Sociedade

A defesa do campo não se dará com armas

Agropecuaristas, defendam-se sim, mas a ameaça vem de fora. Governo futuro, fortaleça o mercado interno e apoie a agricultura familiar

A defesa do campo não se dará com armas
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Pois bem, o golpe que resultou na deposição da legítima presidente Dilma Rousseff foi dado, está aí, e ameaça permanecer. As urnas de outubro dirão se queremos ou não o legitimar.

Como bem escreveu João Sicsú neste site de CartaCapital, “O neoliberalismo decretou o fim do caminho do meio”. Acompanho o colunista.

Aqui isso acontece na sucessão tresloucada de perda de oportunidades. Em países desenvolvidos, onde a base da pirâmide é menos miserável, o mesmo, mas em forma e conteúdo menos selvagens e mais concatenados.

Como de costume, uso a AK-47 para fulminar quem ganha com isso. Não se trata do modelo econômico capitalista apenas, noção mecanicista e parcial. Vou à superestrutura, onde aparelhos geopolíticos, culturais, religiosos, éticos, foram arrasados pelos cataclismos que vieram com a globalização sem que os percebêssemos, apropriados por grupos oportunistas ilegítimos.

Ao contrário da coluna anterior, volto do político ao agrário brasileiro, de projeto excludente e oligárquico desde a colonização. Pela violência feudal com que escravizava negros e indígenas, seguido de posse hereditária ou por grilagem de terras em latifúndios monocultores, quando não improdutivos.

Poucas vezes o Poder estabelecido deu vez à óbvia necessidade de se promover uma reforma agrária, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos e, antes, em países europeus.

Ter-se esperado chegar ao atual estágio tecnológico de produção, distribuição e comercialização para, então, discutir reforma agrária, serve apenas para arrependimento sobre as oportunidades perdidas em tempos pouco entendidos pelos responsáveis pela nossa condução.

O processo de modernização de nossos aparelhos agrários começou tardiamente, anos 1960/70, e evoluiu de forma mais acelerada sob a custódia dos governos militares, então inseridos no bojo de um modelo econômico nacional-desenvolvimentista e de substituição de importações.

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Nada contra. Até louvável, afinal, desde a redemocratização pouco se fez para oferecer aos produtores na agropecuária projetos corretos e substanciosos de infraestrutura. Partindo da ação do Estado, pouco se viu em não sendo os episódios onde o Tesouro Nacional teve de intervir para aliviar bolsos endividados.

Pelo contrário, quando agiram foi para prejudicar. As privatizações são exemplo disso. Resultaram em quase total dependência de multinacionais fabricantes de insumos e de mecanização agrícolas, com produção concentrada e preços cartelizados.

Coube ao setor agrário privado reunir conhecimento e investir para que, hoje em dia, a atividade rural chegasse ao estágio atual de bonança, ainda que desatenta às transformações no capitalismo, explícitas há duas décadas, sobretudo a países altamente dependente do comércio exterior. Para lá grãos e carnes e para cá fertilizantes químicos, moléculas tóxicas e transferência de royalties e lucros para as matrizes.

Nada mal, desde que pudéssemos equilibrar a gangorra das bolsas de Chicago e Nova York e impedir práticas comerciais longe do fair play de nossos concorrentes. Como não podemos, começa a se esvair a potencialidade obtida pelo agronegócio nas últimas três décadas.

É recente constatar os riscos que corremos com as loucuras protecionistas de Trump e sua pretensão hegemônica para os EUA. Suas vítimas não se restringem à China, mas atingem parceiros como Brasil, Canadá, União Europeia, Japão e Coreia do Sul.

Entre 2003 e 2016, lutamos por protagonismo e soberania, até decidirmos voltar a ser o Bananão, conforme a Federação de Corporações foi definida pelo escritor e jornalista Ivan Lessa (1935-2012).

Sendo esse o quadro, ao impedir o desenvolvimento do mercado interno à cause de um ajuste fiscal manquitola, o neoliberalismo dá um golpe mortal nos setores produtivos da economia e, por extensão, no agrário e trabalhadores brasileiros.

Você tem onde morar? Não, é por isso que moro na areia ou prédio incendiado. Lembraram-se da canção? Segundo a FGV e a Pnad, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE), temos um déficit de 7,7 milhões de moradias. A taxa de crescimento é positiva, mesmo assim enganosa pelo que vejo em Andanças Capitais. E a precariedade? Somente entre os paulistanos atinge 30% da população. Contentes, rentistas? Esperam não serem assaltados ou pior?

É quando entendo certo candidato presidencial que quer vê-los armados para proteção. Será como abrir-lhes as portas do céu, se bonzinhos foram em vida.

Agropecuaristas, defendam-se sim, mas a ameaça vem de fora e não serão essas as armas que deverão usar. Governo futuro, fortaleça o mercado interno e apoie a agricultura familiar.

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