Sociedade

Amor cego: I love favela

A mídia aborda as favelas de forma superficial e pejorativa; assim, banaliza violações de direitos básicos

Notícias de uma Guerra Particular, gravado ainda no final dos anos 90, subiu o morro Santa Marta para mostrar o embate entre polícia e traficantes nas favelas
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Há pelo menos uma década e meia a favela vem sendo retratada pelo cinema e televisão mais rotineiramente, contudo, pela ótica da violência, que pelo aspecto cultural ou social. Na linguagem documental, o longa Notícias de uma Guerra Particular, dirigido por Katia Lund e João Moreira Salles, mostra o cotidiano de pessoas ligadas ao tráfico de drogas e de policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) numa obra gravada entre 1997 e 1998, no morro do Santa Marta, estado do Rio de Janeiro.

O filme também exibe depoimentos de moradores. Eles falam do poder do tráfico na comunidade e da ação dos agentes da polícia dentro das favelas. Até então, algo ainda não visto em rede nacional de uma forma tão crua. Uma das obras mais conhecidas dentro da linguagem de documentário é a produção Falcão – Meninos do Tráfico, de MV Bill e Celso Athayde, de 2006. Este foi divulgado nove anos após o início das gravações e Notícias de uma Guerra Particular.

Outra película, desta vez de ficção, que gerou ampla repercussão em torno do cotidiano das comunidades foi o longa Cidade de Deus, de 2002, dirigido por Fernando Meirelles e codirigido por Kátia Lund. Depois desta produção, surgiram diversos filmes com o roteiro e cenário bem semelhantes.

Durante a expansão e o fortalecimento da economia, a partir de 2003, que fomentou a falácia da nova classe média, a mídia, por meio de programas e novelas, começou a exibir uma favela para gringo ver. Mentiras transformadas em verdades geraram o fantasioso e atrativo mundo das favelas.

A ocupação militar injetou a falsa percepção de que o problema da segurança pública estava sanado. Do inferno ao paraíso, as comunidades se tornaram bons lugares para viver. Ninguém passava mais fome e cada um consumia como ditava o mercado.

Quem gosta de favela é cientista social, antropólogo e polícia. Quem mora nela, tem a meta de sair. Não se trata de negar de onde o indivíduo veio ou vive, mas, sim, de buscar qualidade de vida. É importante frisar que as favelas surgiram e tomaram forma por conta da ausência de politicas públicas de habitação, isto é, ela simplesmente não deveria existir.

Para quem é portador de necessidade especial, morar numa favela dificulta muito mais o cotidiano, pois essas pessoas acabam mais cativas e, consequentemente, excluídas, pois a mobilidade é afetada.

Na maioria das comunidades, as escadas, além de longas, são desengonçadas, ou seja, há degraus mais altos que outros, não é raro os casos de águas escorrendo pelas vielas, criando espaços com lodos e dos estreitos becos e vielas que dificulta socorrer uma pessoa, caso ela passe por algum mal súbito.

Outra lamentação dos moradores, principalmente dos mais velhos, de quem trabalha no período noturno ou tem filho recém-nascido é a altura do som.  Na favela, em alguns aspectos, a liberdade está desconectada da responsabilidade. Os sons ligados na potência mais alta invadem quartos e salas de forma estridente.  

A mídia vem tratando as favelas de forma pejorativa e estigmatizadora. Desta maneira, fortalece o modo como o povo que reside nela continua num ambiente onde, a cada chuva, aumenta o medo do deslizamento; a cada curto circuito, de incêndio; e o medo perene de bala perdida ou da repressão policial é latente.

A favela tem um clima e energia que dificilmente se encontra em outro lugar. Mas não deixamos essa magia banalize as violações de direitos humanos que há décadas vem sendo infringido pelo poder público e exaltado nas entrelinhas em rede nacional e mundial. 

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