Saúde

Poluição se revela como um dos fatores agravantes da pandemia de Covid-19, mostra estudo

O estudo confirma não apenas a necessidade de ventilação e controle da qualidade do ar como medida preventiva para a Covid-19, mas como uma importante demanda de saúde pública

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Mais um fator parece vir se somar às muitas descobertas sobre a ainda enigmática Covid-19: a má qualidade do ar como agravante para a doença. É o que aponta um estudo realizado por dois grandes centros franceses de pesquisa, publicado na edição deste mês de agosto na revista científica Science of the Total Environment.

Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês) e do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica (Inserm, em francês) mostram que as cidades mais poluídas estão entre as que apresentaram mais casos graves e um maior número de óbitos durante a pandemia de coronavírus.

A cidade de Paris e a região da Lombardia, no norte da Itália, estão entre os exemplos que ratificam a teoria. Além de sofrerem gravemente durante o pico da pandemia, elas também têm em comum o ar de má qualidade. De acordo com Jean-Baptiste Renard, diretor de pesquisa do CNRS no Laboratório de Física e Química do Meio Ambiente e Espaço, foram as cidades mais poluídas que experimentaram as maiores taxas de mortalidade por Covid-19.

Confirmando a hipótese, outras cidades francesas, como Bordeaux e Brest, muito menos poluídas por terem seu ar mais frequentemente renovado pelas brisas marinhas, não foram palco de crises tão severas.

Em parceria com Isabella Annesi-Maesano, diretora de pesquisa do Inserm e especialista em questões de poluição do ar, o pesquisador do CNRS destaca evidências de uma relação entre o nível de exposição a partículas finas (PM2,5, com diâmetro inferior a 2,5 micrômetros) e a mortalidade por Covid-19. A associação entre os dois fatores, em si, não é tão inédita. O estudo se destaca por estar entre os que conseguem quantificar o fenômeno.

Muitos estudos, pouca precisão

O pneumologista Ubiratan de Paula Santos, membro da Comissão de Doenças Respiratórias Ambientais e Ocupacionais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) desconhece estudos semelhantes no Brasil, mas afirma que pesquisas recentes realizadas na Itália e nos Estados Unidos confirmam a teoria de que uma maior concentração de materiais particulados finos estaria relacionada ao aumento de internações graves e mortalidade.

São Paulo, por exemplo, apresenta uma concentração de 20 microgramas de particulados finos por metro cúbico, quando o recomendado pela OMS é de menos de 10 microgramas”, ele compara. Outras pesquisas, sendo uma realizada em seis hospitais de Nova York e somando 6.540 pacientes de Covid-19, mostram variações de mortalidade de 8% a 20%. Já a Sociedade Americana do Tórax aponta alta de 11% nas mortes e 13% das internações em UTIs associada à má qualidade do ar.

O especialista da SBPT ainda elucida a dinâmica como poluição e coronavírus agem “em parceria” no agravamento do estado de saúde dos pacientes. Lembrando que o vírus causa a inflamação das vias respiratórias e se expande pela circulação sanguínea, podendo alcançar outros órgãos do corpo humano, Ubiratan de Paula Santos explica que um organismo já afetado pelo processo inflamatório causado pela poluição ficará ainda mais sobrecarregado e terá mais dificuldades em reagir à doença.

O pneumologista alerta também que ainda serão necessários muitos outros estudos, realizados por mais centros de pesquisa em diferentes países, em mais longo prazo e com amostras maiores para se chegar a informações mais precisas, uma vez que os resultados conhecidos hoje ainda são muito segmentados. “Temos informações sendo tratadas de diferentes formas em diferentes partes do mundo. Além disso, pesquisas como essas são mais generalistas, em que as pessoas não estão sendo expostas de maneira idêntica, logo, os resultados não podem ser precisos”, adverte Ubiratan de Paula Santos.

A pesquisa dos institutos franceses utiliza como universo 32 cidades e regiões de seis países da Europa (França, Alemanha, Itália, Espanha, Holanda e Reino Unido) no intervalo de tempo entre 2020 e 2022, e mostra que os maiores níveis de mortalidade são observados durante os picos de poluição e oscilam de acordo com sua intensidade.

Poluição x mortalidade

O estudo francês também chama a atenção por conseguir estabelecer uma proporcionalidade nesta relação. Com base na análise de todos os dados, os pesquisadores conseguiram identificar uma tendência: um aumento na mortalidade da ordem de um fator de 5 é observado quando as concentrações de PM2,5 alcançam os 45 microgramas por metro cúbico. Níveis alcançados exatamente nas cidades de Paris e da Lombardia. Com isso, os pesquisadores acreditam em uma proporção de um aumento de cerca de 10% na mortalidade por micrograma por metro cúbico de partículas finas adicionais.

Durante uma primeira fase da pandemia, quando as medidas sanitárias ainda engatinhavam e não havia vacinação, e a disseminação do vírus aumentava rapidamente, a mortalidade aumentou cerca de 20% por micrograma por metro cúbico de PM2,5 após os picos de poluição. A proporção, no entanto, cai para cerca de 5% após a implantação massiva da vacinação.

A capital francesa é, sem dúvida, o caso mais emblemático entre os analisados na pesquisa. As curvas de mortalidade por Covid-19 e de poluição se sobrepõem em Paris. Durante a primeira onda de Covid-19, no início de 2020, momento de grande poluição, o número de mortes diárias por milhão de habitantes aumentou dez vezes, subindo para 20 (ou seja, um aumento repentino de um fator de cerca de 10).

Jean-Baptiste Renard afirma que cada vez que há um pico de poluição acima de 15 a 20 microgramas por metro cúbico durante uma semana, é observado, em seguida, um aumento repentino na mortalidade. Outros estudos já haviam comprovado que a poluição do ar desencadeia processos inflamatórios, diminuindo a resposta imune do organismo a infecções.

Para os especialistas, o estudo confirma não apenas a necessidade de ventilação e controle da qualidade do ar como medida preventiva para a Covid-19, mas como uma importante demanda de saúde pública, enquanto fator de relevância para a qualidade de vida nas grandes cidades.

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