Sociedade

As mulheres detestam a guerra, ao contrário dos homens?

A ideia de que a violência está ligada ao gênero masculino é muito difundida, mas infelizmente o pacifismo feminino não passa de um mito

Em Suruc, na Turquia, mulheres curdas acenam durante o enterro de Xahim Daban, uma das curdas que combateu o Estado Islâmico
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Por Catherine Bennett

Apenas seis meses atrás, as autoridades britânicas de contraterrorismo anunciaram uma iniciativa para evitar que jovens britânicos se ofereçam para combater na Síria: recrutar mulheres muçulmanas como detetives amadoras. Naquela altura, estimava-se que entre 200 e 366 britânicos houvessem se apresentado como voluntários para servir ao islamismo radical. A vice-comissária assistente, Helen Ball, a principal coordenadora de contraterrorismo na Grã-Bretanha, explicou ao Guardian o que suas antimilitaristas escolhidas seriam instadas a procurar. “Elas podem ver que seus parentes estão passando mais tempo na internet”, disse. “Ou eles podem estar muito nervosos com os acontecimentos na Síria.”

Não faria sentido também envolver os homens muçulmanos? Ou havia evidências de que, ao contrário das muçulmanas, eles poderiam se ofender? Embora os acadêmicos já tenham destacado os riscos de se considerar as mulheres muçulmanas uma proteção garantida contra a radicalização, e uma mãe muçulmana, Najma Hafeez, ter dito à imprensa que considerava essa opinião “muito paternalista”, as suposições de Ball sobre as mulheres, como basicamente observadoras benevolentes, talvez muito excêntrica para uma oficial de polícia graduada, foram feitas como se fossem evidentes. Talvez ela tivesse razão. Pois, surpreendentemente, esse retrato confiante das mulheres como alimentadoras respeitosas do sexo guerreiro – talvez baseado em conquistas ainda não divulgadas em policiamento maternal – não provocou o nível de indignação pública (como na campanha “Que sapatos sejam sapatos” que hoje é comum quando os fabricantes fazem suposições de gênero sobre, por exemplo, sapatos infantis.

Nenhuma campanha “Que a artilharia seja artilharia” contestou uma declaração de uma conhecida oradora, Sajda Mughal, no lançamento da iniciativa em Manchester, noroeste da Inglaterra. “As mulheres são agentes de mudança, especialmente as mães em casa”, disse ela. “São elas que podem alimentar e proteger seus filhos.” Samantha Lewthwaite, mãe de quatro e, incidentalmente, a “viúva branca” islâmica, supostamente, segundo essa visão essencialista das coisas, passou pelo mesmo programa de dessexualização que Lady Macbeth.

Enquanto o movimento “anti-cor-de-rosa” ganhava força, quaisquer dúvidas sobre o esquema de Ball tinham maior probabilidade de enfocar suas supostas provocações à espionagem e deslealdade do que sua fé – ainda mais duradoura que a de Disney, e ainda maior que a campanha Melhor Unidos [contra a secessão da Escócia], amiga das donas de casa – no poder da diferença sexual.

Para ser justo com as autoridades antiterroristas, a convicção de que as mulheres são naturalmente avessas a conflitos ainda é compartilhada por muitos políticos e pensadores destacados, e também por nosso próprio Austin Mitchell. Ele recentemente se preocupou, em público, sobre os riscos representados pela gentileza feminina para o interesse nacional – e, por implicação, o risco que o poder político representa para a gentileza feminina. As mulheres, concluiu ele, são “menos inclinadas a discutir grandes temas, como: devemos invadir o Iraque?”.

Muitas vezes, é verdade, a proporção nas páginas de comentários na mídia entre generais de poltrona e mulheres defensoras das “botas no chão” poderia ser interpretada como um apoio à teoria de Mitchell, que em si mesma, eu imagino, deve muito a Sara Ruddick, a influente filósofa feminista que defendeu o impacto restritivo da maternidade sobre o militarismo.

Outros poderiam ver a disparidade em belicosidade de comentários como – supondo que possamos descartar a discriminação –uma confirmação da análise do professor Simon Baron-Cohen, segundo a qual a escassez de mulheres-bombas poderia ser atribuída a que as mulheres são “programadas para a empatia”. Ao contrário dos homens, que são programados, se é que tenho o direito de dizer isso, para adorar tanques.

Então talvez não seja científico ver muito nas exceções, como Aqsa Mahmood, a fugitiva apoiadora do Estado Islâmico e emissora de ameaças ambiciosas contra David Cameron e seus descendentes: “Não se preocupe, em algum lugar ao longo do caminho seu sangue será derramado por nossos filhotes”. Ou Khadijah Dare: “Eu quero ser a primeira mulher britânica a matar um terrorista britânico ou americano!” E a ex-música de 45 anos, outra mãe de dois filhos, que decretou sob o nome de Umm Hussain al-Britani: “Todos vocês, cristãos, precisam ser decapitados com uma faca cega e empalados nas cercas de Raqqa”.

Deve haver uma excelente explicação, também, para as adversárias mais ativas dessas mulheres, presentes tanto nos militares aliados como, muito mais, no YPJ curdo, força que é cerca de 35% feminina e hoje luta até a morte na cidade sitiada de Kobani. Uma soldada, conhecida como Rehana, teria matado mais de cem combatentes do EI. Sua comandante, chamada Narin Afrin, teria dito: “Para entrar em Kobani os bandos do EI terão de passar sobre nossos cadáveres”. Em um fascinante artigo para a New Republic, Sophie Cousins encontra uma jovem soldada curda no nordeste da Síria, a menos de um quilômetro das forças do EI. Usando um lenço hijab, armada com uma Kalashnikov, a soldada lhe diz: “A mulher foi suprimida durante mais de 50 mil anos e agora temos a possibilidade de exercer nossa vontade, nosso poder e nossa personalidade”.

Mas aqui no Reino Unido a polícia antiterrorismo ainda se inclina mais para a posição de Kofi Annan. “Durante gerações”, disse ele, “as mulheres serviram como educadoras da paz, tanto em suas famílias como em suas sociedades.” Talvez seja em parte porque esses atributos mostram as mulheres sob uma luz claramente atraente, que os críticos da diferença sexual inata foram quase tão lentos para confrontar mitos sobre o pacifismo feminino quanto fizeram com os que apresentam as mulheres avessas a riscos como potenciais salvadoras dos mercados financeiros ou as adversárias naturais do terrível partido Ukip, pró-independência do Reino Unido.

É inegável que matar, ao contrário da matemática, é algo em que a maioria de nós, mulheres, preferiríamos ser fracas – pelo menos em tempos de paz. Igualmente, não há como evitar a evidência de que as europeias, mesmo as que tiveram filhos, hoje apoiam o mais bárbaro dos crimes de guerra por parte de seus maridos e protetores islâmicos, que elas buscam em número cada vez maior. Em seu novo estudo, o professor Kamaldeep Bhui revela que, mesmo com suas parentes patrulhando a casa em nome da vice-delegada assistente Ball, as jovens e meninas britânicas têm tanta probabilidade de ser radicalizadas quanto os homens; estima-se que elas sejam 60 dos cerca de 500 recrutas locais do EI.

As mulheres, disse Kofi Annan, “mostraram-se instrumentais para construir pontes, em vez de muros”. Mesmo antes que garotas bem educadas, versadas nos preceitos do anti-bullying, começassem a tuitar sobre o genocídio em uma zona de guerra, certamente era mais complicado que isso.

É verdade, as mulheres são sempre vulneráveis como civis, e adequadamente priorizadas para proteção pela ONU. Mas elas também distribuíram penas brancas, aplicaram a mutilação genital feminina, traíram suas vizinhas, cometeram atrocidades em toda empreitada terrorista, onde sua suposta inocuidade as torna especialmente eficazes. Enquanto isso, inúmeros recrutas homens desertaram, temeram ser feridos e correram o risco de morte para evitar os píncaros da vitória aspirados por Khadijah Dare, mesmo que a realidade, no califado embrionário, esteja superando a Nutella.

A maior glória, para essas supostas jihadistas top, parece ser a promoção ao batalhão al-Khansa, um pequeno corpo vicioso cuja tarefa é impor a posição de segunda classe às mulheres em territórios conquistados, por exemplo, espancando as que não cobrem adequadamente o corpo. Por mais que isso possa parecer incrivelmente enganoso, elas não são as primeiras mulheres a conspirar para sua própria marginalização. O determinismo biológico, do tipo que reduz as mulheres a alimentadoras impotentes, é o melhor e improvável amigo da sharia, a lei islâmica.

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