Economia

Privatização do INPI deve encarecer medicamentos, dizem especialistas

Proposta é criticada por empresários da indústria farmacêutica nacional; associação que representa as multinacionais não se opõe à proposta

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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Por Diego Junqueira, da Repórter Brasil

“Insana”, “insensata” e “preocupante”. É assim que empresários brasileiros da indústria farmacêutica e especialistas em acesso a medicamentos avaliam a proposta de privatização do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), atualmente em estudo pelo Ministério da Economia. Para eles, a medida vai prejudicar a indústria nacional e favorecer as multinacionais, responsáveis por 80% dos pedidos de patente no Brasil. Especialistas alertam que, se a proposta for implementada, novos remédios ficarão mais caros.

O INPI é o órgão do governo federal responsável por avaliar pedidos de marcas, patentes, programas de computador, entre outros, incluindo novos medicamentos. Ao receber uma patente, uma empresa ganha o monopólio de venda do produto – e acaba cobrando mais por não haver concorrentes no mercado.

O Ministério da Economia, contudo, avalia extinguir o INPI e criar a Agência Brasileira de Desenvolvimento e Propriedade Industrial, que seria incorporada ao Sistema S, conjunto de organizações como Sesc, Sesi e Senai, cujas gestões são privadas. A mudança, que deve ser feita por meio de medida provisória, vem recebendo críticas por abrir brecha para lobby do setor privado, além da possível aprovação de patentes indevidas.

“Não existe nenhum escritório de propriedade industrial do mundo que não esteja inserido dentro da estrutura de governo”, observa a juíza Márcia Nunes de Barros, titular da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, especializada em matéria previdenciária e propriedade intelectual.

Lobby da indústria

A saúde será uma das áreas mais afetadas pela mudança porque as patentes farmacêuticas afetam diretamente o preço dos remédios. O efeito é imediato no orçamento público, pois o maior comprador de medicamentos do país é o Ministério da Saúde, com gastos de cerca de R$ 19 bilhões por ano.

“Essa proposta transfere para o setor privado uma responsabilidade do Estado. Há um evidente conflito de interesse”, afirma Jorge Bermudez, chefe do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica da Fiocruz. “Por esse modelo [privado], aumentam as chances de serem concedidas patentes indevidas”, diz Reinaldo Guimarães, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Outro problema de vincular a análise de patentes farmacêuticas a uma entidade privada é enfraquecer a isenção e a imparcialidade dos examinadores, que ficariam sujeitos ao lobby das empresas, analisam pesquisadores. “Com um INPI fragilizado e que não seja público, ele não terá força para regular o setor privado. Não vai ser o setor privado que vai regular o setor privado”, avalia Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual, que avalia o impacto das patentes na saúde pública.

Quando uma patente de medicamento é concedida, a empresa ganha exclusividade de 20 anos para vender o produto no mercado. No caso do Brasil, a Lei de Patentes permite que o tempo de monopólio seja acima de duas décadas, o padrão internacional. Isso acontece quando o INPI leva mais de 10 anos para confirmar uma patente – no setor farmacêutico, o tempo médio é de 13 anos.

Proposta divide indústria

Segundo documento interno do Ministério da Economia, a proposta busca maior eficiência do INPI e o “enxugamento da máquina pública federal”. O instituto, no entanto, opera no azul. A previsão orçamentária para 2020 é de R$ 513 milhões em receitas e R$ 333 milhões em despesas – saldo positivo de R$ 180 milhões.

“Esse argumento [do governo] não se sustenta. Se querem eficiência, as receitas do INPI deveriam permanecer no órgão, e não serem direcionadas ao Tesouro, como ocorre hoje em dia”, afirma Guimarães, da UFRJ. Procurado, o INPI não quis comentar. O Ministério da Economia não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem e optou por não se manifestar.

O presidente do INPI, Cláudio Furtado, negou que o órgão será extinto, mas deixou aberta a possibilidade de sair da estrutura do governo. “O INPI pode, sim, deixar de ser uma autarquia [federal], mas com o objetivo de tornar-se um escritório de padrão mundial”, afirmou em encontro realizado em dezembro no Iate Clube do Rio de Janeiro.

Representantes da indústria nacional procurados pela Repórter Brasil se mostraram preocupados com a medida em estudo pelo ministério. “O INPI tem hoje autonomia como uma agência reguladora, e por isso toma decisões independentes. Fragilizar o órgão de propriedade intelectual vai causar insegurança jurídica”, afirma Sérgio Frangioni, sócio da Blanver e presidente da Abifina, associação que reúne as maiores farmacêuticas do país.

O dono do laboratório brasileiro recordista em patentes, Ogari Pacheco, do Cristália, avalia a proposta como “insana”. “É mais seguro da forma como é hoje, ligado a um órgão público”, diz.

Já a Interfarma, associação que representa no Brasil as empresas estrangeiras, evitou comentar a retirada do INPI do governo federal. A entidade defende “estrutura robusta, com transparência e eficiência, para a emissão de patentes”, mas não respondeu se isso ocorreria sob gestão privada. “É preciso que haja uma proposta formalizada ou anunciada pelo governo para que o setor produtivo e inovador possa manifestar suas contribuições”, diz a nota enviada à Repórter Brasil.

Plano de ataque

A proposta de privatizar o INPI ocorre poucos meses após o órgão colocar em vigor um plano para reduzir drasticamente a fila de pedidos de patente – que hoje conta com 155 mil solicitações à espera de análise, para um total de 320 examinadores (484 pedidos por servidor). “Com o plano, passamos a fazer um exame mais precarizado”, disse um examinador do INPI à Repórter Brasil, na condição de anonimato. Ele afirma que a produtividade do órgão aumentou porque a nova gestão exige que o servidor faça mais análises de patente para que seu salário se mantenha o mesmo.

O advogado Luiz Edgard Montaury Pimenta, presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), reconhece que a qualidade do exame caiu com o plano do governo. Mas ele vê vantagens em um trabalho mais rápido do INPI. “Pior é levar 13 anos para conceder uma patente farmacêutica e ampliar o tempo de monopólio. Quem se sentir prejudicado [por uma patente mal concedida] pode pedir a anulação”, opina.

 

Especialistas em acesso a medicamentos discordam e dizem que a saída para os problemas do INPI não passa pela precarização do órgão ou do trabalho dos servidores. “Quanto pior o exame de um pedido, mais patentes são concedidas. E quanto mais medicamentos são patenteados, mais caros eles são”, diz Villardi. “O que deixa remédio mais barato é concorrência”, resume Bermudez, ressaltando que o preço de outros produtos também serão afetados pela possível privatização do INPI, como os agrotóxicos.

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