Sociedade

Caetano Veloso fala da rivalidade com a Argentina e de agressão a Dilma

Cantor e compositor usou seu perfil no Facebook para dizer que nem no embate entre torcidas atingiu-se nível tão baixo quanto o dos xingamentos à presidenta

Caetano acompanha a partida do Maracanã
Apoie Siga-nos no

Num Rio de Janeiro tomado pelas cores azul e branco da bandeira Argentina e embalado pelos cânticos de sua torcida, Caetano Veloso foi ao Maracanã para ver o primeiro jogo do país contra a Bósnia na Copa do Mundo, no último domingo, 15.

O cantor e compositor usou seu perfil no Facebook para contar sua experiência, narrando a alegria de ver passar as estações de metrô, e se valendo da clássica rivalidade entre Brasil e Argentina (“me fazia sorrir”) para opinar sobre os xingamentos dirigidos à presidenta Dilma Rousseff na abertura do evento, no dia 12. Ele afirma que, entre as torcidas, nenhuma “hostilidade bruta” aflorou: “Estávamos longe dos palavrões dirigidos a Dilma no Itaquerão. Esses, não dá para perdoar”. “Senti a força do sentimento de nacionalidade como uma coisa que encontra no futebol um canal de expressão sem vergonha. Meus olhos se encheram de lágrimas”, escreveu. “Muita gente que nem sabe onde fica a Bósnia gritou o nome desse país.”

Leia a seguir a íntegra da nota:

“Fui com meu filho mais novo ver Argentina x Bósnia no Maracanã. Fomos de metrô. A estação da General Osório estava cheia. Gostei de ver tantos argentinos nas plataformas. Muitas camisas celeste-e-branco nos vagões (meu filho, admirador do futebol portenho desde pequeno – quando era fã de Riquelme – e devoto de Messi, usava uma camisa do uniforme B da seleção argentina), mas foram os mexicanos que fizeram mais barulho dentro do trem, gritando “México, México” e girando uma matraca ensurdecedora.

Adorei ir vendo as estações se seguirem: General Osório, Cantagalo, Siqueira Campos, Cardeal Arco Verde, Botafogo, Glória, Cinelândia, Carioca, Uruguaiana, Presidente Vargas, tudo me trazendo à mente as zonas da cidade acima. Não sei se na Uruguaiana ou na Central (talvez antes), tivemos de trocar de linha, passando da que vai para o Uruguai para a que vai para a Pavuna. Na espera do trem em que prosseguiríamos, tivemos um trailer do que a multidão argentina faria no Maracanã: grupos enormes de rapazes de azul e branco puxando cânticos lúdico-bélicos com voz mais próxima à de coro de ópera das torcidas italianas do que das guturalidades bárbaras dos ingleses.

Na estação Maracanã, um largo rio desse coral dominava a passarela. Já nas arquibancadas, ouvíamos com emoção os refrãos. Esperávamos alguma torcida brasileira contra a Argentina. Mas os gritos de “Olê olê olê olá, Bosniá, Bosniá” só cresceram quando o time argentino pareceu bem menos enérgico do que a torcida – e os bósnios ameaçaram dominar. O gol da Bósnia encorajou o narcisismo das pequenas diferenças que alimenta a rivalidade entre argentinos e brasileiros.

Os torcedores argentinos tinham tomado conta do Maracanã desde a entrada do seu time. O gol contra (será que é a regra nesta Copa?) silenciou os pouquíssmos torcedores bósnios e os muitos brasileiros que os apoiavam. Meu filho profetizou que Ibisevic traria força à Bósnia. E seu gol excitou a torcida anti-rioplatense.

O Maracanã cheio de argentinos torcendo era uma beleza. Senti a força do sentimento de nacionalidade como uma coisa que encontra no futebol um canal de expressão sem vergonha. Meus olhos se encheram de lágrimas. A rivalidade Brasil-Argentina me fazia sorrir. Uma três vezes pintou eco de começo de briga em algum lugar: os assentos batucavam com as pessoas levantando-se de repente para ver (e possivelmente defender-se). Mas nada cresceu.

Uns brasileiros à nossa frente, que vaiavam os argentinos e louvavam a Bósnia, revelaram-se ao substituir a frase “soy argentino”, num cântico, por “sou vascaíno” – e por dizerem, ao ver que um brigão expulso lá no alto vestia camisa rubronegra, “só podia ser flamenguista”.

O fato é que, quando os torcedores brasileiros em peso decidiram responder ao “olê olê Messi” com um “olê olá Neymar”, Messi, que parecia inativo, fez um daqueles gols precisos e surpreendentes que só ele faz. Ele pareceu instigado. Foi um diálogo Brasil-Argentina de grande profundidade.

No todo, para mim, foi uma experiência exaltante e, de algum modo secreto, animadora. Há Copa, o metrô anda, muita gente que nem sabe onde fica a Bósnia gritou o nome desse país, e nossa íntima Argentina chegou a brilhar num corisco, sem que houvesse tempo e ritmo para que hostilidades brutas aflorassem. Estávamos longe dos palavrões dirigidos a Dilma no Itaquerão. Esses, não dá para perdoar.”

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo