Sociedade
Adultização: ‘Antes, as crianças quebravam o braço. Hoje, estão depressivas’
Mudança no perfil de adoecimento infantil escancara os riscos da lógica das big techs e do tempo excessivo diante das telas, alerta o pediatra Daniel Becker


O pediatra e ativista pela infância Daniel Becker nota uma mudança comportamental perigosa em crianças e adolescentes. Se antes o risco vinha de quedas, corridas e brincadeiras, agora se esconde nas horas a fio diante das telas e no mergulho diário na lógica das redes sociais.
“Antes as crianças quebravam o braço, hoje elas ficam depressivas e ansiosas”, resume.
Em entrevista a CartaCapital, Becker descreve um novo padrão de morbidade que vem se consolidando na infância e adolescência: problemas de visão, alterações posturais, sedentarismo, e, cada vez mais, transtornos mentais e comportamentais.
O dado que sustenta a gravidade da afirmação é alarmante: segundo a Rede de Proteção Psicossocial do SUS, entre 2003 e 2023, os casos de ansiedade cresceram 1.500% entre crianças de 10 a 14 anos e 3.000% entre adolescentes de 15 a 19 anos.
“É espantoso”, alertou o especialista, que recomenda o uso de celulares somente a partir dos 14 anos de idade e a entrada efetiva nas redes após os 16 anos – como barreira contra o acesso precoce a conteúdos nocivos, do racismo e da misoginia à proliferação de discursos de ódio.
O desenvolvimento humano, reforça ele, se dá a partir do contato com o mundo real, e não da internet. “A brincadeira é a linguagem essencial da infância e a natureza o seu território. Se você arranca uma criança da natureza e da brincadeira, você está tirando a infância dela”, adverte. “O que é uma das formas de adultizá-la.”
O alerta ganha força à luz do vídeo do youtuber Felca, que expôs a sexualização explícita de crianças em plataformas e revelou como esse material alimenta redes criminosas de pedofilia. Nesse contexto, Becker defende a aprovação do PL 2628/2022, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que deve voltar à pauta do Congresso.
Na visão do pediatra, os CEOs das grandes empresas de tecnologia “estão alinhados à extrema-direita”, e o avanço do fascismo nas redes se traduz na redução de mecanismos de moderação e checagem de conteúdos nocivos. “Isso atinge diretamente a infância”,.
Assista à entrevista completa:
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