Política

“O Rio tornou-se uma cidade-espetáculo gerida por empreiteiras”

O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) critica o modelo de reurbanização da cidade encampado por Eduardo Paes

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Deputado estadual e candidato à prefeitura carioca, Marcelo Freixo, do PSOL, é um dos mais combativos quadros da oposição aos governos do PMDB no Rio de Janeiro.

Para o parlamentar, o decreto de calamidade pública anunciado pelo governador em exercício Francisco Dornelles, que resultou em um aporte de 2,9 bilhões de reais do governo federal para estancar a crise fiscal fluminense e garantir a realização das Olimpíadas, é “completamente inconstitucional”. “A calamidade é definida por seu caráter inesperado. Não há nada de imprevisível no processo de endividamento do estado. ”

Na entrevista a seguir, Freixo rebate o diagnóstico do prefeito Eduardo Paes de que a situação fiscal do município é confortável, critica o projeto de modernização da cidade e aponta para o alto número de remoções de famílias por causa das obras. “Paes fala abertamente que se inspira em Pereira Passos, um prefeito reconhecidamente higienizador. ”

O deputado lembra ainda que a revitalização da cidade tem sido conduzida por construtoras investigadas na Operação Lava Jato. “O Rio tornou-se uma cidade-espetáculo gerida por empreiteiras. ”

CartaCapital: Qual a sua opinião sobre o decreto de calamidade pública anunciado por Dornelles?

Marcelo Freixo: Primeiro, ele é completamente inconstitucional. Ele alega uma calamidade que não existe. Por lei, calamidade é definida por seu caráter inesperado, uma tempestade, uma chuva, um alagamento. Não há nada de imprevisível nesse processo de endividamento do estado. Quando Sergio Cabral, do PMDB, assumiu o governo estadual em 2007, a dívida era de R$50 bilhões. Hoje, é de mais de R$110 bilhões. Há um endividamento crescente. O próprio metrô, cuja conclusão é um dos motivos alegados para este decreto, foi orçado inicialmente em R$5 bilhões e hoje, se contarmos os juros da dívida, chega a R$17 bilhões. E não está pronto. É o metrô mais caro do mundo, sem contar o que ele representa em termos de trajeto. É uma única linha reta, não faz curva, é apenas um prolongamento para a Barra da Tijuca. Diversas audiências foram feitas, as associações de moradores e o Ministério Público foram contrários à escolha deste trajeto. A população da região queria outro traçado, que daria um aspecto de rede ao metrô e seria até mais barato. Mas, para isso, o governo teria de abrir uma nova licitação. Por isso, preferiram apenas prolongar a linha.

CC: A queda na arrecadação e nos royalties explica a crise do estado?

MF: A crise do Rio é uma crise de endividamento, não é uma crise de barril de petróleo. O estado contraiu na era Cabral diversos empréstimos em dólar, pelo menos três. Hoje o governo estadual paga mais em dívida do que investe em Educação e Saúde. A queda nos royalties é compensada por outras arrecadações, que não superam as perdas, mas diminuem o impacto. Houve um aumento de IPVA, por exemplo.

Além disso, há uma política de renúncia fiscal absolutamente irresponsável. Segundo o TCE, entre 2008 e 2013, foram R$138 bilhões em isenção para grandes empresas. Isso paga cinco anos de folha de servidor. Não estou nem dizendo que não teria de ter dado isenção, algumas empresas podem levar desenvolvimento para algumas regiões e gerarem emprego. Mas não é o que se verifica na grande maioria delas.

A Land Rover teve mais de R$600 milhões de isenção, e gerou 400 empregos. A ThyssenKrupp CSA teve mais de 500 milhões de reais, gerou desemprego de pescadores artesanais e tornou a Região Oeste uma das mais poluídas do Brasil, com diversos problemas de saúde pública. A calamidade decretada por Dornelles não é acompanhada de ética, transparência, de medidas que possam solucionar a crise fiscal. É preciso abrir a caixa preta, rever as isenções e ampliar a arrecadação do estado.

CC: Quais as áreas mais críticas?

MF: A Saúde tem um problema estrutural gravíssimo, os equipamentos foram entregues para as Organizações Sociais. A educação está em uma greve de 90 dias, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, esta sim, está em uma situação de calamidade. O governo diz que não tem condição de renegociar reajuste com os professores. A Segurança Pública também vive uma situação dramática. Há uma falência das Unidades de Polícia Pacificadora, um acréscimo assustador de violência, e a perspectiva de intranquilidade política e econômica do estado contribuem para piorar a situação.

CC: A Segurança Pública nos Jogos é uma preocupação?

MF: O Rio está acostumado a sediar megaeventos e sempre transborda Exército, Marinha, Aeronáutica, tudo aparece. O grande problema é a falta de clima para os Jogos. As chances de termos protestos sociais por conta das questões políticas e econômicas do Rio é maior do que em qualquer outro evento. Tivemos muitos eventos aqui, mas nunca um quadro social tão dramático.

É a primeira vez que um evento desses ocorre enquanto um servidor estadual não recebe seu salário. A chance de um protesto sistemático é grande. Um evento como esse traz visibilidade, tanto para o espetáculo, como para as denúncias. Protestos não significam ser contra as Olimpíadas. Esse discurso não cola.

Fato é que os policias aposentados estão indo para os quarteis para comer por não ter comida em casa. Fato é que os idosos não conseguem comprar remédio por falta de dinheiro. Esse é o quadro. Querer que essas pessoas aguardem o fim dos Jogos para protestar é um pouco demais.

CC: Paes diz que a crise é estadual e a situação do município é confortável.

MF: Ele sabe que isso não é verdade. Paes está em um momento de muitas críticas a sua gestão, com a queda da ciclovia Tim Maia, críticas ao seu herdeiro Pedro Paulo, ao modelo de parcerias público-privadas que tanto o consagrou. Há três anos a arrecadação da prefeitura tem diminuído. O empréstimo de US$ 1 bilhão contraído no Banco Mundial em 2010 começa a ser cobrado em 2017. Após as Olimpíadas, haverá cerca de 30 mil operários da construção civil desempregados, que não serão reabsorvidos imediatamente.

A partir de 2017, sem os megaeventos, a cidade terá que seguir outra lógica. O município arrecada muito mais tributando consumo do que propriedade. A grande renda do município é Imposto Sobre Serviços, três vezes maior do que a arrecadação do IPTU. Isolando o IPTU com o ISS, é praticamente 90% de toda a arrecadação. Como o estado vive uma situação crítica, a prefeitura fica em uma posição confortável, pois sempre é comparada ao governo estadual. Mas isso não quer dizer que a situação seja tranquila.

CC: Como o senhor avalia as obras de mobilidade urbana da prefeitura, como o Veículo Leve Sobre Trilhos e as linhas de BRT (Bus Rapid Transit, na sigla em inglês)?

MF: Não vou dizer que não há o que se aproveitar das obras. A expansão do Parque do Madureira é uma boa iniciativa. Há revitalizações de praças que são importantes. Mas o BRT é uma insistência em um modelo rodoviário completamente superado. Há uma dependência histórica do PMDB no Rio aos empresários de linha de ônibus, que continuam a ter controle das contas públicas.

O governo não cumpre a Lei Orgânica, que se tornou uma peça de fantasia atualmente. Ela foi feita em 1990, à luz de uma outra cidade do Rio de Janeiro, com ampla participação das associações de moradores. De lá para cá, o Rio tornou-se uma cidade-espetáculo gerida por empreiteiras. É um modelo completamente contrário ao da Lei Orgânica.

CC: As Olimpíadas refletem esse modelo de cidade-espetáculo?

MF: Uma série de calendários expressam isso. A relação distinta que a prefeitura tem com a Zona Sul e a Zona Norte, a defesa de um modelo de cidade extremamente desigual, onde o mercado dita muito mais do que as políticas públicas o destino dos cidadãos. Há uma disputa de modelo de cidade. Em 2017, o Rio será obrigado a passar por uma virada conceitual na sua relação com o conjunto da sociedade. Não haverá dinheiro para tudo o que é necessário fazer e prioridades terão de ser redefinidas.

O próprio Porto Maravilha é um símbolo muito forte dessa concepção urbana. É uma região do tamanho de Copacabana e entregue para um consórcio, que ganha poder de política pública. Iluminação, limpeza, tudo é decidido pelas empreiteiras OAS, Carioca Engenharia e Odebrecht. A Odebrecht controla os trens da Superlinha, a OAS controla o metrô, a Andrade Gutierrez controla as barcas.

As mesmas empreiteiras da Lava Jato têm a gestão da cidade. Uma cidade que tem sua gestão na mão desse capital não consegue conviver com a democracia, que atrapalha esse modelo. Constrói-se uma ciclovia sem fiscalizar a empreiteira, que não tem preocupação com caráter público. A queda da ciclovia Tim Maia não foi um acidente. Se ela fosse obrigada a seguir um parâmetro público de construção e fosse fiscalizada, não aconteceria o que ocorreu. É um reflexo da ideia da cidade.

CC: Nesse cenário, movimentos de moradia protestam contra a remoção de famílias que moravam no Centro por causa das obras de revitalização da região.

MF: A prefeitura Eduardo Paes é aquela que mais removeu em toda a história. É curioso, pois ele fala abertamente que se inspira em Pereira Passos, um prefeito reconhecidamente higienizador, que verbalizou o fim dos cortiços. Ele removeu mais do que todos os prefeitos juntos, em cima dessa lógica de cidade-balneário. Várias cidades do mundo tiveram uma crise profunda depois das Olimpíadas, como Atlanta, nos Estados Unidos, e Atenas, na Grécia. Mas no Rio, o caos chegou antes dos Jogos.

CC: Há ainda a promessa da construção de dez mil moradias populares no Centro, mas o projeto ainda não foi para frente.

MF: Há uma quantidade enorme de prédios públicos no Centro do Rio que poderiam ser usados para parcerias com o objetivo de abrigar os moradores da região. A região poderia ter um modelo de moradia mista, como Paris vem fazendo. Mas o Rio não tem Secretaria de Planejamento. Não precisa: quem tem planejado a cidade é quem ganha dinheiro com ela.

CC: Sobre o esforço alegado pela prefeitura de valorizar a inciativa privada nas obras olímpicas, temos o exemplo do Maracanã, cuja concessão até hoje é criticada pelos grandes clubes do Rio. É um exemplo que mostra a limitação do modelo de parcerias público-privadas?

MF: Participei recentemente de um debate sobre o filme Geraldinos, que analisa o fim da geral do Maracanã. O estádio foi construído na década de 1950 à luz de um projeto de cidade. Era monumental, tinha arquibancada e geral, construído no centro, ao lado das linhas de trem. O Maracanã novo é o reflexo deste modelo neoliberal pós-década de 1990. Ele deixa de ser um estádio para ser um estúdio, passa a ser uma arena como qualquer outra, típica de uma cidade global, e perde sua singularidade. Está no documento de privatização do Maracanã a mudança de seu perfil de público e o encarecimento dos ingressos. É mais uma remoção no Rio de Janeiro: você remove o povo do estádio e desloca ele para o pay-per-view do botequim.

CC: Podemos esperar algo parecido com as instalações olímpicas tocadas pela inciativa privada após os Jogos?

MF: Temos o exemplo dos Jogos Pan-Americanos. Qual foi o legado? O estádio do Engenhão e o centro aquático Maria Lenk. Onde eles estão? São subaproveitados. E sem contar que isso está diretamente relacionado a propinas. O Cabral está sendo investigado na Lava Jato por causa da privatização do Maracanã. O Eduardo Cunha está na mira por causa do Porto Maravilha. Há uma relação direta entre a propina, o PMDB, as empreiteiras e o projeto de cidade da Olimpíada.

CC: Não há clima olímpico no Rio?

MF: Até este momento, não. Acho que a chegada de uma enxurrada de turistas vai mudar o clima da cidade, vai ter uma atmosfera de festa. Eu conversei muito com a repórter Dorrit Harazim, que cobriu diversas Olimpíadas. Ela sempre me diz que já viu diversas cidades não terem clima, mas quando começam os Jogos, a atmosfera muda. Isso pode acontecer com o Rio. O que não quer dizer que não teremos uma tensão presente dos movimentos sociais. Não sei se nessas outras cidades sem clima olímpico antes dos Jogos havia atraso de salários, greve de professores e médicos, ministério da Saúde e da Cultura ocupados, além de um golpe político em curso. Nesse momento, é difícil prever o que vai acontecer.

 

 

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