Sociedade

Com o Sínodo da Amazônia, Igreja busca novos caminhos para a região

A reunião convocada pelo papa Francisco que começa neste domingo 6 no Vaticano trata Amazônia como problema mundial

Representantes de povos indígenas da Amazônia participam de encontro com o papa Francisco nos jardim do Vaticano (Foto: Andreas SOLARO / AFP)
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“Estamos todos preocupados com os grandes incêndios que se desenvolveram na Amazônia. Oremos para que, com o empenho de todos, sejam controlados o quanto antes.” Com essas palavras, o papa Francisco se posicionou, em agosto passado, sobre as queimadas na maior floresta tropical do mundo.

A partir deste domingo 6, ele recebe representantes da Igreja e da sociedade civil no Vaticano para o Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, cujo tema da reunião de 6 a 27 de outubro é “Amazônia – Novos caminhos para a Igreja e uma ecologia integral”.

A destruição ambiental no gigantesco bioma de 7,5 milhões de quilômetros quadrados não é o tema principal oficial. A escassez de padres, que provavelmente será combatida pelo relaxamento do celibato, bem como novas formas de evangelizar o vasto território, estarão em primeiro plano. Mas é claro que, pelo menos desde a encíclica ambiental Laudato Sí, publicada pelo papa em 2015, ficou claro que ele está preocupado com a destruição ambiental e as mudanças climáticas.

Nesta quinta-feira 3, ele afirmou no Vaticano que a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente na Amazônia não é apenas uma questão que diz respeito a somente um povo ou nação, “mas a todo o mundo”. “Por exemplo, a Amazônia que queima não é apenas um problema daquela região, é um problema mundial”, apontou o pontífice.

Em Brasília, capital do país que abriga dois terços da Floresta Amazônica em seu território, se verá se as palavras papais encontraram ouvidos. Pois, durante meses, o governo do presidente Jair Messias Bolsonaro tem se mostrado preocupado com uma suposta ingerência de potências estrangeiras na Amazônia brasileira.

E isso inclui o Vaticano. “Achamos que isso é interferência em assuntos internos do Brasil”, declarou em fevereiro último o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, diante das esperadas discussões sobre os direitos dos povos indígenas e a proteção ambiental na Amazônia. Consta que Heleno ordenou até mesmo que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) espionasse as reuniões dos bispos.

Na quinta-feira 3, o cardeal Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo e relator da assembleia episcopal, deixou claro mais uma vez que o Vaticano não questionaria a soberania do Brasil. “Sobre isso, há até uma declaração oficial dos bispos brasileiros: a soberania brasileira é intocável. O que não quer dizer que o resto do planeta não possa falar nada sobre o que acontece na Amazônia.”

O presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Roque Paloschi, confirma tal posição da igreja. “Nós concordamos plenamente que não é missão do Vaticano interferir num país. A missão da Igreja é anunciar o reino e denunciar tudo aquilo que impede a vida e a dignidade de todos e da criação”, afirma o arcebispo metropolitano de Porto Velho (RO) em conversa com a DW.

“O sínodo vai ter o profundo respeito a cada país, a autonomia e soberania de cada país, e não estamos preocupados com esse ou aquele governo. Tanto que o sínodo foi convocado em outubro de 2017, quando não se tinha previsão de que Jair Bolsonaro seria o atual presidente do Brasil”, lembra Paloschi. “Nossa preocupação é buscar os novos caminhos para a Igreja e viver essa ecologia integral.”

O arcebispo diz, no entanto, que não se pode evitar, de maneira nenhuma, destacar a crescente violência contra os povos indígenas no Brasil. Um relatório do Cimi, divulgado há apenas alguns dias, lista 135 assassinatos de indígenas em 2018 e uma onda de invasões a terras indígenas desde o início de 2019.

 

“Nós podemos dizer que a situação é desesperadora e humilhante e, acima de tudo, revela uma irresponsabilidade por parte dos governos, que têm alimentado esta onda de incêndios, queimadas, para se efetuar a invasão e ocupação de terras públicas e, de modo muito especial, se aproveitar e ocupar terras indígenas já demarcadas e homologadas”, afirma o arcebispo de Porto Velho.

O papel da Igreja como defensora do meio ambiente ameaçado e dos direitos de indígenas e quilombolas também recebe destaque dentro da sociedade civil. “O Conselho Missionário Indigenista (Cimi) e a Pastoral da Terra (CPT) chegam aonde quase o Estado não chega. E o CPT até leva ajuda jurídica a estas populações, faz intermediação de conflitos, principalmente em disputa de terra, coisa que este governo não faz. Este governo incita o conflito”, conta à DW Marcio Astrini, do Greenpeace Brasil.

“A mensagem de paz da Igreja é importante, para mostrar que o que está acontecendo não é tolerável e que a gente precisa de um ambiente menos estressado, menos ácido, menos tóxico”, aponta Astrini. “O papa tem falado muito da Amazônia, ele é um dos maiores líderes mundiais. Mas infelizmente, enquanto o Papa está rezando pela Amazônia, nós temos, como umas semanas atrás, o Chefe da Casa Civil fazendo reuniões com garimpeiros, que invadiram reservas indígenas.”

Na quinta-feira, foi anunciado que, ainda em outubro, o governo vai apresentar uma proposta para regulamentar a exploração de minérios em áreas indígenas. Além disso, na terça-feira 1, Bolsonaro prometeu a representantes dos garimpeiros que iria defender os interesses deles, incluindo a legalização dos garimpos na Amazônia.

Ele afirmou que o interesse de potências estrangeiras não é a proteção das pessoas e do meio ambiente. “O interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore. É no minério”, afirmou Bolsonaro.

Bolsonaro não tem a menor ideia da Amazônia, disse o bispo emérito Erwin Kräutler, há alguns dias. A Igreja deve lutar contra os esforços do governo para que a Amazônia seja explorada por empresas nacionais e estrangeiras, afirmou na ocasião Kräutler, que liderou a enorme Prelatura Territorial do Xingu de 1981 a 2015. “É o compromisso da Igreja de contribuir para a defesa e preservação da Amazônia.”

O bispo franciscano alemão Johannes Bahlmann enfatiza que certamente se pode encontrar um denominador comum com o governo Bolsonaro em projetos concretos. O bispo da Diocese de Óbidos foi a força motriz por trás do navio-hospital Papa Francisco, que foi enviado para a Amazônia há algumas semanas, o que para Bahlmann é um exemplo concreto de como a Igreja pode ajudar o povo da região amazônica.

No Vaticano, a questão da saúde também estará na agenda do Sínodo para a Amazônia. Com o navio-hospital, a Igreja já havia percorrido novos caminhos, afirma Bahlmann. Segundo ele, isso despertou o interesse do governo. O Ministério da Saúde, conta, não só elogiou o projeto franciscano, como também “expressou o desejo de construir mais diversos navios de assistência hospitalar – por isso é algo muito positivo. ”

Árvore plantada e indígenas

Antes mesmo do início do sínodo, Francisco convidou cerca de 20 representantes de povos indígenas da Amazônia para plantar nesta sexta-feira uma árvore nos jardins do Vaticano, um gesto simbólico para demonstrar sua proximidade e apoio.

Na cerimônia, com pequenos ritos e canções religiosas, um pequeno carvalho verde foi plantado com terras das florestas tropicais na cidade italiana de Assis, local de origem de São Francisco de Assis, fundador da ordem franciscana e defensor dos pobres e da natureza.

A celebração comemorou o 40º aniversário da proclamação de São Francisco como padroeiro dos ecologistas pelo papa João Paulo II e consagrou o santo italiano como protetor do Sínodo.

*Com informações da AFP e Deutsche Welle

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