Sociedade

A invisível realidade do tráfico de pessoas

O crime é a forma moderna da escravidão, embora não observada por boa parte da sociedade. Por Fernanda Alves dos Anjos

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Por Fernanda Alves dos Anjos*

O tráfico de pessoas é considerado uma das mais graves violações dos direitos humanos neste século e deve ser compreendido como um fenômeno social complexo, altamente violador e que envolve, em muitos casos, a privação de liberdade, a exploração, o uso da violência. Hoje, este fenômeno representa um tema de grande importância para o Brasil, pela sua incidência dentro do país e entre os seus nacionais vivendo no exterior.

As pessoas são exploradas em atividades sexuais, mas também para o trabalho escravo, em contextos urbanos e rurais; na extração de órgãos; em casamentos servis entre outras formas de exploração e sacrifício. O tráfico de pessoas é a forma moderna da escravidão, ainda invisível a boa parte da sociedade.

É importante refletir sobre as causas ou principais fatores de vulnerabilidade que propiciam a ambiência para que o tráfico de pessoas possa se perpetuar. Em geral, esses fatores não estão ligados única e exclusivamente a questões econômicas e sociais.

É claro que estas condições e fatores como a pobreza, a busca por melhores oportunidades de trabalho, necessidade de sustentar a família, motivos ambientais (secas ou inundações) estão entre as motivações que levam a pessoas a cair em falsas promessas que se revelam em situações de exploração posterior. Mas as motivações podem ser mais complexas como, por exemplo, o desejo de conhecer novas culturas, o desejo de transformar o corpo, o casamento com um estrangeiro, ou a necessidade de sair de uma condição de violação de direitos (violência doméstica, abuso sexual intrafamiliar, homofobia). Assim, o tráfico se aproveita daquilo que é o bem mais precioso do ser humano  – a capacidade de sonhar, de querer mais, de ir mais longe. Ele entra exatamente nos espaços onde os sonhos ainda são negados, onde restam poucas ou nenhuma alternativa, com uma promessa que parece aceitável.

Contudo, fatores culturais e políticos também reforçam esta ambiência para a ocorrência do crime, como: demanda por serviços sexuais; aspectos culturais como a desigualdade e iniqüidades de gênero e raça, geracionais, a cultura patriarcal e a homofóbica; políticas migratórias restritivas que criam barreiras à migração regular; modelos de desenvolvimento econômico como fatores de expulsão e atração de pessoas e serviços; a corrupção e conivência de funcionários públicos; e deficiências de respostas estatais no enfrentamento a este crime entre outros.

Culpar, portanto, as vítimas por sua própria sorte ou considerar que as causas do tráfico de pessoas são absolutamente pessoais significa desconsiderar que dinâmicas como estas, de formas distintas, estão presentes em cada país e reforçam o cenário para que o tráfico de pessoas possa se expandir.

A pena do crime de tráfico de pessoas (pena de reclusão, de três a oito anos) é menor do que as penas impostas ao crime do tráfico internacional de armas e de drogas. E, por mais que o tipo penal “tráfico de pessoas” tenha passado por diversas alterações legislativas, ainda permanece insuficiente para contemplar as características do fenômeno e todas as suas formas de exploração. Ainda convivemos com a distância entre o que compreende o tráfico de pessoas e a perspectiva criminal que o caracteriza.

Vale ressaltar que no caso brasileiro, as respostas públicas a este fenômeno estão se estruturando há mais de uma década. Ratificamos o Protoloco de Palermo, que é a diretriz internacional para o tema, contamos com uma Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas que é indutora de ações de prevenção, repressão ao crime e atenção e proteção às vítimas. Estamos sob a égide de um segundo plano nacional que envolve 17 Ministérios na implementação de 115 metas até 2016. E a cooperação com Estados e Municípios, organismos internacionais, ministério público e os poderes judiciário e legislativo, e a necessária articulação e permanente diálogo com a sociedade civil reforçam a característica democrática e integrada da atuação brasileira no enfrentamento a este crime. O alerta e a sensibilização da sociedade sobre a existência deste fenômeno são importantes para desmistificar que a sua ocorrência não está tão longe assim da nossa realidade.

E com a adesão à Campanha do Coração Azul da ONU, lançada no último dia 09 de maio pelo Ministério da Justiça e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes – UNODC, o Brasil se alia a um esforço global e se compromete a disponibilizar meios de divulgação e mobilização para a luta contra o tráfico de pessoas.

O envolvimento de distintos atores governamentais e não governamentais, de setores da mídia, aumenta a visibilidade e começa a provocar a desejada indignação para que a sociedade brasileira não aceite que seus cidadãos sejam vendidos como mercadoria e tampouco que cidadãos estrangeiros vivam em nosso território em condições de exploração. Liberdade não se compra. Dignidade não se vende. E com este lema o Brasil pede que a sociedade esteja atenta, saiba reconhecer o tráfico de pessoas e denuncie.

 

* Fernanda Alves dos Anjos é mestre em Direito pela UNB, Diretora do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça

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