Saúde

Uma morte digna

Os médicos devem reduzir procedimentos desnecessários em doentes terminais, mas não podem receber vantagens financeiras

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Estou na Inglaterra e, como todo médico, verifico como anda a medicina nesta ilha, independentemente da razão da viagem. Não conseguimos nos desconectar totalmente e qualquer notícia sobre doenças ou tratamentos nas terras de Sua Majestade chama a atenção e desperta a curiosidade. Afinal, é sabido atualmente que o sistema de saúde inglês tem peculiaridades muito interessantes. É socializado, barato e controlado pelo NHS, sistema de saúde nacional. Um tipo de Sistema Único de Saúde (SUS).

Rotinas, recomendações e abordagens são discutidas e ditadas pelo NHS. Mas, mesmo em um sistema tão bem organizado, a corrupção consegue se insinuar. Os britânicos têm problemas de pacientes internados por muitas semanas, e até meses. As famosas internações crônicas, também frequentes no Brasil tanto nos hospitais privados quanto nas instituições universitárias ou públicas. Chegam a alcançar mais de 20% de todos os doentes admitidos nesses hospitais. Alguns com piora progressiva, sem chance de reverter as doenças graves, são os pacientes terminais.

Obviamente, ocupam espaços e leitos tão em falta para cuidar de casos tratáveis e potencialmente curáveis. A carga social e econômica é grande. Autoridades de ­saúde de todos os países, assim como administradores de hospitais, tentam criar modos para lidar com o desequilíbrio e reduzir ao mínimo as internações e os cuidados intensivos no fim da vida. Não é simples.

Na Inglaterra, o NHS criou um caminho para minimizar esse fardo. Fez recomendações para a morte digna e assim evitar sofrimento desnecessário ao paciente.

O problema da superlotação de doentes crônicos internados melhorou, mas não acabou. Aí, para minha surpresa, foi introduzido um perigoso mecanismo para estimular maior rigor no manejo dos doentes terminais. Hospitais e casas de saúde inglesas recebem incentivo monetário se atingirem uma taxa de mortes consideradas adequadas pelos padrões ingleses. A porcentagem mínima aceitável para eles seria 35% de todas as mortes.

Quanto mais se aumenta o número de óbitos, em razão da suspensão de tratamentos médicos, ou até de suporte nutricional endovenoso ou por sondas, maior a soma de dinheiro depositada na instituição. Parece razoável, mas, recentemente, denúncias começaram a ficar frequentes de familiares contestando o conceito de doente terminal. Muitos sugerem que os responsáveis pelos cuidados de seus entes queridos teriam definições, além de subjetivas, muito soltas e fáceis de doente sem chances de reversão do quadro clínico.

Dados oficiais mostraram que ocorreu um salto na taxa de óbitos, digamos, facilitados. Passou de 47% em alguns hospitais. O incentivo financeiro foi proporcionalmente mais elevado. Um familiar declarou que esse sistema não ajuda nos cuidados dos doentes crônicos, mas que é uma licença para matar. O escândalo foi estampado em muitos jornais de grande circulação na Inglaterra.

Infelizmente, a decisão do médico de que um paciente está sem possibilidades de tratamento e de reversão da doença que o acomete e o faz piorar pode ser subjetiva. Para alguns médicos, o mesmo doente pode ser considerado ainda tratável, enquanto, para outros, o caso parece perdido.

E é muito complicado, para qualquer entidade ou comissão de ética, classificar com exatidão e sem risco de negar cuidados a doenças reversíveis. Como todas as condutas duvidosas nos países ditos avançados, rapidamente alguém terá ideia para aplicá-las no Brasil. É bom ficarmos atentos, caso contrário será uma tragédia ou um massacre sistematizado.

Os ingleses iniciaram uma investigação detalhada dessa ocorrência preocupante. Ninguém é contra o princípio de reduzir procedimentos desnecessários, e até cruéis, em pacientes terminais. Um final de vida digno, sem sofrimento, seria o ideal para todos. Corromper a situação com incentivos financeiros pode levar a desvios perigosos e induzir um final acelerado de vida. Não necessariamente o mais digno.

Estou na Inglaterra e, como todo médico, verifico como anda a medicina nesta ilha, independentemente da razão da viagem. Não conseguimos nos desconectar totalmente e qualquer notícia sobre doenças ou tratamentos nas terras de Sua Majestade chama a atenção e desperta a curiosidade. Afinal, é sabido atualmente que o sistema de saúde inglês tem peculiaridades muito interessantes. É socializado, barato e controlado pelo NHS, sistema de saúde nacional. Um tipo de Sistema Único de Saúde (SUS).

Rotinas, recomendações e abordagens são discutidas e ditadas pelo NHS. Mas, mesmo em um sistema tão bem organizado, a corrupção consegue se insinuar. Os britânicos têm problemas de pacientes internados por muitas semanas, e até meses. As famosas internações crônicas, também frequentes no Brasil tanto nos hospitais privados quanto nas instituições universitárias ou públicas. Chegam a alcançar mais de 20% de todos os doentes admitidos nesses hospitais. Alguns com piora progressiva, sem chance de reverter as doenças graves, são os pacientes terminais.

Obviamente, ocupam espaços e leitos tão em falta para cuidar de casos tratáveis e potencialmente curáveis. A carga social e econômica é grande. Autoridades de ­saúde de todos os países, assim como administradores de hospitais, tentam criar modos para lidar com o desequilíbrio e reduzir ao mínimo as internações e os cuidados intensivos no fim da vida. Não é simples.

Na Inglaterra, o NHS criou um caminho para minimizar esse fardo. Fez recomendações para a morte digna e assim evitar sofrimento desnecessário ao paciente.

O problema da superlotação de doentes crônicos internados melhorou, mas não acabou. Aí, para minha surpresa, foi introduzido um perigoso mecanismo para estimular maior rigor no manejo dos doentes terminais. Hospitais e casas de saúde inglesas recebem incentivo monetário se atingirem uma taxa de mortes consideradas adequadas pelos padrões ingleses. A porcentagem mínima aceitável para eles seria 35% de todas as mortes.

Quanto mais se aumenta o número de óbitos, em razão da suspensão de tratamentos médicos, ou até de suporte nutricional endovenoso ou por sondas, maior a soma de dinheiro depositada na instituição. Parece razoável, mas, recentemente, denúncias começaram a ficar frequentes de familiares contestando o conceito de doente terminal. Muitos sugerem que os responsáveis pelos cuidados de seus entes queridos teriam definições, além de subjetivas, muito soltas e fáceis de doente sem chances de reversão do quadro clínico.

Dados oficiais mostraram que ocorreu um salto na taxa de óbitos, digamos, facilitados. Passou de 47% em alguns hospitais. O incentivo financeiro foi proporcionalmente mais elevado. Um familiar declarou que esse sistema não ajuda nos cuidados dos doentes crônicos, mas que é uma licença para matar. O escândalo foi estampado em muitos jornais de grande circulação na Inglaterra.

Infelizmente, a decisão do médico de que um paciente está sem possibilidades de tratamento e de reversão da doença que o acomete e o faz piorar pode ser subjetiva. Para alguns médicos, o mesmo doente pode ser considerado ainda tratável, enquanto, para outros, o caso parece perdido.

E é muito complicado, para qualquer entidade ou comissão de ética, classificar com exatidão e sem risco de negar cuidados a doenças reversíveis. Como todas as condutas duvidosas nos países ditos avançados, rapidamente alguém terá ideia para aplicá-las no Brasil. É bom ficarmos atentos, caso contrário será uma tragédia ou um massacre sistematizado.

Os ingleses iniciaram uma investigação detalhada dessa ocorrência preocupante. Ninguém é contra o princípio de reduzir procedimentos desnecessários, e até cruéis, em pacientes terminais. Um final de vida digno, sem sofrimento, seria o ideal para todos. Corromper a situação com incentivos financeiros pode levar a desvios perigosos e induzir um final acelerado de vida. Não necessariamente o mais digno.

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