Sociedade

A praga da liderança Prozac

Contra as receitas de sucesso e a autoajuda, o colunista recomenda a irônica e sensível “arte do pensamento negativo”

Apoie Siga-nos no

Do inevitável Bergman ao movimento Dogma 95, e além… O cinema escandinavo sempre ofereceu alternativas aos interessados em fugir do entediante escapismo hollywoodiano. A Arte do Pensamento Negativo é uma comédia de humor negro norueguesa, realizada em 2006. O filme, escrito e dirigido por Bård Breien, foi apresentado na 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2010. A história gira em torno de Geirr, um homem de 33 anos que ficou paraplégico após um acidente de automóvel. O protagonista vive em uma casa de campo, na companhia de sua bela e dedicada esposa, Ingvild. Passa o tempo bebendo, fumando maconha e assistindo a filmes sobre a Guerra do Vietnã.

Preocupada com o marido, Ingvild o inscreve em um grupo de autoajuda, formado por pessoas com diferentes deficiências. O grupo é liderado por Tori, uma entusiasta da autoajuda. Ela, que não tem nenhuma deficiência, proíbe os membros do grupo de dizer qualquer coisa negativa sobre seus problemas e os estimula com clichês e frases de efeito. “Focar em nossas fraquezas nos apequena, mas, se focarmos em nosso potencial, nós podemos nos tornar gigantes”, proclama Tori em uma reunião para deleite do grupo.

O choque entre Tori e Geirr é inevitável. Tori tenta estimular Geirr a pensar positivamente e “concentrar-se nas soluções, não nos problemas”. Geirr, iconoclasta e irreverente, rebela-se contra a visão idílica de Tori e, de crise em crise, conquista o grupo para sua visão crítica e niilista da realidade. Aos poucos, o faz de conta induzido por Tori perde força, os membros do grupo vão se abrindo para seus próprios problemas e encontram algum consolo na honestidade e na solidariedade que começam a surgir.

O filme norueguês trata cinicamente da “cultura de autoajuda”, praga contemporânea que cruzou fronteiras nas últimas décadas e avança sobre os mais diversos domínios da sociedade, da Escandinávia aos trópicos. Sintomaticamente, a mídia popular brasileira está hoje impregnada pela lógica e pelo discurso da autoajuda. Em muitos países, a autoajuda se transformou em uma indústria milionária: palestras, livros, revistas, vídeos, treinamento, consultoria etc.

O mundo corporativo foi domínio no qual a autoajuda encontrou terreno propício, com as portas escancaradas pelas deslumbradas áreas de recursos humanos. Nas empresas, o culto do pensamento positivo fomenta o otimismo, encoraja o estabelecimento de metas ambiciosas e celebra o sucesso. Contudo, sob os efeitos especiais de powerpoints apresentados em reuniões, as metas são manipuladas, o sucesso tem pés de barro.

David Collinson, professor da Escola de Negócios da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, publicou recentemente um texto no jornal britânico Financial Times, com o sugestivo título “O lado negativo da liderança positiva”. Segundo Collinson, no coração da crise em muitas nações ocidentais, encontra-se uma abordagem específica de liderança, da qual foi extirpado o pensamento crítico em favor do pensamento positivo e da propensão ao risco. O autor denomina o fenômeno de “liderança Prozac”, mal que afeta a sociedade e as empresas e causa vício em uma positividade excessiva e artificial.

Os líderes Prozac fazem discursos delirantes, acreditam em suas próprias palavras e desencorajam visões alternativas e críticas. Alguns são carismáticos e nutrem fiéis seguidores: eles ignoram problemas e tornam suas organizações menos preparadas para enfrentar crises. Quando encontram terreno propício, criam uma “cultura positiva”, que pune ou aliena funcionários não praticantes.

Candidatos a líderes Prozac são fáceis de identificar. Eles aguardam ansiosamente as palestras promovidas pela HSM, empresa especializada em eventos de autoajuda empresarial, e discutem avidamente as pérolas ouvidas dos “grandes nomes do management”. Circulam entusiasticamente vídeos das conferências TED (Technology, Entertainment and Design), cujo grande objetivo parece ser atrair cientistas e pensadores, misturá-los com caçadores de novidades e transformar todos em celebridades de auditório.

Collinson observa que o pensamento positivo, base da liderança Prozac, pode ter certo poder de transformação, facilitando inovações e processos de mudança. Porém, o otimismo excessivo pode estimular o cinismo, erodir a confiança e provocar o afastamento da realidade. Mais sábio seria combinar doses adequadas de pensamento positivo e pensamento crítico, de forma a enfrentar realidades complexas. O ilusionismo, bem sabemos, é competência essencial nas organizações, públicas e privadas, grandes e pequenas. Porém, convém não exagerar.

Últimos artigos de Thomaz Wood Jr.:

Do inevitável Bergman ao movimento Dogma 95, e além… O cinema escandinavo sempre ofereceu alternativas aos interessados em fugir do entediante escapismo hollywoodiano. A Arte do Pensamento Negativo é uma comédia de humor negro norueguesa, realizada em 2006. O filme, escrito e dirigido por Bård Breien, foi apresentado na 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2010. A história gira em torno de Geirr, um homem de 33 anos que ficou paraplégico após um acidente de automóvel. O protagonista vive em uma casa de campo, na companhia de sua bela e dedicada esposa, Ingvild. Passa o tempo bebendo, fumando maconha e assistindo a filmes sobre a Guerra do Vietnã.

Preocupada com o marido, Ingvild o inscreve em um grupo de autoajuda, formado por pessoas com diferentes deficiências. O grupo é liderado por Tori, uma entusiasta da autoajuda. Ela, que não tem nenhuma deficiência, proíbe os membros do grupo de dizer qualquer coisa negativa sobre seus problemas e os estimula com clichês e frases de efeito. “Focar em nossas fraquezas nos apequena, mas, se focarmos em nosso potencial, nós podemos nos tornar gigantes”, proclama Tori em uma reunião para deleite do grupo.

O choque entre Tori e Geirr é inevitável. Tori tenta estimular Geirr a pensar positivamente e “concentrar-se nas soluções, não nos problemas”. Geirr, iconoclasta e irreverente, rebela-se contra a visão idílica de Tori e, de crise em crise, conquista o grupo para sua visão crítica e niilista da realidade. Aos poucos, o faz de conta induzido por Tori perde força, os membros do grupo vão se abrindo para seus próprios problemas e encontram algum consolo na honestidade e na solidariedade que começam a surgir.

O filme norueguês trata cinicamente da “cultura de autoajuda”, praga contemporânea que cruzou fronteiras nas últimas décadas e avança sobre os mais diversos domínios da sociedade, da Escandinávia aos trópicos. Sintomaticamente, a mídia popular brasileira está hoje impregnada pela lógica e pelo discurso da autoajuda. Em muitos países, a autoajuda se transformou em uma indústria milionária: palestras, livros, revistas, vídeos, treinamento, consultoria etc.

O mundo corporativo foi domínio no qual a autoajuda encontrou terreno propício, com as portas escancaradas pelas deslumbradas áreas de recursos humanos. Nas empresas, o culto do pensamento positivo fomenta o otimismo, encoraja o estabelecimento de metas ambiciosas e celebra o sucesso. Contudo, sob os efeitos especiais de powerpoints apresentados em reuniões, as metas são manipuladas, o sucesso tem pés de barro.

David Collinson, professor da Escola de Negócios da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, publicou recentemente um texto no jornal britânico Financial Times, com o sugestivo título “O lado negativo da liderança positiva”. Segundo Collinson, no coração da crise em muitas nações ocidentais, encontra-se uma abordagem específica de liderança, da qual foi extirpado o pensamento crítico em favor do pensamento positivo e da propensão ao risco. O autor denomina o fenômeno de “liderança Prozac”, mal que afeta a sociedade e as empresas e causa vício em uma positividade excessiva e artificial.

Os líderes Prozac fazem discursos delirantes, acreditam em suas próprias palavras e desencorajam visões alternativas e críticas. Alguns são carismáticos e nutrem fiéis seguidores: eles ignoram problemas e tornam suas organizações menos preparadas para enfrentar crises. Quando encontram terreno propício, criam uma “cultura positiva”, que pune ou aliena funcionários não praticantes.

Candidatos a líderes Prozac são fáceis de identificar. Eles aguardam ansiosamente as palestras promovidas pela HSM, empresa especializada em eventos de autoajuda empresarial, e discutem avidamente as pérolas ouvidas dos “grandes nomes do management”. Circulam entusiasticamente vídeos das conferências TED (Technology, Entertainment and Design), cujo grande objetivo parece ser atrair cientistas e pensadores, misturá-los com caçadores de novidades e transformar todos em celebridades de auditório.

Collinson observa que o pensamento positivo, base da liderança Prozac, pode ter certo poder de transformação, facilitando inovações e processos de mudança. Porém, o otimismo excessivo pode estimular o cinismo, erodir a confiança e provocar o afastamento da realidade. Mais sábio seria combinar doses adequadas de pensamento positivo e pensamento crítico, de forma a enfrentar realidades complexas. O ilusionismo, bem sabemos, é competência essencial nas organizações, públicas e privadas, grandes e pequenas. Porém, convém não exagerar.

Últimos artigos de Thomaz Wood Jr.:

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.