Saúde

Prefeito de Duque de Caixas tumultua plano de vacinação

Washington Reis, no início da pandemia, foi um expoente do negacionismo no Brasil

Enquadrado na Ficha Limpa, Reis nem deveria ter assumido. (Foto: Prefeitura de Duque de Caxias/RJ)
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Quando o dia raiou no domingo 9, centenas de moradores de Duque de Caxias formavam longas filas em diversos pontos da cidade, em busca da segunda dose da vacina contra a Covid-19. Em sua maioria idosos, eles atendiam a uma convocação da prefeitura. A ansiedade era grande, pois muitos haviam tomado a primeira dose há mais de 40 dias, quando o intervalo recomendado pelo Instituto Butantan é de 28 dias. A vacinação começou às 7 da manhã, mas em alguns pontos, como a Praça da Matriz ou a UPA de Xerém, o imunizante acabou cerca de duas horas depois, o que provocou confusão e cenas de desespero.

Inserido no contexto nacional de lentidão e incompetência do poder público para organizar a vacinação, esse cenário caótico se repete em Caxias desde janeiro e se transformou em um circo a céu aberto que tem como mestre de picadeiro o controverso prefeito Washington Reis, do MDB. Figura conhecida­ da Justiça – uma consulta ao site Jusbrasil revela 162 processos contra ele – Reis, no início da pandemia, era um expoente do negacionismo no Brasil. Com a chegada dos imunizantes, passou a desafiar acintosamente as recomendações do Supremo Tribunal Federal e organizou um calendário próprio de vacinação que desrespeita a ordem de prioridades determinada pelo Ministério da Saúde e inclui diferentes grupos e idades no mesmo dia.

Aliado do governo Bolsonaro, o emedebista forçou a reabertura de escolas no auge da pandemia e, terrivelmente evangélico, recomendou que a população usasse “a máscara da fé” para ir às igrejas e templos. Mas tudo mudou. Com o slogan “vacina boa é no braço”, o prefeito transformou a vacinação em um espetáculo de autopromoção. Até ser flagrado pelas câmeras de um telejornal, ele mesmo costumava aplicar algumas doses em seus possíveis eleitores.

Reis foi intimado, em 29 de abril, pelo Ministério Público a comprovar o cumprimento de quatro decisões judiciais que obrigavam Duque de Caxias a obedecer ao Plano Nacional de Imunização, mas não respondeu. Depois disso, com base em um pedido da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Região Metropolitana 1, o procurador-geral do estado, Luciano Mattos, abriu um processo administrativo que pode resultar em um pedido de intervenção do governo do Rio de Janeiro. A prefeitura também foi intimada a explicar por que, até o fim de abril, somente 40% dos idosos haviam sido vacinados.

A Justiça parece, no entanto, ter dificuldade em enquadrar Reis. A maior prova é que, mesmo condenado em 2016 pelo Supremo a sete anos e dois meses de prisão por crime ambiental, ele conseguiu disputar duas eleições e permanecer na prefeitura. Em março de 2021, após a análise dos embargos apresentados pela defesa, a Segunda Turma do STF manteve a condenação do prefeito por danos em unidade de conservação e parcelamento irregular do solo. O crime ocorreu nas proximidades da Reserva Biológica do Tinguá e inclui ações como destruição da Mata Atlântica, terraplenagem irregular, extração de argila, assoreamento de rio e supressão de mata ciliar, entre outras. “A Ação Penal é um escândalo. Lula era réu em segunda instância e não pôde ser candidato. Reis foi condenado na última instância e cumpre o segundo mandato quando nem no primeiro poderia ter tomado posse. É uma contradição a maneira que um bolsonarista é tratado pela Justiça do Rio de Janeiro, com a omissão do Superior Tribunal de Justiça e do STF”, dispara Samuel Maia, especialista em Gestão Pública que foi candidato a prefeito de Caxias pelo PCdoB nas últimas eleições.

O desprezo ao meio ambiente é um dos traços bolsonaristas mais marcantes de Reis e a junção entre prefeitura e governo federal pode ser potencialmente danosa. No mais recente caso na Justiça, o Ministério Público Federal recomendou que não se realize a combinada doação pelo Incra de um terreno público a Duque de Caxias, até que a prefeitura comprove a existência de efetivas contrapartidas ambientais. O prefeito afirma que no terreno, situado em um local conhecido como Campo do Bomba, será construída a Central de Abastecimento do Rio. A preocupação de promotores e ambientalistas é grande, pois o terreno está inserido em uma área de grande interesse hidrológico: a bacia do Rio Iguaçu. Nos últimos anos, a área tem se tornado um parque de diversões para as milícias, que dali extraem ilegalmente areia para suas construções.

Em 8 de fevereiro, quando a epidemia de Covid-19 dava claros sinais de recrudescimento, a prefeitura determinou a reabertura das escolas, o que levou a uma “greve pela vida” dos profissionais da rede municipal de educação, que ainda segue em andamento. Sem sucesso, parlamentares do PSOL e do PT ingressaram com uma ação civil pública para tentar barrar a volta às aulas. Inalcançável pela Justiça e fiel ao seu estilo desafiador, Reis não somente manteve os estabelecimentos abertos, como também não respeitou o feriadão decretado pelo governo estadual no fim de março. “Em sua maior parte, as escolas não oferecem segurança e são muito precárias, localizadas em prédios antigos e sem ventilação adequada. É uma situação muito difícil, mas, mesmo assim, o prefeito peitou e estamos em greve pela vida”, afirma a professora Renata Róseo, da direção do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação em Duque de Caxias.

Desde a volta às aulas, há registros de casos de Covid-19 em mais de 60 escolas no município, com oito mortes entre professores e funcionários das escolas. A prefeitura imunizou os profissionais do setor em uma vacinação sem tumultos, mas o sindicato quer mais: “Queremos o fechamento das escolas porque desde março Caxias oscila entre as bandeiras roxa e vermelha, que indicam alto índice de contaminação. Nossa sorte é que poucos alunos frequentam as aulas, pois a maior parte da comunidade escolar optou pelo ensino remoto”, diz Róseo. A sindicalista lamenta a postura do prefeito: “Duque de Caxias foi a última cidade do estado a entrar no isolamento e a primeira a sair. Por aqui segue vida normal, você vê a falta do uso de máscaras por todo lado. Não há política pública voltada ao cuidado da população. A pandemia é ignorada em Caxias e o prefeito sempre manteve tudo aberto. Para ele, a pandemia não aconteceu”.

Reis, que não atendeu aos pedidos de esclarecimentos de CartaCapital, transformou a vacinação em Duque de Caxias em um espetáculo grotesco, para não dizer criminoso, ao expor idosos à contaminação em filas quilométricas, não informar com precisão o número de doses disponíveis, nem prestar qualquer esclarecimento sobre os dados concretos da campanha. No circo político e midiático montado pelo prefeito, o povo faz o papel de palhaço.

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