Sociedade

Casa 1: por que LGBTs precisam de uma república de acolhimento?

O jornalista Iran Giusti quer criar a Casa 1 para receber LGBTs vítimas de violências

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“Meu tio me disse que eu sou uma bichona, que viado merece morrer, e que me mataria na primeira oportunidade”, conta Otávio Salles, que teve de deixar a própria casa após uma sucessão de violências e falta de apoio do restante da família. “A convivência já estava insuportável havia algum tempo, mas nesse dia ele me deu um soco e gritou essas coisas”.

O jovem buscou refúgio com uma amiga e fez um boletim de ocorrência usando sua certidão de nascimento, único documento que restou após a família esconder sua carteira para tentar evitar que ele procurasse a polícia.

Hoje, um ano depois, o jovem de 23 anos vive em um apartamento em São Paulo com Iran Giusti e seu companheiro. No mesmo sofá em que ele dorme, outro garoto gay, que também foi expulso de casa, já encontrou conforto e acolhimento. 

Assim como eles, muitos LGBTs vivem cenas de violência e desrespeito dentro de casa. Alguns conseguem a ajuda de pessoas próximas ou a própria independência. Muitos, porém, acabam nas ruas.

Recebendo e conversando com jovens gays expulsos de casa, Iran Giusti percebeu a necessidade de ampliar o seu sofá. “Não é exagero ou clichê dizer que o movimento LGBT é o único de minorias que não tem apoio dentro da própria casa”, afirma. 

O jornalista de 27 anos criou, então, o projeto Casa 1, que vai funcionar como abrigo e centro cultural para LGBTs e também mulheres em situação de vulnerabilidade. Agora arrecada fundos para tornar a Casa 1 uma realidade.

“A Casa 1 é uma extensão da minha casa, e vai ser uma república de acolhimento LGBT, mas que não tem um caráter assistencialista. A ideia é criar uma rede de contatos de acordo com a necessidade dos que chegam”, explica Iran.

Ele já firmou parcerias com o Ambulatório de Sexualidade da UNIFESP, o Hospital Pérola Byington, e outros voluntários que podem estar presentes, como advogados e psicólogos.

“A ideia é ampliar o que eu já venho fazendo. Por exemplo, o menino anterior que morou aqui era fotógrafo, e eu coloquei em contato com algumas pessoas. Hoje ele já conseguiu um apê pra morar”, conta. 

Sem teto  

Apesar de não ser possível afirmar que todos os LGBTs vivendo nas ruas em em abrigos tenham sido expulsos de casa, o fato é que alguma coisa está empurrando esses jovens para essa situação. Essa é a avaliação do doutor em Psicologia Social, Marcos Vieira Garcia.

“De 20 a 30% dos jovens em situação de rua no mundo são LGBT, essa é uma taxa superior à de LGBTs na sociedade”, afirma o coordenador do Departamento de Ciências Humanas e Educação na UFSCAR. 

Ele acredita que isso se explica porque homossexuais e transexuais, principalmente os pobres, estão mais suscetíveis a perder o próprio teto.

“Uma família homofóbica torna insustentável a relação e, direta ou indiretamente, vai expulsar aquela pessoa. Além disso, tem a evasão escolar e a baixa empregabilidade, ambas pautadas pela homofobia e a transfobia. Eles são economicamente punidos, trata-se de um processo de expulsão desses jovens de uma vida digna”.

Um estudo divulgado em abril de 2016 pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) da Prefeitura de São Paulo mostra que um LGBT em situação de rua ou em abrigos é ainda mais propenso a sofrer violências do que os héteros.

Apoio feminista 

Além do apoio integral de Otávio para fazer o projeto deslanchar, Iran também conta com a agência de comunicação feminista Quatro e Um, que surgiu da união de quatro amigas que viram e vivenciaram machismo na área da comunicação e sentiram-se motivadas a criar algo novo. 

“É raro ver uma diretora de arte, por exemplo, é só homem que faz publicidade para mulheres. Não tem diversidade para criar, então não tem como sair algo justo dali”, afirmam as integrantes da agência.

A palavra “inclusão” é central no projeto de comunicação para o Casa 1 desenvolvido pelas feministas. “O logo não tem nenhuma referência LGBT porque a Casa pode servir para os héteros, também. É pra todo mundo”, afirma Ana Queiroz, idealizadora do logo do projeto. 

Comemorando a união do grupo e o esforço de todos, Iran não poupa elogios à Quatro e Um e afirma que são as mulheres que estão fazendo o projeto ganhar vida.

“Nós somos em seis, e quatro de nós são mulheres. Mais de 60% das atividades que a gente oferece como recompensa [pelas doações no Benfeitoria] são promovidas por mulheres, e quase 80% das voluntárias são mulheres. Eu tive a ideia inicial, mas são as minas que estão fazendo acontecer”.

Otávio, que se voluntariou para participar do projeto, conta que não quer ajudar só porque poderia ser ele precisando de acolhimento.

“Eu quero ajudar porque eu sou prova de que pode melhorar, eu passei daquela fase toda e eu tô bem hoje. Eu quero que essas pessoas sintam isso também, que tem esperança”.

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