Sociedade

Aquecimento global ameaça futuro dos Jogos de Inverno

As temperaturas em Sochi estiveram mais para jogos de verão. E não só lá: em muitas antigas sedes, há cada vez menos condições para esportes de inverno

A alemã Anke Karstens e a austríaca Julia Dujmovits (no fundo, à esquerda) durante competição de snowboard em Sochi
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Na cerimônia de abertura, a neve na cobertura do estádio olímpico era falsa. Na segunda semana de competições, chegou a nevar um pouco, mas só nas montanhas. O sol se fez bem presente nos últimos dias no balneário de Sochi, centro das atenções dos amantes dos esportes de inverno neste mês de fevereiro. Corredores usaram shorts e repórteres usaram camisas de mangas curtas.

Na verdade, o ambiente no parque olímpico se assemelhou bastante ao dos Jogos Olímpicos realizados no verão. “Acho ótimo, em minha cidade agora a temperatura é de 30 graus negativos”, comentou um visitante, enquanto os termômetros em Sochi registravam agradáveis 18 graus positivos.

Os Jogos de Inverno de Sochi, que se encerraram no domingo 23, quebraram vários recordes – em competições, em custos e, também, em temperaturas. Estes foram considerados os jogos realizados sob clima mais quente da história.

“Sochi é de longe o local mais quente a receber os Jogos de Inverno até hoje. E isso não apenas na cidade, mas também nas áreas de provas nas montanhas”, afirma o geógrafo austríaco Robert Steiger em entrevista para a Deutsche Welle. Há anos ele pesquisa o impacto do aquecimento global nas regiões onde se praticam esportes de inverno.

Steiger publicou recentemente um estudo, juntamente com colegas da Universidade de Waterloo, no Canadá, e do Management Center de Innsbruck, na Áustria, que alerta sobre o futuro dos Jogos Olímpicos de Inverno. Segundo os pesquisadores, as alterações climáticas poderão impossibilitar a prática dos esportes de inverno em muitos lugares.

O especialista afirma que, de acordo com os estudos, em 2050 Sochi pode não ser mais um lugar para a prática dos esportes de inverno. Ele se refere ao aumento das temperaturas médias e à menor ocorrência de neve. “Sochi já está muito próxima dos limites do que consideramos seguro em relação ao clima. Há neve por lá, mas é muito quente e há um impacto negativo sobre as condições da neve e do gelo durante as competições”, explica Steiger.

Esse não é um problema apenas da sede dos Jogos de 2014. De acordo com os cálculos dos pesquisadores canadenses e austríacos, até o fim do século apenas seis das 19 cidades que já receberam os jogos terão condições para a prática dos esportes de inverno. Todas as outras já serão quentes demais.

“O aquecimento global indica que haverá cada vez menos regiões de tradição em esportes de inverno aptas a receber os Jogos Olímpicos”, afirma Daniel Scott, o principal autor do estudo O futuro dos Jogos Olímpicos de Inverno num mundo mais quente.

Aumento dramático da temperatura

O aquecimento global ameaça os Jogos de Inverno porque, apesar da neve artificial, dos depósitos de neve e dos eventos em ambientes internos, muitas competições dependem da certeza de que haverá neve natural.

Por esse motivo, o Comitê Olímpico Internacional (COI) tem regras claras para a organização dos jogos: num período de dez anos, em nove este lugar deve ter tido ao menos 30 centímetros de neve no início de fevereiro. Além disso, deve haver também temperaturas abaixo de zero durante o dia. No caso de Sochi, muitas das regulamentações do COI foram deixadas de lado.

“Houve recentemente uma tendência pela realização dos Jogos de Inverno em regiões metropolitanas, até por causa do tamanho dos jogos”, afirma Steiger. Ele entende que esse critério poderá ser problemático, não apenas em termos meteorológicos. “Esses centros estão geralmente longe das regiões de montanhas, o que leva a problemas de logística e de tráfego”, aponta.

O estudo mostra que a temperatura média no conjunto das sedes anteriores subiu muito nas últimas décadas. Entre os anos de 1920 e 1950, era média marcada pelos termômetros era de 0,4 graus durante as competições. Entre os anos 1960 e 1990, ela passou para 3,1 graus. No século 21, já chegou a 7,8 graus – e isso sem considerar os dados de Sochi.

Para longe das metrópoles

Até a metade do século, os pesquisadores calculam que temperatura média subirá entre 1,9 e 2,1 graus nas antigas sedes dos Jogos. Para o fim do século, a previsão é que o aumento fique entre 2,7 e 4,4 graus.

Steiger afirma, nesse cenário, é “difícil imaginar” que os Jogos Olímpicos sejam realizados apenas com gelo e neve naturais. A não ser que os Jogos de Inverno voltem às suas origens, diz ele: as montanhas. Mas nessas áreas raramente há cidades de grande porte com aeroportos e ampla infraestrutura, ainda que tenham neve.

“Da perspectiva do clima, seria prudente confiar a realização dos Jogos de Inverno, daqui a 15 ou 20 anos, às áreas onde a neve seja certa, ou seja, regiões de maior altitude e latitude: os locais tradicionais de esporte de inverno”, recomenda Steiger. Para ele, o futuro dos esportes de inverno está garantido, ainda que o número de locais apropriados caia consideravelmente.

Aí então caberá ao COI decidir. Ou realiza os Jogos de Inverno em regiões metropolitanas com neve artificial ou abandona a grandiosidade do evento e promove o retorno às regiões montanhosas, com neve de verdade.

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