Sociedade

A cronologia da crise

Episódios registrados a partir de 2002 mostram a escalada autoritária na USP, diz Jorge Luiz Souto Maior, professor livre docente da Faculdade de Direito

Força Tática em frente a reitoria para cumprir o mandado de reintegração de posse, em novembro de 2011. Foto: Milton Jung/Flickr
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Neste trecho da entrevista (clique para ler a primeira parte), o juiz Jorge Luiz Souto Maior, professor livre docente da Faculdade de Direito da USP, mostra que a tensão observada hoje na maior universidade do País não é recente, mas sim um acumulado de conflitos entre a reitoria e a comunidade acadêmica ao longo dos anos.

“Olhando mais atentamente para a história recente da universidade, desde 2002 os movimentos políticos na USP se intensificaram”, diz o professor.

Confira abaixo a cronologia da crise, feita pelo professor a pedido da reportagem:


 

2002 (Greve de estudantes da FFLCH, para contratação de professores. Resultado: contratação de 92 professores e a adoção do “gatilho” automático);

2004 (Greve de servidores e professores das três universidades, USP, Unesp e Unicamp, pleiteando reajuste salarial de 16%. Resultado: reajuste de 6%);

2005 (Greve política contra a situação nacional, ditada pelo escândalo do mensalão. A greve, que foi deflagrada por estudantes, professores e servidores das três universidades, opunha-se também ao ato do governador Geraldo Alckmin, que vetou o aumento de verbas para as universidades. Resultado: greve derrotada e o veto do governador mantido. No mesmo ano, há uma greve de trabalhadores terceirizados, que recebe o apoio do Sindicato dos Servidores da Universidade, o Sintusp);

2006 (Ofensiva da reitoria sobre os espaços estudantis, inviabilizando a autonomia financeira das entidades);

2007 (Ocupação da reitoria por estudantes em ato político de oposição a decretos do governador José Serra, que diminuíam a autonomia das universidades, submetendo-as à Secretaria do Ensino Superior, criada em um dos decretos. O exemplo de luta é seguido em outras regiões e ao todo 24 reitorias em diversas universidades são ocupadas em atos políticos contra a reforma universitária do governo Lula e em acusações de escândalos envolvendo reitores. A reitoria, sob a pressão do Choque da Polícia Militar, foi desocupada. Mas como resultado do movimento o governador Serra altera parcialmente a redação dos decretos, mantendo a autonomia universitária);

2008 (Instauração de vários processos administrativos contra estudantes que participaram da ocupação de 2007. Demissão por justa causa, sem interposição de processo judicial, como determina a lei, do sindicalista Claudionor Brandão, sendo que a principal acusação para tanto fora o fato de ter o sindicalista apoiado, seguindo deliberação da assembleia do sindicado, a greve dos terceirizados em 2005);

2009 (O antigo espaço onde se localizava o “Centro de Vivência” da entidade estudantil, o DCE, que foi retirado da posse dos estudantes sob o argumento da necessidade de uma reforma, é reaberto como espaço da reitoria. Alunos, após assembleia, resolvem ocupar o local.

Um mês depois, em maio de 2009, servidores entram em greve por reajuste salarial e pela readmissão do Brandão. Em ato de solidariedade, estudantes da Unesp em Marília e Rio Claro ocupam as respectivas reitorias. A então reitora, Suely Vilela, com base em parecer elaborado pelo sr. Grandino Rodas, na qualidade de presidente da Comissão de Legislação e Recursos, e seguindo o exemplo dado por este com a intervenção na Faculdade de Direito, aciona em 1º. de junho a Força Tática da PM para “desobstruir a entrada da reitoria que se encontrava bloqueada funcionários da USP em greve”. A PM volta a entrar no campus trinta anos depois da última vez – que foi em 1968, junto com o Exército, para a desocupação do Crusp.

No dia 05 de junho, professores entram em greve contra a presença da PM e por reajuste salarial. No mesmo dia, os estudantes também entram em greve contra a presença da PM e contra a implementação do Ensino à Distância – Univesp. No dia 9 de junho, ato de estudantes e servidores termina em confronto com a Polícia Militar. Manifestantes são perseguidos até o prédio da Geografia/História. A PM atira bombas e gás de pimenta. Alguns estudantes e servidores são presos. Resultado da greve de servidores e professores: reajuste salarial e adiamento do projeto de Ensino à Distância.

No mesmo ano, em novembro, o governador José Serra nomeia o sr. Grandino Rodas para reitor, mesmo que este figurasse em segundo lugar na lista votada no âmbito da universidade, com apenas 104 votos, 57 a menos que o primeiro colocado, o professor Glaucius Oliva, diretor do Instituto de Física de São Carlos;

2010 (Rodas toma posse, em janeiro). A chegada do sr. Grandino Rodas à reitoria se dá, portanto, dentro de um contexto já repressivo aos movimentos políticos instaurados na universidade, contrários à precarização dos direitos dos trabalhadores, à diminuição da autonomia universitária, à redução do orçamento destinado à Universidade e à privatização do ensino público.

É possível perceber que a nomeação não se deu pela consideração de seus méritos acadêmicos e administrativos, mas para intensificar a repressão. Se considerarmos a vontade expressa pelos eleitores da lista tríplice, o sr. Grandino Rodas, que não tinha maiores ligações com projetos institucionais da universidade, aparece mesmo como uma espécie de interventor para desenvolver a vontade política do governo tucano.

Já na posse do sr. Grandino Rodas, três estudantes são presos em manifestação de contrariedade à posse.

Em entrevista concedida à Rádio Bandeirantes, o reitor então explicita seus propósitos ao comparar a Universidade de São Paulo com os “morros do Rio de Janeiro”.

Em março de 2010, em razão da ausência de moradias, estudantes resolvem retomar um bloco, o “g”, do prédio das moradias, que foi tomada pelo Coseas e onde havia também uma sala cedida ao Banco Santander.

Na sequência, é implementada uma política salarial que quebra a isonomia entre servidores e professores, que foi uma conquista histórica dos servidores instituída desde 1991.

Servidores entram em greve, em maio de 2010, visando o recebimento do reajuste de 6% concedido aos professores. A reitoria, contrariando todo o histórico das relações de trabalho na universidade, determina o corte de salário dos servidores em greve. Contra essa medida, os servidores ocupam a reitoria em junho de 2010, onde permanecem cerca de um mês.

Em 27 de maio, a Congregação da Faculdade de Direito aprova um parecer no sentido da consideração da greve como direito fundamental e contra o desconto dos salários dos servidores. Com a promessa do pagamento dos salários, a reitoria é desocupada.

Em novembro de 2010, quando já não se falava mais da ocupação de 2007, a reitoria resolve abrir processos administrativos contra alunos que participaram do ato, prevendo, direto, sem qualquer moderação, a punição máxima de desligamento de 20 estudantes.

No final de 2010/início de 2011, a reitoria, de forma sumária, ou seja, sem qualquer procedimento prévio ou mesmo comunicação aos diretores das respectivas unidades, promove a dispensa de 271 servidores aposentados, que tomam ciência da situação por acaso, ao acessarem o site da Universidade, na área restrita relativa a cada um deles.

A dispensa de 271 servidores, sob o argumento falacioso, de que se tratava de servidores aposentados foi no fundo uma forma de amedrontar os servidores, dificultando-lhes a organização para a luta e mesmo pondo sob pressão vários servidores integrados ao Sintusp já em vias de aposentadoria. Não há argumento jurídico a sustentar a decisão da administração, pois a aposentadoria por tempo de contribuição – que é do que estamos falando – não é causa extintiva das relações de emprego regidas pela CLT, conforme já definido pelo Supremo Tribunal Federal. E mesmo que houvesse alguma sustentação jurídica para tanto deveria haver também uma motivação ao menos econômica. Como se sabe, a universidade está gastando fundos enormes em construções e não está passando por nenhuma dificuldade econômica.

Os servidores dispensados, ademais, não tinham problemas no que tange à execução de suas tarefas. Muito pelo contrário, eram em geral servidores essenciais à dinâmica da universidade. A atitude da administração foi uma gravíssima agressão à condição humana dessas pessoas, uma afronta ao Estado Democrático de Direito e um desrespeito a toda a comunidade uspiana. O fato gerou, inclusive, uma moção de solidariedade da Congregação da Faculdade de Direito com relação aos três servidores aposentados da unidade que foram, injustamente, atingidos pela medida da reitoria e pediu, expressamente, a sua reintegração.

Abril de 2011. Eclode greve dos trabalhadores terceirizados que perderam seus postos e não receberam sequer as verbas rescisórias a que tinham direito. Os terceirizados recebem apoio de parte da comunidade uspiana (estudantes, professores e servidores). O movimento ganha repercussão nacional.

Dentro desse contexto, após o trágico assassinato de um aluno durante um assalto, ocorrido em maio de 2011, sob o argumento de trazer maior segurança ao campus, é que em 8 de setembro de 2011 a reitoria assina um convênio com a Polícia Militar. O convênio prevê em sua cláusula terceira a atribuição da USP de “proporcionar – à PM – por Intermédio da Divisão de Operações e Vigilância (Guarda Universitária), apoio de informações e bases de dados”, além da obrigação da Polícia Militar de fornecer “relatórios periódicos” de sua atuação no âmbito da universidade, o que, por certo, demonstra o caráter de vigilância política do convênio.

E, concretamente, após institucionalizado o convênio, a Polícia Militar passa a atuar de forma ostensiva na universidade, mediante abordagens aleatórias de estudantes e sobretudo de estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Com isso, acaba se desenvolvendo um clima de conflito entre estudantes e policiais militares até que, em 27 de outubro de 2011, a PM tenta levar presos três estudantes da FFLCH pelo porte de maconha e se instaura um enfrentamento direto entre estudantes e policiais.

Sem uma interferência da administração da faculdade em favor dos estudantes, estes resolvem no mesmo dia ocupar o prédio da diretoria da FFLCH.

A ocupação dura até 1° de novembro e termina após negociação com a Diretoria da unidade.

No mesmo ato de deliberação acerca do fim da ocupação decide-se pela ocupação da reitoria, para levar adiante a reivindicação acerca da revogação do convênio firmado com a Polícia Militar.

A ocupação se deu em 1º de novembro e já em 8 de novembro toda Força Tática da Polícia Militar, com 400 homens, dois helicópteros e cachorros, cumpre ordem judicial de desocupação da reitoria, retirando do local 73 estudantes, os quais na sequência são conduzidos às delegacias de Polícia para abertura de inquéritos.

O contexto da chegada do sr. Grandino Rodas ao poder na universidade explica, por si, essa preocupação do governo do estado em cumprir com a maior eficiência e celeridade possíveis a ordem judicial, logo um governo que, ao longo de anos, não tem cumprido várias decisões judiciais acerca do pagamento de precatórios, nos quais estão consignados inclusive direitos sociais.

Em suma, o que se viu na manhã do dia 8 de novembro de 2011 não foi o mero cumprimento de uma ordem judicial direcionada a marginais que estavam ocupando um prédio público para fins ilícitos. O que se viu foi o cume de um processo de repressão contra as manifestações políticas no âmbito da universidade, manifestações estas contrárias à instauração de uma lógica de mercado nos cursos e pesquisas da entidade. Vale lembrar que alguns cursos, como o de Obstetrícia da EACH – USP-leste – chegaram a ser ameaçados de fechamento em razão de baixa demanda e por dificuldades de inserção no mercado.

O efeito da ação truculenta da Polícia Militar foi o de que no mesmo dia, à noite, uma assembleia de alunos com 3.000 participantes deliberou pela deflagração de uma greve e dois dias depois, em 10 de novembro, 5.000 estudantes fizeram uma passeata no centro de São Paulo pedindo o fim do convênio e a retirada dos processos administrativos contra estudantes e servidores. Realiza-se na sequência uma assembleia na Faculdade de Direito, deliberando-se pela continuidade da greve.

Mas, em 18 de novembro, a reitoria não só deixa de rever o convênio como o intensifica, com a instalação de uma base-móvel da Polícia Militar no Campus.

A greve dos estudantes não consegue, no entanto, adesão de servidores e professores. Estes, em razão do aumento salarial, e aqueles, em razão do recebimento de um “abono” (extensivo também aos professores) de 3.500 reais anunciado em 13 de dezembro veem-se desmotivados para a ação, ainda mais porque o abono fora concedido sob o oportuno fundamento de não ter havido qualquer tipo de “paralisação” do trabalho no curso daquele ano.

Alguns processos administrativos instaurados contra estudantes da Moradia Retomada correm rapidamente e, em 18 de dezembro, conclui-se pela eliminação (expulsão) de oito estudantes, servindo como base o disposto no Decreto n. 52.906, de 1972.

Em janeiro de 2012, um policial militar agride um estudante no DCE. O fato ganha repercussão nacional e até internacional.

Ainda em janeiro de 2012, a sede do Sintusp é alvo de um atentado, que chegou ao cúmulo da abertura criminosa das torneiras de gás do fogão, pondo em risco a vida das pessoas qu, pela manhã chegaram para trabalhar no local. Nenhuma atitude para apuração do ocorrido foi tomada pela reitoria.

No domingo de Carnaval, nova ação policial na universidade, determinada por decisão judicial, promove a desocupação da Moradia Retomada. E mais uma vez estudantes são conduzidos, manu militari, às delegacias de polícia, para instauração de inquéritos.

Março/abril de 2012, estudantes e servidores começam a receber intimações para prestar depoimentos em processos disciplinares.

E, finalmente, como forma de demonstração de que o processo de militarização pretendido pela Reitoria não será revertido, em março de 2012 o reitor nomeia para atuar na Superintendência de Segurança da Reitoria três ex-coronéis da Polícia.

É possível perceber, portanto, uma escalada repressiva que encontra no atual reitor a sua plenitude. Todavia, os problemas de democracia na universidade transcendem a figura do reitor, sendo certo que a estrutura administrativa da universidade como um todo é recheada de deficiências nesta área. Há uma organização quase estamental em que professores titulares possuem maior fruição de representação que os demais professores. A escolha da lista tríplice para reitor é feita por corpo muito restrito da universidade e a nomeação ainda se submete à vontade do governador. É um modelo, portanto, que favorece a uma concentração de poderes e a impotência daqueles que são afastados das estruturas deliberativas.

 

 

Neste trecho da entrevista (clique para ler a primeira parte), o juiz Jorge Luiz Souto Maior, professor livre docente da Faculdade de Direito da USP, mostra que a tensão observada hoje na maior universidade do País não é recente, mas sim um acumulado de conflitos entre a reitoria e a comunidade acadêmica ao longo dos anos.

“Olhando mais atentamente para a história recente da universidade, desde 2002 os movimentos políticos na USP se intensificaram”, diz o professor.

Confira abaixo a cronologia da crise, feita pelo professor a pedido da reportagem:


 

2002 (Greve de estudantes da FFLCH, para contratação de professores. Resultado: contratação de 92 professores e a adoção do “gatilho” automático);

2004 (Greve de servidores e professores das três universidades, USP, Unesp e Unicamp, pleiteando reajuste salarial de 16%. Resultado: reajuste de 6%);

2005 (Greve política contra a situação nacional, ditada pelo escândalo do mensalão. A greve, que foi deflagrada por estudantes, professores e servidores das três universidades, opunha-se também ao ato do governador Geraldo Alckmin, que vetou o aumento de verbas para as universidades. Resultado: greve derrotada e o veto do governador mantido. No mesmo ano, há uma greve de trabalhadores terceirizados, que recebe o apoio do Sindicato dos Servidores da Universidade, o Sintusp);

2006 (Ofensiva da reitoria sobre os espaços estudantis, inviabilizando a autonomia financeira das entidades);

2007 (Ocupação da reitoria por estudantes em ato político de oposição a decretos do governador José Serra, que diminuíam a autonomia das universidades, submetendo-as à Secretaria do Ensino Superior, criada em um dos decretos. O exemplo de luta é seguido em outras regiões e ao todo 24 reitorias em diversas universidades são ocupadas em atos políticos contra a reforma universitária do governo Lula e em acusações de escândalos envolvendo reitores. A reitoria, sob a pressão do Choque da Polícia Militar, foi desocupada. Mas como resultado do movimento o governador Serra altera parcialmente a redação dos decretos, mantendo a autonomia universitária);

2008 (Instauração de vários processos administrativos contra estudantes que participaram da ocupação de 2007. Demissão por justa causa, sem interposição de processo judicial, como determina a lei, do sindicalista Claudionor Brandão, sendo que a principal acusação para tanto fora o fato de ter o sindicalista apoiado, seguindo deliberação da assembleia do sindicado, a greve dos terceirizados em 2005);

2009 (O antigo espaço onde se localizava o “Centro de Vivência” da entidade estudantil, o DCE, que foi retirado da posse dos estudantes sob o argumento da necessidade de uma reforma, é reaberto como espaço da reitoria. Alunos, após assembleia, resolvem ocupar o local.

Um mês depois, em maio de 2009, servidores entram em greve por reajuste salarial e pela readmissão do Brandão. Em ato de solidariedade, estudantes da Unesp em Marília e Rio Claro ocupam as respectivas reitorias. A então reitora, Suely Vilela, com base em parecer elaborado pelo sr. Grandino Rodas, na qualidade de presidente da Comissão de Legislação e Recursos, e seguindo o exemplo dado por este com a intervenção na Faculdade de Direito, aciona em 1º. de junho a Força Tática da PM para “desobstruir a entrada da reitoria que se encontrava bloqueada funcionários da USP em greve”. A PM volta a entrar no campus trinta anos depois da última vez – que foi em 1968, junto com o Exército, para a desocupação do Crusp.

No dia 05 de junho, professores entram em greve contra a presença da PM e por reajuste salarial. No mesmo dia, os estudantes também entram em greve contra a presença da PM e contra a implementação do Ensino à Distância – Univesp. No dia 9 de junho, ato de estudantes e servidores termina em confronto com a Polícia Militar. Manifestantes são perseguidos até o prédio da Geografia/História. A PM atira bombas e gás de pimenta. Alguns estudantes e servidores são presos. Resultado da greve de servidores e professores: reajuste salarial e adiamento do projeto de Ensino à Distância.

No mesmo ano, em novembro, o governador José Serra nomeia o sr. Grandino Rodas para reitor, mesmo que este figurasse em segundo lugar na lista votada no âmbito da universidade, com apenas 104 votos, 57 a menos que o primeiro colocado, o professor Glaucius Oliva, diretor do Instituto de Física de São Carlos;

2010 (Rodas toma posse, em janeiro). A chegada do sr. Grandino Rodas à reitoria se dá, portanto, dentro de um contexto já repressivo aos movimentos políticos instaurados na universidade, contrários à precarização dos direitos dos trabalhadores, à diminuição da autonomia universitária, à redução do orçamento destinado à Universidade e à privatização do ensino público.

É possível perceber que a nomeação não se deu pela consideração de seus méritos acadêmicos e administrativos, mas para intensificar a repressão. Se considerarmos a vontade expressa pelos eleitores da lista tríplice, o sr. Grandino Rodas, que não tinha maiores ligações com projetos institucionais da universidade, aparece mesmo como uma espécie de interventor para desenvolver a vontade política do governo tucano.

Já na posse do sr. Grandino Rodas, três estudantes são presos em manifestação de contrariedade à posse.

Em entrevista concedida à Rádio Bandeirantes, o reitor então explicita seus propósitos ao comparar a Universidade de São Paulo com os “morros do Rio de Janeiro”.

Em março de 2010, em razão da ausência de moradias, estudantes resolvem retomar um bloco, o “g”, do prédio das moradias, que foi tomada pelo Coseas e onde havia também uma sala cedida ao Banco Santander.

Na sequência, é implementada uma política salarial que quebra a isonomia entre servidores e professores, que foi uma conquista histórica dos servidores instituída desde 1991.

Servidores entram em greve, em maio de 2010, visando o recebimento do reajuste de 6% concedido aos professores. A reitoria, contrariando todo o histórico das relações de trabalho na universidade, determina o corte de salário dos servidores em greve. Contra essa medida, os servidores ocupam a reitoria em junho de 2010, onde permanecem cerca de um mês.

Em 27 de maio, a Congregação da Faculdade de Direito aprova um parecer no sentido da consideração da greve como direito fundamental e contra o desconto dos salários dos servidores. Com a promessa do pagamento dos salários, a reitoria é desocupada.

Em novembro de 2010, quando já não se falava mais da ocupação de 2007, a reitoria resolve abrir processos administrativos contra alunos que participaram do ato, prevendo, direto, sem qualquer moderação, a punição máxima de desligamento de 20 estudantes.

No final de 2010/início de 2011, a reitoria, de forma sumária, ou seja, sem qualquer procedimento prévio ou mesmo comunicação aos diretores das respectivas unidades, promove a dispensa de 271 servidores aposentados, que tomam ciência da situação por acaso, ao acessarem o site da Universidade, na área restrita relativa a cada um deles.

A dispensa de 271 servidores, sob o argumento falacioso, de que se tratava de servidores aposentados foi no fundo uma forma de amedrontar os servidores, dificultando-lhes a organização para a luta e mesmo pondo sob pressão vários servidores integrados ao Sintusp já em vias de aposentadoria. Não há argumento jurídico a sustentar a decisão da administração, pois a aposentadoria por tempo de contribuição – que é do que estamos falando – não é causa extintiva das relações de emprego regidas pela CLT, conforme já definido pelo Supremo Tribunal Federal. E mesmo que houvesse alguma sustentação jurídica para tanto deveria haver também uma motivação ao menos econômica. Como se sabe, a universidade está gastando fundos enormes em construções e não está passando por nenhuma dificuldade econômica.

Os servidores dispensados, ademais, não tinham problemas no que tange à execução de suas tarefas. Muito pelo contrário, eram em geral servidores essenciais à dinâmica da universidade. A atitude da administração foi uma gravíssima agressão à condição humana dessas pessoas, uma afronta ao Estado Democrático de Direito e um desrespeito a toda a comunidade uspiana. O fato gerou, inclusive, uma moção de solidariedade da Congregação da Faculdade de Direito com relação aos três servidores aposentados da unidade que foram, injustamente, atingidos pela medida da reitoria e pediu, expressamente, a sua reintegração.

Abril de 2011. Eclode greve dos trabalhadores terceirizados que perderam seus postos e não receberam sequer as verbas rescisórias a que tinham direito. Os terceirizados recebem apoio de parte da comunidade uspiana (estudantes, professores e servidores). O movimento ganha repercussão nacional.

Dentro desse contexto, após o trágico assassinato de um aluno durante um assalto, ocorrido em maio de 2011, sob o argumento de trazer maior segurança ao campus, é que em 8 de setembro de 2011 a reitoria assina um convênio com a Polícia Militar. O convênio prevê em sua cláusula terceira a atribuição da USP de “proporcionar – à PM – por Intermédio da Divisão de Operações e Vigilância (Guarda Universitária), apoio de informações e bases de dados”, além da obrigação da Polícia Militar de fornecer “relatórios periódicos” de sua atuação no âmbito da universidade, o que, por certo, demonstra o caráter de vigilância política do convênio.

E, concretamente, após institucionalizado o convênio, a Polícia Militar passa a atuar de forma ostensiva na universidade, mediante abordagens aleatórias de estudantes e sobretudo de estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Com isso, acaba se desenvolvendo um clima de conflito entre estudantes e policiais militares até que, em 27 de outubro de 2011, a PM tenta levar presos três estudantes da FFLCH pelo porte de maconha e se instaura um enfrentamento direto entre estudantes e policiais.

Sem uma interferência da administração da faculdade em favor dos estudantes, estes resolvem no mesmo dia ocupar o prédio da diretoria da FFLCH.

A ocupação dura até 1° de novembro e termina após negociação com a Diretoria da unidade.

No mesmo ato de deliberação acerca do fim da ocupação decide-se pela ocupação da reitoria, para levar adiante a reivindicação acerca da revogação do convênio firmado com a Polícia Militar.

A ocupação se deu em 1º de novembro e já em 8 de novembro toda Força Tática da Polícia Militar, com 400 homens, dois helicópteros e cachorros, cumpre ordem judicial de desocupação da reitoria, retirando do local 73 estudantes, os quais na sequência são conduzidos às delegacias de Polícia para abertura de inquéritos.

O contexto da chegada do sr. Grandino Rodas ao poder na universidade explica, por si, essa preocupação do governo do estado em cumprir com a maior eficiência e celeridade possíveis a ordem judicial, logo um governo que, ao longo de anos, não tem cumprido várias decisões judiciais acerca do pagamento de precatórios, nos quais estão consignados inclusive direitos sociais.

Em suma, o que se viu na manhã do dia 8 de novembro de 2011 não foi o mero cumprimento de uma ordem judicial direcionada a marginais que estavam ocupando um prédio público para fins ilícitos. O que se viu foi o cume de um processo de repressão contra as manifestações políticas no âmbito da universidade, manifestações estas contrárias à instauração de uma lógica de mercado nos cursos e pesquisas da entidade. Vale lembrar que alguns cursos, como o de Obstetrícia da EACH – USP-leste – chegaram a ser ameaçados de fechamento em razão de baixa demanda e por dificuldades de inserção no mercado.

O efeito da ação truculenta da Polícia Militar foi o de que no mesmo dia, à noite, uma assembleia de alunos com 3.000 participantes deliberou pela deflagração de uma greve e dois dias depois, em 10 de novembro, 5.000 estudantes fizeram uma passeata no centro de São Paulo pedindo o fim do convênio e a retirada dos processos administrativos contra estudantes e servidores. Realiza-se na sequência uma assembleia na Faculdade de Direito, deliberando-se pela continuidade da greve.

Mas, em 18 de novembro, a reitoria não só deixa de rever o convênio como o intensifica, com a instalação de uma base-móvel da Polícia Militar no Campus.

A greve dos estudantes não consegue, no entanto, adesão de servidores e professores. Estes, em razão do aumento salarial, e aqueles, em razão do recebimento de um “abono” (extensivo também aos professores) de 3.500 reais anunciado em 13 de dezembro veem-se desmotivados para a ação, ainda mais porque o abono fora concedido sob o oportuno fundamento de não ter havido qualquer tipo de “paralisação” do trabalho no curso daquele ano.

Alguns processos administrativos instaurados contra estudantes da Moradia Retomada correm rapidamente e, em 18 de dezembro, conclui-se pela eliminação (expulsão) de oito estudantes, servindo como base o disposto no Decreto n. 52.906, de 1972.

Em janeiro de 2012, um policial militar agride um estudante no DCE. O fato ganha repercussão nacional e até internacional.

Ainda em janeiro de 2012, a sede do Sintusp é alvo de um atentado, que chegou ao cúmulo da abertura criminosa das torneiras de gás do fogão, pondo em risco a vida das pessoas qu, pela manhã chegaram para trabalhar no local. Nenhuma atitude para apuração do ocorrido foi tomada pela reitoria.

No domingo de Carnaval, nova ação policial na universidade, determinada por decisão judicial, promove a desocupação da Moradia Retomada. E mais uma vez estudantes são conduzidos, manu militari, às delegacias de polícia, para instauração de inquéritos.

Março/abril de 2012, estudantes e servidores começam a receber intimações para prestar depoimentos em processos disciplinares.

E, finalmente, como forma de demonstração de que o processo de militarização pretendido pela Reitoria não será revertido, em março de 2012 o reitor nomeia para atuar na Superintendência de Segurança da Reitoria três ex-coronéis da Polícia.

É possível perceber, portanto, uma escalada repressiva que encontra no atual reitor a sua plenitude. Todavia, os problemas de democracia na universidade transcendem a figura do reitor, sendo certo que a estrutura administrativa da universidade como um todo é recheada de deficiências nesta área. Há uma organização quase estamental em que professores titulares possuem maior fruição de representação que os demais professores. A escolha da lista tríplice para reitor é feita por corpo muito restrito da universidade e a nomeação ainda se submete à vontade do governador. É um modelo, portanto, que favorece a uma concentração de poderes e a impotência daqueles que são afastados das estruturas deliberativas.

 

 

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