Saúde
Medicina das alturas
A revista New England Journal of Medicine publicou um estudo sobre os problemas envolvidos na prática de esportes em grandes altitudes


Na semana passada, um amigo completou a escalada do Kilimanjaro, na Tanzânia, a montanha mais alta da África. São 5.895 metros acima do nível do mar. Conversando sobre isso no hospital, descobri que há vários profissionais da saúde que, rotineiramente, viajam para destinos apropriados para o alpinismo, uma prática associada a aventura, esforço e risco que exige muito da mente e do corpo.
Coincidentemente, no último número da prestigiosa revista médica New England Journal of Medicine, os doutores A.M. Luks e P.H. Hackett detalharam o conhecimento médico dos esportes em grandes altitudes.
Afinal de contas, muitos alpinistas sofrem problemas potencialmente sérios durante a escalada, entre eles dor de cabeça intensa, mal-estar, edema (inchaço) do cérebro e dos pulmões. Quem tem problemas cardiopulmonares, mesmo leves, deve ser avaliado cuidadosamente antes de embarcar nessa aventura. Um estudo observou que muitos alpinistas tomavam medicamentos diariamente.
Acima de 2,5 mil metros, a altitude afeta progressivamente os escaladores. Trata-se de um resultado direto da queda da pressão atmosférica e consequente queda da concentração de oxigênio no ar. O corpo, se submetido a essa situação, lança mão de vários mecanismos fisiológicos para compensar a diminuição do oxigênio no sangue.
Verifica-se, por exemplo, o aumento imediato da frequência cardíaca e da respiração, e do fluxo de sangue para o cérebro. O aumento do volume de sangue e da hemoglobina é detectado já nos primeiros dois dias.
O risco de complicações importantes depende não somente da elevação atingida, mas também da intensidade e da duração do esforço nessa altitude. Mesmo a simples subida de carro acima de 2,5 mil metros para a observação de paisagens, sem esforço físico, só pode ser tolerada por uma pessoa com problemas cardiorrespiratórios por, no máximo, uma ou duas horas.
Segundo o doutor Luks, a dor de cabeça intensa é, de longe, o problema mais comum (37%), seguido de mal-estar e náuseas (25%). De acordo com o estudo, a escalada do Kilimanjaro foi associada a maior índice de cefaleia e mal-estar. O edema cerebral e pulmonar, por outro lado, é mais raro, mas apresenta risco grave, podendo também ser fatal em alguns casos.
Esses problemas são relacionados à velocidade de ascensão. Acima de 3 mil metros, recomenda-se não subir mais que 500 metros por dia, e incluir um dia de descanso a cada quatro dias. A prática de treinamentos pré-escalada pode ajudar na adaptação.
O que é fundamental, no entanto, é a avaliação minuciosa da condição clínica do alpinista antes do início da escalada. Só assim é possível detectar problemas impeditivos e orientar sobre o uso de medicamentos protetores e também quanto à velocidade e à técnica de ascensão e de esforço.
Há, infelizmente, algumas pessoas que apresentam doenças que fazem com que o alpinismo seja praticamente contraindicado para elas. É o caso dos portadores de enfisema e hipertensão pulmonar extensa, angina e insuficiência cardíaca, gravidez de risco, infarto ou derrame nos últimos três meses, anemia falciforme e convulsões sem controle adequado.
Recomenda-se, apesar da dificuldade logística de transporte, que se leve um suporte para suplementação de oxigênio, caso se faça necessário. Sem dúvida, a orientação médica detalhada e um bom planejamento da viagem – incluindo técnicas de escalada e uso de equipamentos adequados – são os fatores que mais reduzem os riscos envolvidos nessas aventuras.
Os cientistas recomendam também que cada passo seja planejado com a assistência de pessoas treinadas e experientes nas diferentes montanhas. É importante, além disso, não exagerar ou ultrapassar os limites do corpo de cada um. Infelizmente, alguns alpinistas ainda perdem a vida tentando ultrapassar desafios cada vez mais extremos. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1195 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE FEVEREIRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Medicina das alturas”
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