Saúde

Novo atraso no calendário de vacina pode gerar terceira onda de Covid-19, alerta especialista

Possibilidade de surgimento de novas variantes está entre os riscos da vacinação não ser em massa

A vacina Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Foto: CARL DE SOUZA/AFP
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A nova expectativa do Ministério da Saúde, que agora aponta setembro como mês provável para concluir a imunização de todos os grupos prioritários, elevou a ansiedade do cidadão comum que não aguenta mais esperar pela vacina contra o coranavírus e trouxe mais preocupação ao meio científico: se a vacinação em massa passar deste ano, justamente os que compõem a parcela mais frágil, os idosos, correm risco porque não se sabe ainda por quanto tempo a vacina irá protegê-los.

Além disso, esse atraso no calendário de vacinação, num país que não consegue fazer isolamento social, pode provocar uma terceira grande onda de mortes.

“Esse ritmo lento, que avança de forma muito paulatina para diferentes extratos da população, pode levar à ocorrência de três problemas: o primeiro é o surgimento de novas variantes, pois quanto mais o vírus se dissemina livremente em indivíduos não vacinados, maior a probabilidade de aparecimento de variantes, inclusive algumas não suscetíveis à vacina. Segundo é a probabilidade de uma terceira onda de contágio e mortes nos lugares onde já houve uma primeira e uma segunda onda. É uma possibilidade real, como aconteceu na Europa. Se vacinássemos a população antes de isso acontecer, evitaríamos muitas mortes. E tem uma terceira consequência possível: como a gente não sabe durante quanto tempo dura a imunidade induzida por vacinas, esperamos que seja muito, mas não sabemos, quem foi vacinado primeiro pode perder a imunidade até se imunizar todos os extratos da população. Por isso a vacinação em massa é muito importante”, disse à RFI o médico Alexandre Cunha, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.

O governo havia falado que em maio os grupos prioritários, como idosos, portadores de comorbidades e determinados nichos profissionais, estariam imunizados abrindo as doses para a população em geral.

Mas o ministro da saúde, Marcelo Queiroga, disse que esse cálculo feito pela equipe do antecessor Eduardo Pazuello era otimista demais para a realidade de percalços que o país enfrenta atrás de insumos. Queiroga afirmou, por sua vez, que há todo um esforço para encurtar a nova previsão.

Jovens com sequelas

O cenário ainda é catastrófico, mas os números indicam certa estabilização, pouco abaixo do ápice de mais de quatro mil mortes diárias a que o país assistiu semanas atrás. Não se sabe se o fatal patamar vai descer mais e em qual velocidade, ou se vai se manter num platô assombroso de três mil mortes por dia.

A Covid-19 tem avançado sobre os mais jovens, com crescimento superior a 1.000% nas internações de pacientes entre 30 e 59 anos, segundo levantamento epidemiológico da Fiocruz, na comparação entre a primeira semana de janeiro e a última de março deste ano.

Até a faixa etária entre 20 e 29 anos engrossa as estatísticas, com aumento de quase 300% nas mortes desse grupo em São Paulo entre fevereiro e março, apontam dados da Secretária de Saúde do estado. E alguns dos que sobrevivem, especialmente aos casos mais graves, carregam as sequelas da doença por vários meses.

“Os jovens, devido ao tempo maior de internação, até porque em tese têm mais chance de lutar e sobreviver à doença, estão tendo sequelas pós Covid. O que seria? Eles estão tendo fraqueza muscular, perda de massa muscular, dificuldade de respiração. Às vezes um descontrole nos batimentos cardíacos, ficam alterados. Mas também estou vendo casos mais graves após a infecção. Um exemplo é trombose no coração. E isso em pessoas extremamente saudáveis, até atletas, que praticavam atividade de alto nível, mas que acabam tendo essa condição pós Covid. E a maioria deles fica surpresa porque não esperava, pela idade e condição física, que seria acometida com esse tipo de sequela”, alerta o educador físico Vilter Moraes, que tem trabalhado na recuperação de pacientes em Jales, interior de São Paulo.

Renascimento

A RFI conversou com a psicóloga e servidora pública Rosany Fonseca, de 50 anos, que mesmo com todo cuidado contraiu o vírus no fim do ano do marido, que retornou de uma viagem sem sintomas. Ela ficou dez dias internada em janeiro, sete deles na UTI. Mesmo com boa condição física, caminhando cinco quilômetros todos os dias, Rosany viu sua saúde sucumbir ao vírus:

“Meu quadro era tão delicado que eu tomava remédios, em doses altas, de quatro em quatro horas. Houve um momento em que pedi algo para dormir, não estava aguentando. Pedi para Deus cuidar dos meus filhos e que fosse feita a vontade dele”, afirmou ao relator o momento mais tenso que passou na internação.

O médico elevou ainda mais a dosagem de alguns remédios e a psicóloga, ao fim, não precisou ser entubada. Sobreviver a um quadro grave da doença é um “renascimento” para pacientes e cada dia é uma luta para superar traumas físicos e mentais.

“Pelo meu histórico, pelo que eu passei, me disseram que a minha recuperação ia durar mais ou menos seis meses. E assim estou indo. No dia 4 de março eu voltei ao hospital e fiz uma nova tomografia. Fui internada em janeiro, mas mês passado eu ainda estava com 30 a 50% do pulmão comprometido com sequelas, com manchas brancas pós-infecção. São sessenta dias de medicação para não coagular, mais o corticoide, mais o antibiótico, mais remédio para o estômago. E hoje eu sigo em processo de recuperação. Ainda não estou 100%, mas em comparação com o que eu passei, sinto que sou uma outra pessoa, porque renasci no dia 22 de janeiro”.

Rosany Fonseca contou que a Covid a acompanha nos afazeres simples do dia a dia: “Ainda sinto muito cansaço e muita dor. Hoje mesmo eu fui ao mercado e trouxe umas compras. Isso é muito difícil porque eu não consigo carregar direito, ainda não tenho força, o cansaço toma conta, as minhas costas começam a doer, aí tenho que parar, tenho que respirar. Também tenho que aprender que, ou eu ando ou eu falo. Os dois ao mesmo tempo eu não consigo.”

A funcionária pública também relatou o peso de um quadro grave da Covid no lado mental dos sobreviventes.

“A doença destrói a gente física até emocionalmente. Depois que eu voltei do hospital, por mais de um mês, tinha crises de choro todos os dias, porque tudo para mim iria acabar em morte, em tragédia, em coisas ruins. Às vezes eu pedia para meu filho ir ao mercado aqui perto. O fato dele demorar um minuto, cinco minutos a mais do que estava previsto para chegar, eu já entrava em desespero, por achar que poderia ter acontecido alguma coisa com ele. Desenvolvi o transtorno do estresse pós-traumático mesmo. Não tenho nenhum problema em dizer isso, hoje eu tomo antidepressivo para tentar controlar um pouco essa ansiedade, porque estava ficando muito difícil, não estava conseguindo dormir mais, manter um equilíbrio. Estou fazendo minhas fisioterapias dentro de casa. Estou sempre buscando ajudar aqueles que precisam, inclusive ao falar do perigo dessa doença”.

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