Saúde

O açúcar é o verdadeiro inimigo, e não a gordura

Documentário americano sobre a obesidade pede leis que limitem o consumo de adoçantes daninhos ocultos em alimentos “saudáveis”. The Observer

80% dos produtos vendidos nos supermercados dos Estados Unidos têm açúcar adicionado
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Por Edward Helmore, em Nova York

Primeiro veio “Uma Verdade Inconveniente”. Depois  Nação Fast Food: Uma Rede de Corrupção. Então foi Blackfish: Fúria Animal. Cada um mostrava o poder de documentários bem sucedidos, aclamados pela crítica, de modificar as percepções sobre questões polêmicas que vão do aquecimento global aos maus-tratos a animais em cativeiro e o comportamento das gigantes da indústria alimentícia.

Agora vem Fed Up, um filme que examina o problema global do crescimento dos índices globais de obesidade humana e doenças relacionadas à obesidade. O filme, produzido por Laurie David, ex-mulher de Larry David, criador de Seinfeld, e narrado pela jornalista da tevê Katie Couric, pretende contestar décadas de enganos e desinformação patrocinados pela indústria de alimentos sobre dietas e exercícios, boas e más calorias, genes de gordura e estilo de vida.

Quando se trata de obesidade, a gordura pode não ser sua amiga, mas não é tão inimiga quanto o açúcar, diz o consultor científico do filme, Robert Lustig, um neuroendocrinologista, autor e presidente do Instituto para Nutrição Responsável. É uma visão que está conquistando o apoio de médicos.

Um estudo do governo americano descobriu recentemente que 17% das crianças e jovens entre 2 e 19 anos são considerados obesos. Outro previu que as crianças americanas de hoje viverão menos que seus pais. Laurie David, que fez o filme sobre mudança climática Uma Verdade Inconveniente, considera essa estatística “preocupante e trágica”.

Segundo Lustig, porém, nem a obesidade nem a gordura são o problema. “A indústria alimentícia quer que você se concentre em três mentiras que a impedem de enfrentar questões de culpabilidade. Uma é sobre a obesidade. A segunda é que uma caloria é uma caloria. A terceira é sobre responsabilidade pessoal.

“Se a obesidade fosse o problema, as doenças metabólicas que geralmente aparecem nos obesos não se manifestariam nos índices verificados na população de peso normal. Mais da metade das populações dos Estados Unidos e do Reino Unido estão experimentando efeitos normalmente associados à obesidade. Se mais da metade da população tem problemas, não pode ser uma questão de comportamento. Deve ser um problema de exposição. E essa exposição é ao açúcar.”

O filme afirma que as redes de fast food e os fabricantes de alimentos processados aumentaram a quantidade de açúcar nos alimentos de “baixo teor de gordura” para torná-los mais palatáveis.

O acréscimo de açúcar aumenta o problema não apenas dos grupos de baixa renda, que muitas vezes são associados a questões de saúde relacionadas à dieta, mas para todos os níveis da sociedade, dizem os cineastas. Segundo o filme, as grandes empresas estão nos envenenando com alimentos comercializados sob o disfarce de benéficos à saúde.

A diabetes precoce, uma condição associada à exposição ao açúcar de cana e ao xarope de milho, era virtualmente desconhecida alguns anos atrás. Se os atuais índices continuarem, um em cada três americanos terá diabetes em 2050. “A obesidade custa muito pouco e não é perigosa em si”, diz Lustig, que trabalha com a campanha Ação Contra o Açúcar no Reino Unido. “Mas a diabetes custa muito em termos de evolução social, redução da produtividade, custos médicos e farmacêuticos e morte.”

Mas enquanto a luta contra a obesidade é liderada pela primeira-dama Michelle Obama, os esforços para conter a indústria de açúcar de modo geral falharam. Em 2003 o governo Bush ameaçou reter verbas para a Organização Mundial de Saúde se ela publicasse diretrizes nutricionais que defendiam que não mais de 10% das calorias de uma dieta diária deveriam vir do açúcar. Além disso, Washington adoçou os lucros dos fabricantes de adoçantes baseados em milho ao conceder bilhões de dólares em subsídios ao setor.

Os cineastas dizem que não é do interesse das empresas alimentícias, de bebidas ou farmacêuticas reduzir o conteúdo de açúcar. “É lucrativo demais”, diz Lustig. A indústria farmacêutica fala em tratamento da diabetes, e não em prevenção. “A indústria da alimentação cria uma doença e a indústria farmacêutica a trata. Eles ganham como bandidos enquanto todos nós somos levados à lavanderia.”

Lustig diz que há necessidade de leis. O modelo para regulamentação é o álcool, já que o álcool se metaboliza como açúcar e produz muitas das mesmas doenças crônicas, enquanto a gordura é metabolizada de modo diferente.

Mas Lustig acredita que campanhas educativas ou diretrizes do governo por si sós são inadequadas para abordar problemas de abuso de substâncias. “O que é necessário é limitar a disponibilidade para reduzir o consumo e reduzir os problemas de saúde relacionados ao açúcar”, diz ele.

As propostas incluem colocar advertências de saúde nas latas de refrigerantes, dar o mesmo tempo de publicidade ao marketing de frutas e legumes e acordos voluntários para reduzir o conteúdo de açúcar.

Lustig diz: “Se a indústria alimentar continuar ofuscando, nunca solucionaremos isto e em 2026 não teremos atendimento de saúde porque estaremos falidos. Os produtores de alimentos terão de ser obrigados. Só há um grupo que pode obrigá-los, e é o governo. Há um grupo que pode obrigar o governo, e é a população”.

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