Sociedade

As empresas da ‘lista suja’ com maior número de trabalhadores em condições análogas à escravidão

Desde a criação dos grupos móveis de fiscalização, em 1995, foram resgatados mais de 60 mil trabalhadores em situação degradante de trabalho

Na Fazenda Mesas, em Campos Altos (MG), 34 pessoas foram resgatadas de condições análogas à escravidão — Foto: Auditoria Fiscal do Trabalho/Divulgação
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A cada ano a Lista Suja do trabalho escravo no Brasil apresenta um crescimento exponencial. Ao todo, o Ministério do Trabalho elencou 174 empregadores responsáveis por submeter 1.490 trabalhadores às formas contemporâneas de escravidão, entre os anos de 2017 a 2022 — de acordo com a mais recente atualização da Inspeção do Trabalho. 

Desde a criação dos grupos móveis de fiscalização, em 1995, foram resgatados mais de 60 mil trabalhadores de situação análoga à escravidão. 

Apenas no período de abril a outubro de 2022, houve o registro de 89 novos empregadores autuados. O que significa que o número no período praticamente dobrou, se comparado ao ano anterior. 

Os setores que mais tiveram funcionários resgatados foram a indústria do fumo com 76 trabalhadores ao todo. Em seguida, a pecuária (85) e produção de carvão vegetal (81). Na sequência aparecem extração de madeira (59), o cultivo de cana-de-açúcar (44) e a indústria têxtil (44).

Minas Gerais (302), Goiás (166) e Pará (164), respectivamente, foram os estados que mais tiveram casos de trabalhadores submetidos a condições degradantes de trabalho.

Os exploradores que tiveram o maior número de funcionários resgatados nestas situações, usualmente recrutavam pessoas em outros estados com promessas de bons salários e moradia.

1) Agrícola Minas Norte Ltda.  

Sem banheiro e sem água potável. Entre os dias 7 de outubro e 27 de novembro de 2019, os auditores fiscais do trabalho encontraram 46 funcionários submetidos a condições análogas à de escravo, no cultivo de feijão na Fazenda Agrícola Minas Norte, na região de Buritizeiro, em Minas Gerais. 

No local, os relatos e fotos mostram que não havia estruturas mínimas de saúde, higiene e segurança. Além disso, o empregador não oferecia água potável, instalações de moradia adequadas, refeitórios e banheiros químicos na lavoura. 

Desde 1998 com atuação no cultivo de soja, milho, feijão, cereais e criação de bovinos, a Fazenda ficou proibida de admitir empregados sem o devido registro na Carteira de Trabalho, bem como contratar menores de 18 anos para a realização de atividades noturnas, insalubres ou perigosas. 

No entanto, os irmãos Edilio Peron Ferrari e Edilio Ferrari Junior, além do sócio, Eduardo Ferrari, conseguiram financiamentos rurais mesmo depois de terem sido condenados administrativamente pelo Ministério do Trabalho. Atualmente, o capital da fazenda está estimado em 2 milhões de reais.

Procurada por CartaCapital, a empresa não retornou os contatos.

2) Consórcio BT-Convap-Completa

Cerca de 49 trabalhadores que vieram dos estados do Maranhão e Piauí para as obras do Departamento de Água e Esgoto de Uberlândia (MG) foram encontrados pela Inspeção do Trabalho, em 2019, sem condições básicas de moradia. 

Eles foram abordados com a promessa de emprego, mas após pagarem a própria passagem e chegarem em Minas, não foram contratados para a função e nem tiveram a restituição dos gastos da viagem. As famílias mandavam dinheiro para os gastos com alimentação e despesas da casa alugada pelo recrutador. 

Na época, o Consórcio, representado pelo administrador Luis Fernando Santos de Marcello, e as empresas BT Construções, Convap Engenharia e Completa Engenharia, disse desconhecer os fatos e negou qualquer responsabilidade. 

Em contato com CartaCapital, o Consórcio reiterou que os aliciadores responsáveis pelas condições de trabalho daqueles funcionários não tinham vínculo com a empresa. “Consta da denúncia que os reais responsáveis se passaram indevidamente por prepostos da empresa CONSÓRCIO BT-CONVAP-COMPLETA porém os fatos foram devidamente esclarecidos para restabelecer a verdade”, afirmaram em nota.

A Polícia Federal investigou o caso e apontou na decisão final que “a empresa não teve envolvimento nos fatos, a não ser o de informar a abertura de vagas de emprego na obra”. Os responsáveis identificados foram José Dilson Morais dos Santos e José Osmando Ferreira dos Santos. Ambos foram indiciados pela PF pelo crime de recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho.

3) Fazenda Dois Rios e Dois Rios I 

Em 2018, 39 trabalhadores foram resgatados na propriedade Fazenda Dois Rios, na região de Porto Seguro, sul da Bahia. Eles foram recrutados em Alagoas para atuar em uma colheita de café em uma fazenda de Caraíva (BA). O acordo incluía o direito a alojamento, material de trabalho, alimentação e remuneração diária de até 100 reais.

No entanto, ao chegar ao local, foram colocados em uma casa sem banheiro e avisados que eles seriam responsáveis por pagar pela água, comida e dormitório.

Ao não aceitarem as novas condições foram ameaçados e em seguida deixados sem dinheiro na rodoviária da cidade vizinha, em Itabela.

O Ministério Público do Trabalho determinou o bloqueio de bens da empresa, representada por Adilson Bona Vieira e Jair Frohelich Nogueira, e estabeleceu critérios legais para qualquer contratação de trabalhadores na fazenda.

Após três anos do caso, os trabalhadores conseguiram a indenização de 141 mil reais determinado por ação judicial e os 200 mil reais por dano moral coletivo.

Procurada por CartaCapital, a empresa não retornou os contatos.

4) Fazenda Mesas

Sem horário certo para o trabalho, nem água, cozinha ou banheiro, 34 pessoas foram resgatadas, em 2020, na fazenda Mesas, em Campos Altos (MG). 

O responsável pela fazenda de monocultura de café, Wagner Arthur Gonçalves dos Santos, foi autuado pela fiscalização e chegou a pagar 50 mil reais de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e desde então não atua no ramo. 

Em conversa com CartaCapital, ele explicou que contratou um “turmeiro”— responsável por recrutar mão de obra em outros estados, geralmente na Bahia, para o início do trabalho na colheita de café. E logo no início dos trabalhos foi avisado sobre a fiscalização. “Eu fui denunciado pelos próprios apanhadores, não foi uma fiscalização de rotina”, afirmou. “Eu achei um absurdo gente que eu arrumei botina, garrafa d’água, falar na minha frente, esconder a botina nova e estar com a botina velha”.

Atualmente, Santos ocupa o cargo de chefe do departamento de planejamento, gestão e potencialização da indústria e comércio na prefeitura de Campos Altos. 

5) Mauricio Pompeia Fraga

Os Auditores-Fiscais do Trabalho flagraram 30 trabalhadores do pecuarista Maurício Pompeia Fraga, em 2018, atuando sem folga, sem local apropriado para dormir, sem água potável, nem banheiro e muito menos com carteira assinada, como determina a legislação trabalhista. 

Além da falta de condições básicas para sobrevivência, os funcionários também precisavam se deslocar a pé em um trajeto de 900 km até chegar ao local de trabalho. 

O pecuarista foi responsável, à época, por grande parte do abastecimento de gado aos frigoríficos das multinacionais JBS e Marfrig, e era reincidente na lista por infrações trabalhistas.

O filho do pecuarista, Maurício Pompeia Fraga Filho, também foi processado por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão em uma de suas fazendas.

Procurado por CartaCapital, o pecuarista não retornou os contatos.

Leia a lista completa dos exploradores de mão de obra escrava:

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