Sociedade

AIDS, 35 anos depois

A resposta brasileira à epidemia, outrora exemplo para o mundo, tem perdido a luta para a falsa moral e o conservadorismo

AIDS, 35 anos depois
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Chegamos aos 35 anos de epidemia de HIV e AIDS em 2016 diante de vários dilemas. Perdemos o pioneirismo mundial no enfrentamento da doença, estamos na contramão da tendência global de queda do número de infecções pelo HIV (entre os jovens, sobretudo, a tendência no Brasil é de crescimento) e estagnamos nas campanhas de prevenção.

A resposta brasileira à epidemia de AIDS, outrora exemplo para o mundo, tem perdido a luta para a falsa moral e o conservadorismo.

Relatora do Projeto de Lei 198 na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, a deputada Laura Carneiro recentemente deu parecer desfavorável ao PL.

O que deveria se constituir numa vitória para as mais de setenta organizações da sociedade civil, que enviaram Carta Aberta ao Congresso pedindo o arquivamento do projetos, tornou-se um sinal de alerta.

A ala conservadora da Câmara, mesmo sem Eduardo Cunha, permanece fortalecida. E, embora o parecer seja desfavorável, teme-se pela aprovação.

Parte do movimento que exige o arquivamento do PL se mobiliza neste momento em Brasília para evitar o que seria um novo desastre na saúde pública da nação.

A polêmica sobre a criminalização da transmissão ganhou novo fôlego há pouco mais de um ano. No período em que esteve à frente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha – evangélico e declaradamente contra os homossexuais, o aborto e a prostituição – desarquivou vários projetos com recorte conservador e moralista. A transformação da transmissão intencional do HIV em crime hediondo foi um deles.

Pouca gente sabe que esta ideia de criminalização do HIV não é recente no Brasil. Desde os anos 1980, o Código Penal datado de 1940 – e que trata da transmissão de doenças – tem sido utilizado para criminalizar pessoas que supostamente teriam transmitido o HIV a outras.

Na prática, a aplicação dos artigos deste Código Penal tem favorecido à violação dos direitos humanos das pessoas que vivem com HIV.

Muito pouco se tem dito sobre a falácia das políticas de criminalização em outros países. As experiências internacionais de criminalização da transmissão do HIV mostram que este tipo de legislação criminal tem efeito negativo e drástico para a saúde pública e, sobretudo, para a prevenção.

Há inúmeros relatórios internacionais que já comprovaram que ampliar o acesso à medidas de prevenção são mais eficazes para a saúde pública do que leis criminais.

Em geral, enquanto a atenção da sociedade se volta para um indivíduo ou grupo específico supostamente “culpado” por uma transmissão do HIV, a epidemia cresce por falta de prevenção ou porque não há acesso igualitário ao tratamento.

Argumentos moralistas também afetam negativamente a construção da resposta para a epidemia de HIV e AIDS. Seja qual for a prática sexual, desde que consensual, é para ser respeitada. Ignorar isso é incentivar o pânico moral e leis que criminalizam, sem nenhum efeito benéfico para a boa saúde da população.

Richard Parker é diretor-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA)

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