Sociedade
90% das prisões em massa na Cracolândia foram ilegais, diz Defensoria Pública de SP
Ação policial produz o efeito “porta giratória entre a delegacia e as cenas de uso”, não resultando em diminuição dos usuário na rua


Uma pesquisa elaborada pelo Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo mostrou que 90% das prisões em massa realizadas na Cracolândia em 2022 foram consideradas ilegais pela Justiça e os processos foram arquivados.
Segundo a pesquisa “Operação Cachimbo: relatório das detenções em massa realizadas na Cracolândia”, divulgada com exclusividade pelo site G1, nesta quinta-feira 17, as ações não surtiram o efeito pretendido de diminuir o número de usuários nas ruas.
Somente de setembro a novembro, foram realizadas prisões de 535 pessoas, uma média de 15 prisões por dia. Na maioria dos casos, as internações compulsórias praticadas pelo Estado duraram em média 3 dias.
Apesar dos esforços policiais, e da violência imprimida nas ações, os números não refletiram em condenações na Justiça. Em 90% dos casos analisados houve o arquivamento dos procedimentos, sem que fosse imputada nenhuma responsabilização aos usuários.
O próprio Ministério Público já se manifestou no sentido de que prender dependentes apenas com o cachimbo, sem a droga, é considerado um ato ilegal. Para a defensora pública Fernanda Balera, coordenadora da pesquisa, as operações afetaram a possibilidade de atuação diversa com os usuários de droga da região.
“Nos últimos dez anos, a repressão policial tem sido utilizada para tratar a questão social da Cracolândia, inclusive como suposto ponto de partida para a oferta de acesso aos serviços de saúde. Nesse tempo, é possível constatar que tal opção política gerou a incriminação de variadas pessoas em situação de rua, ampliou os conflitos na região central de São Paulo e afetou sobremaneira a boa condução das políticas de assistência social e saúde”, disse ao site.
“Para além disso, é preciso ter em conta que o recrudescimento da violência policial nos últimos anos fez com que a atuação no território se desse em regime de emergência. A improvisação de serviços e fluxos de atendimento têm impedido a construção de proposições mais efetivas”, completou.
A pesquisa mostrou que a operação só reforçou o efeito de “porta giratória entre a delegacia e as cenas de uso”.
“A relação entre estar nas ruas do Centro de São Paulo e ser conduzido às carceragens da Polícia Civil parece indicar uma reatualização de um velho modo de gerir a ordem urbana e estabelecer fronteiras no espaço público, em que o espectro da prisão torna-se modo de controle e ameaça da população vulnerável”, diz o relatório.
A pesquisa ainda apontou que houve “massificação nos processos judiciais”. Isso mostra que os usuários apreendidos não tiveram registros individualizados, o que criou uma sensação de que todos os casos eram idênticos.
“Excertos idênticos de textos foram reproduzidos indistintamente e com pouco cuidado a partir de um modelo comum, num verdadeiro ‘copia e cola’ de informações e descrições”, diz o relatório.
No dia 18 de julho, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), admitiu que a estratégia adotada pela polícia paulista para lidar com os dependentes químicos da região não é eficaz.
“A gente tá conseguindo reter 18% das pessoas que estão indo para as comunidades terapêuticas. Então, a cada 100 que a gente manda 18 ficam e 82 voltam pra Cracolândia. É um desafio, é um trabalho diário”, disse o governador.
Apesar da crítica, não houve qualquer manifestação no sentido de se mudar o modus operandi utilizado na região, apenas uma sinalização de que as forças de segurança pública devam ser reforçadas, medida cujo propósito é estimular o fluxo ineficiente de prisões de usuários, com enorme movimentação da máquina pública, que não tem capacidade de atingir o objetivo de diminuir o número de usuários da Cracolândia.
Isso mostra que o governo paulista gasta muito com o combate ineficaz aos dependentes, mas ignora que o problema da Cracolândia tem como plano de fundo a Saúde Pública, e não Segurança Pública.
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