Sociedade

Balé em Paraisópolis retoma ensaios com coreografia sobre violência policial

Espetáculo ‘Nove mortos’ homenageia vítimas pisoteadas durante uma intervenção policial no final de 2019

Balé em Paraisópolis retoma ensaios com coreografia sobre violência policial. (Foto: NELSON ALMEIDA / AFP) Balé em Paraisópolis retoma ensaios com coreografia sobre violência policial. (Foto: NELSON ALMEIDA / AFP)
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Os dançarinos se movem ao ritmo de uma batida tensa. O Ballet Paraisópolis, na segunda maior favela de São Paulo, retomou os ensaios interrompidos pela pandemia de coronavírus com uma coreografia cativante sobre uma ação policial que deixou a comunidade de luto no ano passado.

 

O espetáculo, intitulado “Nove mortos”, é uma homenagem às vítimas pisoteadas durante uma intervenção policial no final de 2019 para interromper um baile funk na favela onde vivem 100 mil pessoas.

O confinamento imposto pelo coronavírus obrigou os seis professores a desenvolverem cursos por videoconferência para que os 200 alunos pudessem ensaiar em casa.

“Não foi fácil. As casas não têm piso flutuante, não são adequadas para um bailarino, mas as aulas foram bem pensadas. Pensamos em tudo o que nós podíamos fazer via (aplicativo) zoom para que eles pudessem manter a parte física e mental em casa”, disse à AFP Monica Tarrago, que fundou em 2012 este programa, que oferece cursos gratuitos, graças ao apoio privado e público.

O Ballet Paraisópolis se apoia na aplicação de recursos provenientes das Leis de Renúncia Fiscal, tais como a Lei Rouanet e o Programa de Ação Cultural (ProAc Expresso), e por ser uma instituição sem fins lucrativos, está apto a receber doações diretas.

Foto: NELSON ALMEIDA / AFP)

O programa incluiu aulas de nutrição, alongamento e coreografia, com a participação de dez palestrantes estrangeiros, entre eles Isabelle Guérin, bailarina principal da Ópera Nacional de Paris.

Paraisópolis é um dos símbolos das desigualdades que afligem a maior megalópole do Brasil, com suas ruelas e barracos contíguos a prédios de luxo do bairro do Morumbi, na zona sul de São Paulo.

“Corpo e alma”

Kemilly Luanda, que está no último da formação, suspira ao lembrar das dificuldades para acompanhar as aulas virtuais em sua casa de dois quartos onde mora com os pais, quatro irmãos e um cachorro.

“Tinha que tirar todo mundo de um cômodo, colocar o telefone na beliche e praticar no corredor entre as camas”, explica a adolescente de 17 anos.

A instabilidade da internet e a telinha do telefone, na falta de um computador, foram complicações adicionais, a que se somou o vazio de não poder ver suas colegas turma, que ela conhece há oito anos e que considera “irmãs”.

“Estava muito ansiosa para voltar, era como se fosse a primeira vez”, diz ao retornar para a sala de ensaios onde passa quatro horas por dia, de segunda a sexta-feira.

É possível adivinhar um sorriso através da máscara que usa, que só revela seus olhos maquiados com um impecável delineado laranja.

(Foto: NELSON ALMEIDA / AFP)

Dos 22 alunos que voltaram para as aulas presenciais (os demais continuam com os cursos virtuais), dez praticam na sede da escola e os doze do último ano no segundo andar de um centro cultural que chegou a ser uma base do combate à pandemia.

O Brasil, com mais de 123 mil mortes e 4 milhões de casos, é o segundo país mais afetado pelo coronavírus, depois dos Estados Unidos.

São Paulo lidera, em números absolutos, o índice nacional em óbitos e diagnósticos.

O estado foi um dos primeiros a estabelecer medidas de quarentena e paralisação de atividades. O hiato de quatro meses impediu o Ballet Paraisópolis de organizar sua primeira formatura, agora prevista para 2021.

Abrindo caminhos

“Essa sensação foi a pior que eu tive na vida, nós só paramos para Natal e Réveillon. Querendo ou não, nos tornamos uma família”, reconhece Monica Tarrago.

O espetáculo sobre os nove jovens que morreram durante a intervenção policial ainda não estreou por causa da pandemia.

“Quando ensaio, tento sentir na pele o personagem, tento sentir a angústia, o medo dos jovens quando estavam encurralados nas vielas. Faz parte, a gente tem que se doar mesmo, de corpo e alma”, afirma Kemilly Luanda, que vive precisamente na rua onde aconteceu a tragédia.

Monica Tarrago sabe que muitos de seus alunos não se tornarão bailarinos profissionais, mas garante que o objetivo é, antes de tudo, abrir novas perspectivas e caminhos.

“Eu não sabia o que era dançar, que isso podia ser uma profissão. Hoje em dia não vivo sem e me imagino como bailarina profissional. Quero viver da dança”, conclui Kemilly.

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