Ainda nem esquecemos a epidemia de dengue no Brasil, poucos meses atrás, e a perspectiva de novos surtos começa a preocupar cidadãos e autoridades. Vai ser difícil, nas circunstâncias atuais, imaginar um controle definitivo do mosquito e das infecções no Brasil. Uma opção de limitar drasticamente a disseminação da dengue seria o desenvolvimento de uma vacina eficaz, capaz de imunizar a população e reduzir as complicações graves potenciais.
A esperança reacendeu na semana passada, com a publicação de resultados iniciais de um estudo internacional, que inclui três centros médicos brasileiros, a respeito de uma nova vacina contra a dengue. A pesquisa, liderada pelo doutor S. Biswal, cientista-chefe do Grupo Takeda, a indústria farmacêutica responsável pelo desenvolvimento dessa vacina tetravalente (TAK-003) e patrocinadora do estudo, incluiu 20.071 voluntários, sorteados para receber duas doses da vacina ou placebo (substância sem efeito biológico), com o objetivo de evitar a infecção viral por dengue.
Esta vacina teve eficácia de 80%, com raros efeitos colaterais da injeção (3% dos voluntários). Os resultados foram publicados na mais prestigiosa revista científica médica do mundo, a New England Journal of Medicine. Conversamos com o doutor Gilberto Turcato Júnior, médico infectologista e vice-diretor clínico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a respeito deste estudo e de sua potencial aplicabilidade em nosso meio.
CartaCapital: A dengue continua um problema de saúde pública no Brasil e em mais de cem países do mundo. Este estudo pode trazer esperanças novas para controlar a doença?
Gilberto Turcato Jr.: Com certeza, pesquisas como esta podem contribuir imensamente para a redução de complicações graves da dengue.
CC: Como foi realizado este estudo?
GTJ: Primeiro, gostaria de enfatizar que os resultados encorajadores do estudo, publicados na revista New England Journal of Medicine desta semana, ainda são preliminares.
CC: Sem dúvida, realmente sempre precisamos aguardar o estudo ser completado e os resultados finais divulgados.
GTJ: Apesar dos dados ainda preliminares, trata-se de um estudo extenso, chamado de Fase 3 (quando a pesquisa atinge seu maior nível de complexidade e solidez científica), de vacina de vírus da dengue atenuado.
CC: Como foi obtida esta vacina inovadora?
GTJ: Resumidamente, esta vacina, tetravalente, foi desenhada e desenvolvida a partir do sorotipo DENV-2 (contra o qual teve maior soroconversão) e com menor resposta para os outros sorotipos, especialmente o DENV-4.
CC: Em nossas cidades, quais vírus são mais frequentes?
GTJ: No Brasil, há predominância (95% dos casos) dos DENV-1 e DENV-2.
CC: Como o senhor avalia este estudo e esta vacina?
GTJ: O estudo é bem desenhado, incluindo mais de 20 mil pessoas. A vacina foi testada em crianças e em adolescentes, o principal grupo de risco, independentemente de exposição prévia à infecção e ao vírus. Chama atenção a proteção demonstrada desta vacina contra as formas graves ou complicações hemorrágicas da dengue (a proteção atingiu 95,4%). As complicações citadas ocorreram com os DENV-3 e 2, principalmente nos pacientes do Sri Lanka.
CC: Quais as limitações, na sua opinião, desta vacina, sempre tendo em vista os resultados preliminares expostos até aqui?
GTJ: As limitações do estudo são basicamente a proteção menor contra a infecção pelos subtipos DENV-1, 3 e 4, além de os cientistas ainda não definirem por quanto tempo dura a proteção da vacina. Estudos futuros certamente esclarecerão esses pontos importantes.
CC: Esta vacina tem potencial de uso também no Brasil?
GTJ: Em se confirmando a sua eficácia definitiva, ela parece muito interessante para o controle das epidemias de dengue no Brasil e, provavelmente, mais eficaz e mais segura do que a vacina disponível atualmente no nosso mercado.
Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.
Já é assinante? Faça login