Drauzio Varella

drauzio@cartacapital.com.br

Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

Será mesmo necessário uma vacina específica contra a Ômicron?

As vacinas atuais foram desenvolvidas contra a cepa original do SARS-CoV-2 surgida em Wuhan, na China. No entanto, essa cepa é biologicamente distinta da Ômicron

Será mesmo necessário uma vacina específica contra a Ômicron?
Será mesmo necessário uma vacina específica contra a Ômicron?
Profissional de saúde manuseia vacina da Pfizer. Foto: Thomas Lohnes/AFP
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O mundo precisa de uma vacina contra a Ômicron? Esta é a pergunta feita por Emily Waltz no último número da revista Nature.

Assim que a variante Ômicron foi detectada, em novembro de 2021, a indústria farmacêutica deu início às pesquisas para desenvolver uma preparação vacinal capaz de estimular a formação de anticorpos especificamente dirigidos contra ela.

Na semana passada, as companhias ­Pfizer e Moderna anunciaram os primeiros estudos clínicos, nos quais serão testadas as doses que ofereçam proteção contra essa variante altamente contagiosa.

Mas, “se essa vacinação será necessária, ou mesmo prática, não está claro, de acordo com autoridades de saúde pública e especialistas ouvidos pela Nature”, diz Waltz.

O principal argumento dos que são contrários a esta ideia é o de que os casos já terão chegado ao pico e caído antes que a vacina consiga passar pelos testes clínicos Fase 3 e receber a aprovação das agências reguladoras.

Qual a utilidade de uma vacina preparada especificamente para imunizar contra uma variante que já tivesse infectado a maioria das pessoas que entraram em contato com ela?

Além do mais, embora as vacinas existentes hoje não evitem que os imunizados adquiram a infecção pela Ômicron, protegem contra as formas mais graves e fatais da doença. Seria preciso criar outra vacina?

De fato, cerca de 80% dos pacientes internados em nossas UTIs não foram vacinados ou receberam apenas uma dose. Em Nova York, os que receberam as três doses da Moderna ou da Pfizer correm risco de morte 78 vezes menor do que os não vacinados. Lá, o risco de uma pessoa que tomou as três doses vir a morrer é de um em cada milhão. A nova vacina apresentaria resultados superiores?

Kanta Subbarao, que coordena o ­Technical Advisory Group on Covid-19 Vaccine Composition, da Organização Mundial da Saúde (OMS), criado em setembro de 2021, argumenta: “Nós temos muita confiança nas vacinas atuais, mas precisamos discutir se será necessário atualizarmos as composições vacinais, de acordo com as variantes-alvo”.

O sistema de atualização periódica de vacinas já existe para a Influenza (gripe). Mais de cem laboratórios e cinco centros de vigilância epidemiológica ao redor do mundo testam milhares de amostras do vírus, em colaboração com um grupo da OMS, que se reúne duas vezes por ano para recomendar a composição da vacina que será empregada na estação seguinte. Até agora, não havia estrutura semelhante para tratar da composição vacinal contra a Covid-19.

As vacinas atuais foram desenvolvidas contra a cepa original do SARS-CoV-2 surgida em Wuhan, na China. No entanto, essa cepa é biologicamente distinta da Ômicron, que contém pelo menos 30 mutações em seu genoma, responsáveis por transmiti-la com tanta facilidade que se tornou responsável por mais de 90% dos casos em boa parte dos países.

O fato de muitos pacientes ainda serem hospitalizados e o número de mortes ser alto em muitos lugares é lembrado pelos defensores de novas composições nas futuras preparações vacinais. O argumento é de que fica impossível estimar o número de pessoas ainda vulneráveis à Ômicron, por causa da idade ou por algum tipo de deficiência imunológica.

Como a produção de anticorpos cai lentamente após a terceira dose, especialistas discutem se estaria indicada a aplicação de uma quarta dose de uma das vacinas atuais ou se o ideal seria empregar uma preparação especificamente dirigida contra a Ômicron.

Instituições como o National Institute of Allergy and Infectious Diseases (Niaid) e o Cepi – uma aliança internacional – disponibilizaram em torno de 250 milhões de dólares para financiar pesquisas destinadas a chegar a uma vacina pan-Coronavírus, isto é, capaz de imunizar contra a maioria dos tipos dessa família.

Até lá, os esforços devem ser concentrados na obtenção de uma vacina atualizada para as variantes que estiverem circulando, sem passar a ideia de que as atuais estão defasadas, o que seria desastroso.

Enquanto cientistas talentosos, epidemiologistas, infectologistas e os melhores especialistas em saúde pública do mundo inteiro se reúnem para discutir a elaboração de vacinas cada vez mais eficazes que já salvaram, e continuarão salvando milhões de vidas, hordas de ignorantes e de mal-intencionados empenham-se em desacreditar a vacinação e em convencer os incautos a segui-los. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1194 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Vacina contra a Ômicron”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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