Saúde

Médico dança com paciente em UTI para comemorar recuperação por coronavírus

Profissional fala sobre a importância da medicina humanizada, narra rotina tensa em meio à pandemia e defende o SUS: ‘Nossa maior proteção’

Créditos: Reprodução/Redes sociais
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Pedro Carvalho Diniz compartilhou uma cena de esperança em meio à pandemia do coronavírus. O médico aparece em um vídeo dançando forró com uma paciente, dentro da UTI do Hospital Universitário da Universidade Federal do Vale do São Francisco, em Petrolina, Pernambuco. Ao fundo, a equipe médica canta Asa Branca, de Luiz Gonzaga.

A música foi escolhida por Jéssica Gomes, que voltava à vida depois de 14 dias entubada por ter contraído covid-19. A professora universitária completou 30 anos no período em que esteve internada. A dança marcou o seu 18º dia na luta pela vida.

“Eu ainda me emociono de falar sobre o doutor Pedro e a dedicação da equipe com o meu caso. A dança marcou esse momento de esperança, de vida, depois de superada uma doença tão tenebrosa. Eu tive a sorte de ter essa equipe e a vida de volta. Muitas pessoas não têm tido essa chance”, relata.

Os caminhos do médico plantonista da UTI Covid e da jovem, hoje recuperada, se cruzaram no início de abril. Jéssica foi a primeira paciente de Diniz em meio à pandemia. O médico conta que ela chegou ao hospital depois de ter ficado internada em uma unidade de pronto atendimento e registrar piora progressiva no quadro respiratório. Jéssica é hipertensa e diabética. “Ela chegou consciente, conversando, ciente da gravidade de seu caso e ansiosa pelo resultado do seu exame para o coronavírus”, relembra o profissional. Além de positivo para coronavírus, Jéssica também teve a gripe H1N1.

Depois de 24 horas, veio a decisão de entubá-la. O médico explicou que, para além dos parâmetros de oxigenação considerados normais, que vão de 90 a 100%, se avalia o tipo de dificuldade que o paciente tem para manter a respiração ativa, motivo que o levou a decidir pelo procedimento. A decisão foi compartilhada, garante o profissional.

Medicina humanizada

“Foi uma situação bastante tensa, até pelo medo que ela tinha de ser entubada. Mas eu expliquei a ela exatamente tudo o que seria feito, os riscos e as chances do tratamento. Esse é o primeiro passo da humanização da medicina, e não deveria acontecer só nessa situação de pandemia, mas em todas as outras, desde uma consulta em uma unidade de saúde básica. A gente precisa conversar sobre a doença, buscar entender o que paciente entende sobre ela e as condutas. Precisamos sair dessa lógica prescritiva, respeitar o sujeito que está ali, sua história de vida, seus valores. Isso ajuda no sucesso de qualquer tratamento”, assegura Diniz.

Uma semana depois, o médico conta que teve que repetir o procedimento dada a necessidade de trocar o tubo respiratório da jovem. No décimo quarto dia de sua internação, foi Diniz quem a extubou. “Calhou disso acontecer novamente no meu plantão. A Jéssica já estava com níveis baixo de sedação [para fazer o procedimento, os pacientes são 100% sedados], se comunicando com a equipe médica escrevendo em uma prancheta e ali explicamos que iríamos extubá-la”, detalha o profissional.

No dia em que a paciente foi extubada, a equipe médica cantou parabéns para ela. Também foi permitido que ela usasse o celular para que fizesse uma vídeo chamada com seus familiares. Dois dias depois, a coordenadora da UTI articulou uma visita da família da paciente, que a viu de longe, da rua. “Conduzimos ela até uma varanda do hospital e ela pode reencontrar os seus, ainda que à distância. Esse momento foi muito forte para todos nós”, conta o médico, emocionado.

Covid-19: a doença da solidão

Embora haja um esforço das equipes médicas para estudar e comentar os casos, Pedro Diniz afirma que, por ser uma doença nova, todos estão aprendendo com o coronavírus à medida que ele acontece. “Percebemos que a maior parte das pessoas se mantêm assintomáticas, outras apresentam sintomas leves, mas também que as que ficam graves, ficam muito graves, em decorrência das complicações respiratórias”. De acordo com o levantamento do Ministério da Saúde divulgado na terça-feira 28, o coronavírus tem índice de letalidade de 7% no País; 45% dos pacientes se recuperaram.

 

O médico também comenta a faceta solitária da doença, que exige não só do paciente, mas de todas as pessoas envolvidas, como familiares e profissionais de saúde. “Apesar de estar no mundo todo, a covid-19 é a doença da solidão, do anonimato. Nós, profissionais de saúde, somos anônimos para os pacientes por conta dos EPIs (equipamentos de proteção individual), em todo o percurso eles nos conhecem só pelo nome. E eles também ficam isolados, sem qualquer contato com pessoas conhecidas”, comenta, reforçando a necessidade de momentos de celebração, como no desfecho do caso de Jéssica.

Tensão entre as equipes

Diniz também relata a tensão que acompanha o dia a dia das equipes de saúde. “Lidamos com o risco da contaminação diária. O maior risco de contaminação acontece ao retirarmos os EPIs, é cansativo, tenso”, afirma. O médico já chegou a ficar 12 horas sem tirar o equipamento, comer ou ir ao banheiro, pelo medo da infecção. Também pesa sobre as equipes médicas do País a baixa de capital humano, dado o tempo de afastamento que os profissionais têm que cumprir quando infectados, o que faz com que os demais trabalhem por mais horas. Pedro só tem os domingos de folga, todos os demais está no hospital. Quando não está na UTI, para a qual dedica 24 horas semanais, atua como gestor da unidade.

O hospital onde o médico atua tem 28 leitos dedicados para a covid-19, oito de UTI e 20 para internações. A unidade não sofre com saturação de sua capacidade de atendimento para a covid, mas não é descartada a possibilidade dos hospitais do interior terem que atender pacientes da capital. De acordo com levantamento do Ministério da Saúde da terça-feira 28, o estado de Pernambuco tem a segunda maior taxa de letalidade do País, 53%, ficando atrás apenas do Amazonas, com 85%. Até a data, eram 508 óbitos e 5724 casos confirmados.

Defesa do SUS

O profissional fala sobre a complexidade da doença sobre as estruturas do País. “A covid-19 é uma doença completa, que não afeta só o indivíduo, mas todo o sistema de saúde, além de seus impactos sociais, porque sabemos que o distanciamento social, método de maior potencial de redução de expansão da doença, tem seus efeitos colaterais”, avalia. “Isso é ainda mais agravante em um momento como esse, que sofremos pela falta de boas lideranças no país”, critica.

O médico faz uma defesa intransigente ao Sistema Único de Saúde. “É comum ouvir as pessoas falando: o SUS não funciona, como se ele fosse uma pessoa chata, ruim. Ele é um sistema, que precisa de subsídios, ser auditado e defendido, para que funcione bem. A covid-19 chega a um sistema que já sofria por falta de investimentos. O SUS é nossa maior proteção”, defende. Embora o hospital que atue não tenha saturação nos atendimentos do coronavírus, já chegou a atuar com quase 200% acima de sua capacidade de atendimento, antes da pandemia. A unidade possui 139 leitos para casos clínicos.

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