A cada minuto, duas mulheres são estupradas no Brasil – a maioria em suas próprias casas

'O quadro é grave, pois, além da impunidade, muitas das vítimas de estupro ficam desatendidas em termos de saúde', dizem pesquisadores

Foto: George Campos/EBC

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Além das homenagens, o Dia Internacional da Mulher traz também o gosto amargo do enfrentamento à violência de gênero. As vésperas desta data, o Ipea e a ONU, em parceria com a Fiocruz Bahia, publicaram estudos que mostram que cresceu a vulnerabilidade das crianças e adolescentes à violência sexual.   

A partir dos dados do IBGE e do Ministério da Saúde foi possível calcular que, por ano foram registrados 822 mil casos de violência sexual em todo o país.

O que significa que a cada minuto, duas mulheres são estupradas no Brasil – a maioria em suas próprias casas.  

Em anos anteriores, os registros contabilizavam um estupro a cada 10 minutos.

“O quadro é grave, pois, além da impunidade, muitas das vítimas de estupro ficam desatendidas em termos de saúde”, explicam pesquisadores do Ipea. 

Do total, apenas 8,5% dos casos chegam ao conhecimento da polícia e 4,2% do sistema de saúde. A subnotificação repercute na falta de punição dos agressores. 


No período analisado em ambos estudos, de 2015 a 2019, jovens de 10 a 14 anos representam 67% das vítimas.

As consequências da violência afetam diretamente o desenvolvimento na vida adulta. 

“A violência sexual contra as mulheres frequentemente está associada a depressão, ansiedade, impulsividade, distúrbios alimentares, sexuais e de humor, alteração na qualidade de sono, além de ser um fator de risco para comportamento suicida”, diz o Ipea.

A professora Dandara Ramos (ISC/UFBA), mestre em psicologia social e doutora em saúde coletiva acrescenta ainda as questões raciais a este debate. 

Das vítimas identificadas, 54,75% são meninas pardas, seguido de brancas (34,3%), pretas (9,43%) e indígenas (1,2%).

“Não é só uma questão de pobreza. Mesmo em países desenvolvidos, quando você observa o cenário, a questão racial também está inserida ali. No caso brasileiro, são as meninas indígenas, são as meninas pretas que estão sendo excluídas de direitos reprodutivos; é preciso o combate às desigualdades raciais e étnicas”, ressaltou Ramos, coordenadora da pesquisa da Fiocruz Bahia. 

As consequências para a saúde mental

O levantamento constatou que 62% dos agressores eram conhecidos das vítimas e que, em 63% dos casos, o crime foi cometido em casa.

Quando nem a casa é um espaço de proteção, muitas meninas ficam suscetíveis ao abuso de drogas e álcool na tentativa de lidar com o estresse pós-traumático. 

“A violência contra mulheres e meninas é um problema de saúde pública resultado de uma discriminação estrutural e arraigada, que requer medidas e reformas legislativas, administrativas e institucionais”, salienta Ramos.

A psiquiatra Andrea Feijó de Mello, pesquisadora do Programa de Pesquisa e Atenção à Violência e ao Estresse Pós-traumático (Prove) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também chama a atenção que ​​quase sempre as vítimas da violência sexual também apresentam um quadro de depressão como parte do transtorno pós-traumático.

“Aparentemente o trauma causado pela violência sexual é tão intenso que leva ao desenvolvimento de um transtorno de estresse pós-traumático, com características diferentes das observadas no distúrbio gerado por outras causas, como um assalto à mão armada”, explica. 

As consequências psíquicas identificadas pelo programa apontam um favorecimento ao envelhecimento do organismo da vítima, por conta do desgaste de uma das estruturas que estabilizam o DNA, os telômeros.


“A hipótese mais plausível é que o TEPT [transtorno de estresse pós-traumático] e seus sintomas promovam o encurtamento dos telômeros”, explica Sintia Belangero, coordenadora da parte genética do estudo. 

Além disso, a pesquisa também identificou que a liberação do hormônio do estresse, o cortisol, também fica desregulada e encadeia na vítima a sensação constante de alerta e preocupação.

Programas governamentais de apoio às vítimas

Atualmente, os programas governamentais especializado nestes atendimentos é a Casa da Mulher Brasileira, com apoio psicossocial e jurídico, e o Serviço de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Sexual (SAMVVIS), com procedimentos de deteccão de doenças sexualmente transmissíveis, realização de exame de corpo de delito e prevenção ou interrupção da gravidez indesejada.

No entanto, muitas sedes estão sem infraestrutura e equipes necessárias para os atendimentos. 

Em 2019, a então ministra Damares Alves sugeriu a desativação da unidade do Distrito Federal que corria risco de desabamento. 

A alegação era de que seriam construídos outros dois edifícios, mas no último ano, de acordo com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não encaminhou nenhum dos 7,7 milhões de reais que seriam destinados para todas as sedes da Casa da Mulher Brasileira e Centros de Atendimento às Mulheres. 

O novo Ministério das Mulheres, chefiado por Cida Gonçalves, pretende retomar o investimento no programa a partir deste mês. 

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