Sociedade

Ditadura usou táticas terroristas até contra jornaleiros

A ideia do regime era intimidar comerciantes e dificultar a abertura democrática no País

Movimento passou a intimidar vendedores e diminuir vendas de jornais alternativos
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Depois de censurar as redações de jornais e revistas da grande imprensa e da imprensa alternativa, a ditadura civil-militar buscou intimidar também os jornaleiros que vendiam determinadas publicações. Com o objetivo de impedir a propagação de reportagens e artigos contra o regime, a repressão realizou mais de 30 atentados a bomba contra bancas de jornal.

“Havia no Brasil cerca de 160 publicações que denunciavam abusos de ditadura. Essa estratégia buscava sufocá-las, pressionado e inviabilizando a sua comercialização”, afirmou Milton Bellintani, da Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, que nesta terça-feira 22 realizou uma audiência conjunta com a Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog. De acordo com Bellintani, após a volta de centenas de exilados ao Brasil com a anistia, em 1979, o aparelho de repressão estatal passou a se articular para proteger o regime, com o intuito de interromper o processo de abertura e a redemocratização. “Entre 1979 e o primeiro semestre de 1980, ocorreram 30 atentados contra bancas de jornal no País”, afirmou Bellintani.

“O objetivo era calar a imprensa. As operações de atentados às bancas de jornal foram uma continuidade desse processo que começou com intimidações nas sedes de jornais”, observou José Augusto Camargo, atual presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. “Resolveram atacar em outra frente e impedir a distribuição. Havia a intimidação contra o jornalista que produzia essa informação e, na outra ponta, contra quem a distribuía.”

Presente na audiência desta terça-feira 22, o jornaleiro Paolo Pelegrini lembrou que na época eram comuns as apreensões de publicações como O PasquimMovimentoEm Tempo. “Isso provocava na classe um medo em relação a como comercializar esses produtos. Alguns deixavam de trabalhar com eles”, contou Pelegrini, que já era dono da banca que possui na Praça da República, centro de São Paulo. “Pensávamos: ‘Quem será o próximo?’.”

Concentrados nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, os atentados às bancas de jornal eram parte de um movimento dos militares e civis de extrema direita que se opunham à reabertura democrática.

De acordo com denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro no último mês de fevereiro, de 1980 até abril de 1981 houve uma série de mais de 40 atentados a bomba. Um dos mais famosos, na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi uma das três explosões em diferentes pontos do Rio de Janeiro em 27 de agosto de 1980. Além da morte da secretária Lyda Monteiro da Silva na seção da OAB, na Câmara Municipal foram atingidos o assessor José Ribamar e mais cinco pessoas. Um terceiro artefato explodiu no jornal Tribuna da Luta Operária. No mesmo ano, uma bomba foi desativada no Hotel Everest, onde estava hospedado Leonel Brizola, que em 1979 retornara do exílio, e outra no escritório do advogado de presos políticos Sobral Pinto.

Explosões ocorreram na Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro durante comício do PMDB, na sede do movimento “Convergência Socialista” e no carro do deputado Marcelo Cerqueira em Santa Teresa. A tentativa frustrada de ataque a bomba no Riocentro, em 1981, representa o ápice da escalada para conter o movimento de redemocratização.

“As consequências desse movimento intimidatório foram muito grandes”, disse Camargo. “Ele não apenas conseguiu gerar medo e abalar todo aquele movimento muito rico dos jornais alternativos. Teve consequências profundas na imprensa alternativa da época, que hoje poderia ser uma alternativa ao processo de concentração da mídia que hoje temos no País.”

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