursos sobre descriminalização da maconha, um debate que espanta eleitores conservadores em qualquer país do mundo. Apenas quem tem baixa probabilidade de vitória entra no debate de “peito aberto”. Ainda assim, de maneira simplista, segundo o médico psiquiatra do Programa Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea) da USP Hercílio Pereira de Oliveira Júnior.

Para o especialista, o tema é evitado pelos principais postulantes da disputa porque não rende votos. Ele critica, no entanto, o discurso pró-liberação da maconha feito por Eduardo Jorge (PV) e Luciana Genro (PSOL). O psiquiatra diz que é errado pensar que a legalização acabaria naturalmente com o tráfico e a violência, como pregam os postulantes. “Não acaba. O álcool e o tabaco são legalizados e ainda assim existe contrabando”, diz.

Oliveira Júnior será um dos palestrantes do Café Filosófico CPFL de setembro sobre “Do Hedonismo à Adicção – As drogas no mundo contemporâneo”. O ciclo de debates, promovido pela CPFL Cultura, em Campinas (SP), acontece entre os dias 05/09 e 03/10. Sob curadoria do psiquiatra especialista em dependência química Arthur Guerra, o módulo abordará questões relativas ao uso de quatro tipos de substâncias: “Álcool: a droga legalizada”, “Maconha: entre a ciência e a sociedade”, “Das folhas às pedras: perigos da cocaína e do crack” e “Cigarro: de símbolo de status à condenação”. Os encontros acontecem sempre às sextas-feiras e terão transmissão ao vivo.

Para Oliveira Júnior, o ciclo será uma oportunidade de desmistificar soluções simplistas apresentadas sobre o tema em época de eleição: o encarceramento, de um lado, e a simples liberação, de outro. ““Sou contra o encarceramento e a favor de uma política de prevenção com redução da demanda por drogas através do tratamento adequado dos indivíduos que apresentam transtornos associados. É um engano acreditar que, como a política de guerra às drogas fracassou, podemos liberar todas as drogas que tudo estará resolvido. Isso não aconteceu em nenhum país.”

Segundo ele, algumas especificidades da experiência uruguaia, que recentemente decidiu regular a produção e consumo da maconha, ainda não estão bem definidas. “Algumas premissas, como a de que legalizar pequenas quantidades vai acabar com o tráfico, não têm embasamento. Em Washington e no Colorado, nos EUA, a legislação permite a compra de maconha para uso recreativo. Nesses lugares, o tráfico não foi debelado. Ele se reinventou e hoje oferece maconha com preços mais baratos, misturas mais fortes ou drogas que seguem proibidas.”

Oliveira Júnior diz que a presunção de que o acesso à maconha vai diminuir a procura por outras drogas não tem fundamento cientifico. “Uma pessoa dependente de cocaína, mesmo tendo maconha facilitada, procura cocaína”, diz. “O conceito é semelhante ao álcool e outras drogas lícitas: uma vez legalizada, o consumo tende a aumentar. Se você chega em casa e tem lata de cerveja disponível na geladeira, você toma. As experiências que observamos demonstram que o aumento da disponibilidade aumenta também o consumo.”

Ao mesmo tempo, afirma, estudos mostram que um adolescente que usa maconha antes dos 15 anos corre um risco cinco vezes maior de consumir outro tipo de drogas, como a cocaína. “Comprando drogas ilícitas, ele fica vulnerável à oferta de cocaína pelos traficantes, por exemplo.”

Segundo o especialista, não é possível debater a legalização de qualquer droga sem deixar claros os seus malefícios para a saúde. “O consumo da droga na adolescência piora o desempenho escolar. As consequências podem ser danosas. Mas temos estudos que demonstram o álcool e o tabaco aparecem antes em uma escala de danos à sociedade. Se tivéssemos uma lei mais calibrada, seriamos mais tolerante ao uso de drogas hoje ilícitas. E controlaríamos o uso e a venda das lícitas, que são mais baratas e acessíveis aqui do que em outros países.”

Confira abaixo a programação:

5/09, às 19h
Álcool: a droga legalizada
Com Arthur Guerra, professor Associado de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (São Paulo) e Consultor de empresas na área de Saúde e Qualidade de Vida.O uso de álcool representa um hábito milenar associado à imagem de celebração. Sendo uma substância lícita, capaz de circular entre os mais diversos grupos sociais e situações, algumas vezes gera prejuízos a quem o consome. O programa trará uma reflexão sobre os diferentes cenários em que a bebida alcoólica é consumida e os problemas ao indivíduo, familiares e à sociedade.

12/09, às 19h
Maconha: entre a ciência e a sociedade
Com Hercílio de Oliveira, médico psiquiatra, especialista em dependências de drogas pelo Centre of Addictions and Mental Health
Conhecida e utilizada em todo o mundo há milhares de anos, a maconha continua presente em nossa cultura e, nos últimos anos, observa-se uma discussão calorosa sobre os prejuízos associados ao seu uso e os benefícios da sua possível legalização. Enquanto alguns países iniciam experiências inovadoras de permissão ao uso recreativo e medicinal, a sociedade brasileira procura suas respostas.

19/09, às 19h
Das folhas às pedras: perigos da cocaína e do crack
Com Paulo J. Cunha, neuro psicólogo
O uso milenar das folhas de coca por povos da América do Sul encantou os europeus desde o princípio. A partir da descoberta da cocaína, a droga expandiu-se de maneira rápida. Os primeiros relatos sobre seus efeitos exaltavam apenas as sensações de euforia e prazer proporcionadas pela droga. A partir daí, relatos sobre problemas graves começaram a aparecer na literatura. Hoje em dia, com a expansão do crack, são maiores ainda os perigos desta droga, o que torna as tarefas de prevenção de tratamento ainda mais desafiadoras para os profissionais e para a sociedade.

3/10, às 19h
O cigarro: de símbolo de status à condenação
Com João Maurício Maia, psiquiatra
O conhecimento dos malefícios do uso crônico do tabaco alimenta uma grande pressão para o combate ao tabagismo, que por vezes se confunde com o tabagista. O psiquiatra discutirá a transição do papel glamouroso do fumante para uma posição de certa discriminação, passando por temas como história, cinema, estigma, propaganda, fumo passivo, light smokers, e o novo cigarro eletrônico.

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