Sociedade

Do TikTok à imprensa, a espetacularização do Caso Lázaro atrapalha o desfecho da operação

Buscas policiais pelo homem suspeito de matar uma família em Ceilândia, no Distrito Federal, completa 20 dias em meio a forte repercussão

(Polícia Civil de Goiás/Reprodução)
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As buscas policiais por Lázaro Barbosa chegam ao 19º dia, neste domingo 27, sem resultados: ele segue foragido. O homem, suspeito de matar uma família em Ceilândia, no Distrito Federal, estaria em fuga pelas proximidades do  município de Cocalzinho de Goiás, em Goiás, local onde estão concentrados os esforços de busca.

O acúmulo de dias sem respostas tem reverberado uma pergunta: como é possível um indivíduo conseguir escapar de uma força-tarefa que envolve 270 profissionais de segurança? O questionamento também motiva uma cobertura midiática questionável, e uma enorme repercussão nas redes sociais. Policiais, envolvidos diretamente ou não nas buscas por Lázaro Barbosa, estão viralizando nas redes sociais com vídeos e posts sobre o criminoso.

A reportagem de CartaCapital levou a pergunta a especialistas em segurança pública. Embora avaliem a operação sob diferentes óticas, concordam que o espetacularização influencia no insucesso da caçada ao ‘serial killer’ de Brasília.

“Operação mostra a falência da segurança pública brasileira”

Na análise do professor da FGV-EAESP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani, a operação evidencia “a falência da segurança pública brasileira”. “Ao que tudo indica, falta organização, planejamento da atuação para estruturar algo, de fato, inteligente e articulado”, pontua. Esses problemas, reforça ele, não têm relação direta com a quantidade de policiais envolvidos na operação. “Força sem cérebro não é nada, força sem inteligência não é nada.”

O ideal, segundo Alcadipani, é que as forças policiais envolvidas no esquema atuassem articuladas para chegar ao objetivo final de efetuar a prisão do criminoso. O que até agora, reforça, não ocorreu. A operação conta com a participação de policiais civis e militares de Goiás e do Distrito Federal, além da Polícia Rodoviária Federal. Conta ainda com o apoio de bombeiros e cães farejadores.

“Estamos falando de quase 300 policiais, centenas de viaturas, helicópteros, cachorros, é um custo gigantesco. Claro que as vidas perdidas não têm preço e é preciso capturar o criminoso mas, à medida que o tempo passa e isso não se efetiva, a ação acaba ficando muito cara”, avalia.

Créditos: Divulgação / Corpo de Bombeiros de Goiás

Pontos negligenciados

O ouvidor das polícias do Estado de São Paulo, Elizeu Soares Lopes, faz uma avaliação mais ponderada. “Vejo muitas pessoas hostilizando a Polícia do estado de Goiás. Eu teria um pouco mais de cuidado e zelo.” Uma operação como aquela, pontua, é bastante complexa. “Às vezes você tem pessoas que ficam foragidas anos, e cometem mais barbaridades do que o Lázaro e não só no Brasil. Só quem está dirigindo a operação sabe dos elementos mais concretos dela, e eles têm que ser preservados mesmo em nome do sucesso da ação.”

Houve, entretanto, certa negligência em relação a alguns processos técnicos. “A Polícia não buscou de imediato o apoio de pessoas que conhecem o local”, pontua. “É importante contar com pessoas que têm esse reconhecimento do território, sem perder de vista os protocolos da operação.” Para o ouvidor, também seria fundamental delimitar as áreas de busca. “É o mais eficiente. A partir da delimitação territorial é possível, por exemplo, mapear as torres de sinal de celular, estudar possíveis contatos do criminoso e prever possíveis locais em que ele desemboque.”

Na opinião de Elizeu Lopes, o excesso de homens destacados para a operação pode, atrapalhar o seu curso — até mesmo confundir os cachorros que atuam em conjunto, prejudicando a percepção do faro dos animais. Ele defende ainda defende o uso de drones ao invés de helicópteros, em regiões delimitadas, mais eficientes em situações de fuga.

A participação de um caçador e o perigo do justiçamento

Ao longo dos dias, a operação de buscas a Lázaro chegou a contar com a participação de um caçador da região, conhecido como Babaçu, que teria pedido armamento, roupas camufladas do Exército e dinheiro para participar da ação. Segundo a imprensa, o homem teria desistido de apoiar os policiais no último dia 23 de junho.

Alcadipani é critica fortemente a ideia, por entender que abre margem para a lógica do justiçamento. “O estado não consegue fazer a entrega que deveria e vai para essa lógica da justiça com as próprias mãos, de uma demonstração de força, sem resultados efetivos. Isso é uma coisa bastante peculiar da segurança pública brasileira, que não trata o assunto de forma profissional”, critica o especialista, que também vê riscos de que esse sentimento se manifeste entre a população.

Na quarta-feira 23, um homem teria sido espancado após ser confundido com Lázaro Barbosa e abandonado às margens da rodovia BR-262, em Ribas do Rio Pardo, no Mato Grosso do Sul. As informações foram divulgadas pelo jornal Primeiro Impacto, do SBT. O rapaz foi socorrido com lesões no tórax e na cabeça.

Já na avaliação de Elizeu Lopes, a participação do caçador na operação não traz um desfecho de execução. “Não importa se é um caçador, um padre, um morador, é importante contar com pessoas que tenham conhecimento local para ajudar na atividade policial, sem perder de vista os seus padrões operacionais, que envolvem uso de força moderada, letalidade só em último caso. Tudo isso tem que estar sob o comando único da operação”, considera.

O ouvidor das Polícias do estado de São Paulo defende que a comunicação é um serviço de inteligência e também uma forma de estabelecer parceria entre as polícias e a comunidade. No dia 20 de junho, a Força-Tarefa anunciou a criação de um Disque Denúncia para que os moradores encaminhem informações relevantes. O telefone é (61) 99839-5284.

Espetacularização atrapalha o andamento da operação

Para os especialistas consultados por CartaCapital a espetacularização que se fez em torno do caso trouxe novas dificuldades ao andamento da operação, e pode ter atrasado o seu desfecho.

“À medida que se espetaculariza, a população que pode contribuir para o caso, acaba ficando muito temerosa. Esse alarde só piora a sensação de pânico”, destaca Elizeu Soares Lopes, ouvidor das polícias do Estado de São Paulo. O fator, avalia, acaba sendo responsável por afastar pessoas que poderiam ser essenciais nas estratégias de buscas pelo criminoso.

“Essas pessoas moradoras e conhecedoras dos terrenos podem ser importantes para apontar onde tem grutas, regiões mais inóspitas”, explica. A participação, porém, precisa ser controlada, para que o comando da operação não se perca.

Na avaliação de Rafael Alcadipani, professor da FGV-EAESP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a espetacularização ainda cria a uma narrativa de ‘mito’ em torno do criminoso, o que também traz consequências às buscas.

“A imprensa policialesca está construindo um mito de um grande criminoso que escapa de todos. Isso deveria estar sendo tratado de forma muito mais profissional, sem disputas políticas e de forma muito mais inteligente”, destacou.

‘Vale tudo’ pelo engajamento

Policiais, envolvidos diretamente ou não nas buscas por Lázaro Barbosa, estão viralizando nas redes sociais com vídeos e posts sobre o criminoso. O caso tem sido usado para aumentar significativamente o engajamento dos perfis dos agentes nas redes. Mais um dos sintomas negativos da espetacularização em torno do caso.

No Tik Tok, uma publicação do perfil Casal Policial já foi vista mais de 9 milhões de vezes. A publicação tem 1,5 milhão de curtidas e mais de 40 mil comentários. Os números revelam um engajamento bem superior aos demais vídeos do perfil, que raramente chegam próximos a 1 milhão de visualizações e dificilmente ultrapassam as 50 mil curtidas.

O vídeo publicado tem poucos segundos e mostra o policial militar do estado do Espírito Santo, Thiago Garrocho, fardado e empunhado uma arma em meio a mata. Na legenda o PM diz: “Estamos vivendo dias difíceis, mas tenha fé, não vamos parar até encontrar o Lázaro! Obrigado pelo apoio”.

@casalpolicialA polícia não vai parar! Obrigado pelo apoio! ❤️🙏🏻♬ Take Me To Church – Hozier

A midiatização das buscas por Lázaro também avança em outras redes sociais. No Youtube, um vídeo sobre o caso publicado pelo canal Delegado da Cunha, já foi visto por mais de 2,6 milhões de pessoas. Na publicação, o delegado da Polícia Civil de São Paulo, Carlos Alberto da Cunha, opina sobre as operações em Goiás.

Novamente os números revelam um engajamento muito superior ao registrado habitualmente pelo canal, em que poucos vídeos ultrapassam a marca de 1 milhão de espectadores.

Entre as publicações do canal, as com maior alcance são as que o delegado aparece em ação, perseguindo e prendendo suspeitos pelas ruas de São Paulo. Da Cunha comunicou recentemente via redes sociais que foi afastado das operações e que seus vídeos, entre outras acusações, estão sendo investigados pela corregedoria da Polícia Civil.

Um policial integrante da equipe de buscas também usou as redes sociais para mostrar parte da operação em Goiás. O agente tirou uma selfie logo após o resgate de uma família feita de refém por Lázaro. Na publicação, as vítimas aparecem deitadas nas pedras de um rio onde foram encontradas na terça-feira 15. A foto também viralizou nas redes e foi duramente criticada por internautas.

Especialistas avaliam que a conduta de autopromoção usando os símbolos da polícia nas redes não condiz com o ofício de um policial. A ação é vedada por lei na maior parte dos estados brasileiros, podendo incorrer em crime de improbidade administrativa.

“Eu não conheço nenhuma polícia no mundo que permita que seus policiais se comportem dessa maneira”, destaca Alcadipani. “Pessoas utilizando símbolos da polícia em benefício privado. Isso é inaceitável!”, completa.

A opinião é compartilhada também por Elizeu Soares Lopes, ouvidor das polícias do Estado de São Paulo. “A roupa, a farda, a arma do policial têm que estar dentro de um propósito, de uma estratégia da ação para que ele de fato esteja empenhado. Não se pode fazer uso de instrumentos estatais para autopromoção, seja o prédio da polícia, a viatura”, explica o corregedor.

Deputada também participou de espetáculo

Não foram apenas policiais e programas de televisão que se aproveitaram do ‘grande espetáculo’ que se formou em torno do caso. No domingo 20, a deputada federal Magda Mofatto (PL-GO) usou as redes sociais para anunciar que iria capturar Lázaro.

De roupa camuflada, armada com um fuzil e a bordo de um helicóptero, a parlamentar fez um vídeo em que mostrava sua ‘contribuição’ para o caso. A publicação também viralizou nas redes.

Após a repercussão, Magda foi acusada pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), de estar ‘criticando’ e ‘debochando’ da polícia. A deputada negou e disse que seu intuito “sempre foi de apoiar” a polícia.

Operação enveredou para preconceito religioso

Ainda durante conversa com a reportagem, Elizeu Lopes condenou a suposta prática de violência policial junto a terreiros religiosos. As buscas pelo criminoso tomaram essa frente depois que foram noticiadas informações de que Lázaro praticaria rituais de magia negra e bruxaria. Líderes religiosos de Goiás têm relatado violência praticada por policiais em terreiros, como a quebra de símbolos e demais estruturas.

“Isso é um erro primário da operação, voltando à questão que a polícia tem que ter a população a seu favor. Além disso, é um preconceito religioso, que só criminaliza as religiões de matriz africana e não tem qualquer lastro com o que essas religiões preconizam”, esclarece.

“Não pode existir preconceito na atividade policial, que é de natureza científica. A operação não pode partir do elemento de que o foragido supostamente tem uma religião e então perseguir todo um grupo. Isso não determina que as demais pessoas  dessa ou daquela religião então pratiquem atividades criminosas.”

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