300 mil mortes: ‘Em grande medida, a responsabilidade direta é do governo Bolsonaro’, diz especialista

Para Daniel Dourado, a postura do governo se baseou no estímulo à disseminação do novo coronavírus e no conflito com estados e municípios

O presidente Jair Bolsonaro. Foto: AFP

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O Brasil atingiu nesta quarta-feira 24 mais uma trágica marca na pandemia do novo coronavírus: a de 300 mil mortes, em meio a uma escalada na crise provocada pela doença. De acordo com boletim divulgado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 1.999 óbitos foram registrados nas últimas 24 horas, o que leva o total de vítimas fatais a 300.675.

Na véspera, o País registrou recorde de óbitos em 24 horas: foram 3.251, segundo o Conass .

“Para chegar nesse número, não dá para dizer que todas as mortes se devem à postura do governo. Mas é claro que há uma grande medida que tem responsabilidade direta do governo brasileiro”, afirmou o médico e advogado sanitarista Daniel Dourado em entrevista ao programa Direto da Redação, transmitido pelo canal?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> de CartaCapital no YouTube.

“O governo federal teve uma postura baseada em duas frentes: primeiro, apostar na disseminação do vírus, estimulando as pessoas a entrar em contato com o vírus e apostando que a população iria se imunizar rapidamente. E a outra é o conflito federativo. O governo federal o tempo inteiro jogou para estados e municípios a culpa e o desgaste político pelas medidas”, acrescentou o especialista.

Esta quarta também foi marcada por uma mudança no sistema de notificação de mortes por Covid-19 promovida pelo Ministério da Saúde, o que reduziu artificialmente os dados em diversos estados.

Na terça-feira 23, por exemplo, o estado de São Paulo bateu recorde de óbitos, com 1.021 em 24 horas. Hoje, a atualização do boletim do governo paulista aponta 281 mortes. Segundo o secretário de Saúde, Jean Gorinchteyn, a mudança não era esperada e “burocratizou a inserção. Mato Grosso também relatou que os 20 óbitos notificados hoje não representam a realidade.


No final da tarde, o Ministério da Saúde recuou das mudanças.

 

 

Algumas informações ajudam a compreender por que este é o mais grave momento da pandemia no Brasil. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz, o País precisa adotar medidas rígidas para o bloqueio da transmissão em todos os estados classificados como “zona de alerta crítico”: todos, com exceção de Amazonas e Roraima. O principal obstáculo para a adoção dessas ações é o próprio presidente Jair Bolsonaro.

“O STF referendou que o governo federal não pode atrapalhar a estratégia de estados e municípios, que podem adotar as medidas restritivas. Ele [Bolsonaro] continua falando contra o lockdown porque sabe que quem vai precisar adotá-lo são os governadores, porque não têm saída. A saturação hospitalar pega no governo. Ele quer empurrar esse desgaste para os estados e municípios”, analisa Daniel Dourado.

Para o especialista, o impeachment é a melhor saída para o País neste momento. “O Brasil tem mecanismos institucionais para afastar um presidente que comete crimes. Bolsonaro está cometendo crimes de responsabilidade e até crimes comuns, todos os dias. E no enfrentamento à pandemia são claríssimos. Ele está desconsiderando o direito à saúde da população para benefício político próprio. Já há elementos jurídicos. A base para o impeachment já está dada”.

As principais recomendações apontadas pela Fiocruz são a restrição das atividades não-essenciais por cerca de 14 dias, para redução de aproximadamente 40% da transmissão, e o uso obrigatório de máscaras por pelo menos 80% da população.

O Brasil também enfrenta o temor da falta de oxigênio em hospitais, o que ameaça reeditar em outros estados as cenas de desespero vistas no Amazonas em janeiro. Além do oxigênio, estão sob a ameaça os medicamentos que compõem o “kit intubação”. Tudo isso acontece paralelamente a uma campanha de vacinação sob um ritmo insuficiente, devido à demora do governo de Jair Bolsonaro em viabilizar a chegada de imunizantes.

Outro ponto dramático é a disponibilidade dos leitos dedicados a pacientes com Covid-19. Dezenove capitais estão com taxas de ocupação para adultos iguais ou superiores a 90% na rede pública. Outras seis apresentam índices entre 80% e 90%. Manaus, a única cidade no Amazonas com leitos de UTI, registra 79% de ocupação. Boa Vista, capital de Roraima, tem 64%. Os dados constam de boletim extraordinário publicado pela Fiocruz na terça-feira 23.

O Brasil é o segundo país do mundo em número total de casos e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, segundo a Universidade Johns Hopkins. Os norte-americanos contabilizam, até a tarde desta quarta, 29,9 milhões de casos e 544.922 óbitos.

 


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