Saúde

Brasil barra medicação contra câncer na medula

Anvisa ainda não autorizou uso da lenalidomida, utilizada em diversos países da Europa e nos EUA após resultados eficazes em estudos clínicos

O mieloma múltiplo atinge idosos com mais frequência. Foto: Marcel Oosterwijk/Flickr
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De San Diego*

Há cerca de três anos, pacientes de mieloma múltiplo, a indústria farmacêutica e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) travam uma queda de braço pela liberação do medicamento lenalidomida no Brasil.

A droga utilizada no tratamento do mieloma múltiplo, um tipo de câncer incurável da medula óssea, é aprovada em mais de 70 países, segundo a International Myeloma Foundation (IMF). Para especialistas, o medicamento é uma das opções mais eficientes no controle da doença, mais comum em pacientes acima de 60 anos.

 

 

 

Nesta “disputa”, a IMF se movimenta publicamente para pressionar a Anvisa e conduz um lobby em busca da aprovação da droga. Em setembro de 2011, entregou ao órgão de saúde um documento com mais de 22 mil assinaturas para a liberação do medicamento.

A IMF, que recebe patrocínio do laboratório internacional dono da patente da lenalidomida, é a maior organização voltada para mieloma do mundo e financia diversas pesquisas na área. Dos seus cerca de 100 mil integrantes, 50 mil possuem a doença.

Vânia Hungria, professora da Santa Casa de São Paulo e Diretora Técnica da entidade, não ignora o interesse do laboratório em entrar no mercado brasileiro, mas defende também ser preciso analisar a eficácia do medicamento. “A aprovação do remédio vai garantir outra opção de tratamento, embora nem todas as pessoas precisem recorrer a essa droga”, diz a CartaCapital, no 53º encontro anual da Sociedade Americana de Hematologia (ASH, sigla em inglês), em San Diego, Estados Unidos, no início de dezembro.

Em diversos países da Europa e nos EUA, a lenalidomida é utilizada como primeira opção no tratamento do mieloma múltiplo, apoiada em estudos clínicos bem sucedidos. A Anvisa informou, contudo, em setembro de 2011, que três áreas técnicas diferentes negaram o registro do medicamento no País por não considerá-lo seguro ou eficaz.

Procurada pela reportagem de CartaCapital, a agência de saúde declarou, por meio da assessoria de imprensa, que não tem posicionamento em relação ao medicamento por este não ser registrado. “O processo de aprovação do produto corre em sigilo, por isso não há detalhes sobre o mesmo”, diz a nota.

“A Anvisa quer estudos de comparação entre o medicamento de primeira linha no Brasil com a lenalidomida que são desnecessários, pois a droga tem resultados comprovados”, justifica a professora Hungria.

O remédio “padrão” no Brasil, aplicado ainda no tratamento da hanseníase, também é considerado eficiente por especialistas consultados pela reportagem de CartaCapital, além de ter baixo custo. Por outro lado, a medicação possui efeitos colaterais capazes de atrapalhar o tratamento e de comprometer a qualidade de vida dos pacientes.

Entre os problemas mais citados, estão o aparecimento de neuropatias, como o formigamento das extremidades do corpo, e a perda total de sensibilidade nestas áreas. Problemas que impedem os pacientes de utilizar a medicação por um tempo prolongado. “A doença não tem cura. As pessoas tratam, melhoram, recaem e tratam novamente”, aponta Hungria.

Neste aspecto, a lenalidomida, segundo especialistas, é melhor tolerada pelo organismo e os pacientes conseguem utilizá-la por mais tempo. Isso não significa, porém, que a droga seja livre de efeitos colaterais.

Phillip Scheinberg, chefe de Hematologia do Hospital São José (SP) e ex-pesquisador do National Heart, Lung, and Blood Institute (Instituto Nacional de Coração, Pulmão e Sangue), nos Estados Unidos, explica que a lenalidomida faz parte da mesma família do remédio utilizado como primeira linha no Brasil, alterado para ser menos tóxico. “Os riscos são menores, mas não são reduzidos a zero.”

Além da controvérsia sobre tratamentos, Hungria aponta que no Brasil a doença costuma ser diagnosticada em estado avançado. “A maior parte dos casos poderia ser identificada pelo exame eletroforiage de proteínas, que deveria ser inserido na lista check up por servir para identificar outras doenças após os 40 anos de idade.”

Segundo a professora da Santa Casa, estudos indicam que a doença atinge quatro a cada 100 mil pessoas. “No Brasil, não há dados precisos. Mas, nos Estados Unidos estima-se que cerca de 19 mil casos sejam identificados todos os anos.”

Controvérsias

Mesmo sendo considerada uma opção menos arriscada para o tratamento do mieloma múltiplo em diversos países, Scheinberg destaca que estudos apresentados no ASH de 2010 apontam para a possibilidade de complicações com o uso prolongado da lenalidomida.

Segundo trabalhos daquele ano, a adesão prolongada à droga pode estar relacionada com maior risco do aparecimento de outros tipos de câncer. “Há muita controvérsia sobre esses dados”, explica o hematologista. “O risco pode estar relacionado ao uso associado com outras drogas e, no momento, os médicos em geral acreditam que os benefícios superaram os riscos.”

Além disso, o uso do medicamento padrão no Brasil também já foi “responsável por diversos casos de má formação de fetos décadas atrás”, completa.

O hematologista afirma que a lenalidomida pode melhorar a qualidade de vida dos pacientes, mas não há indícios de aumento da sobrevida. No passado, os indivíduos diagnosticados viviam em média mais três anos, agora esse número passou para cinco.

Esse aumento, contudo, vem da evolução do tratamento, que combina outras drogas, como um todo. Um aspecto que Scheinberg aponta como possível saída para o medicamento não regulamentado pela Anvisa. “É plausível combinar a droga de primeira linha no Brasil com outra de melhor desempenho para obter resultados mais eficazes.”

Além disso, o hematologista aponta estudos do National Comprehensive Cancer Network, um banco de dados com pesquisas e orientações dos 21 centros de câncer líderes mundiais, que integram o medicamento utilizado no Brasil no tratamento da doença. “Essa droga é apontada como uma opção, embora não seja a primeira indicação.”

Mas a professora da Santa Casa destaca a necessidade de o Brasil se posicionar de maneira mais atualizada em relação aos medicamentos necessários para tratar doenças graves. “Há muitas opções novas aparecendo, mas no caso do mieloma múltiplo ainda estamos atrasados.”

E essas evoluções já se mostram promissoras. Na última edição do ASH, uma droga em fase de testes clínicos despontou como a possível terceira geração de medicamentos contra o mieloma múltiplo.

Estudos mostraram reação positiva ao tratamento em pacientes que não respondiam mais aos remédios disponíveis. “Alguns deles já haviam enfrentado cinco tipos de tratamento. Entre os trabalhos houve índices de resposta entre 34% e 50%.”

Com informações Agência Brasil.

*O repórter viajou a convite da International Myeloma Foundation.

De San Diego*

Há cerca de três anos, pacientes de mieloma múltiplo, a indústria farmacêutica e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) travam uma queda de braço pela liberação do medicamento lenalidomida no Brasil.

A droga utilizada no tratamento do mieloma múltiplo, um tipo de câncer incurável da medula óssea, é aprovada em mais de 70 países, segundo a International Myeloma Foundation (IMF). Para especialistas, o medicamento é uma das opções mais eficientes no controle da doença, mais comum em pacientes acima de 60 anos.

 

 

 

Nesta “disputa”, a IMF se movimenta publicamente para pressionar a Anvisa e conduz um lobby em busca da aprovação da droga. Em setembro de 2011, entregou ao órgão de saúde um documento com mais de 22 mil assinaturas para a liberação do medicamento.

A IMF, que recebe patrocínio do laboratório internacional dono da patente da lenalidomida, é a maior organização voltada para mieloma do mundo e financia diversas pesquisas na área. Dos seus cerca de 100 mil integrantes, 50 mil possuem a doença.

Vânia Hungria, professora da Santa Casa de São Paulo e Diretora Técnica da entidade, não ignora o interesse do laboratório em entrar no mercado brasileiro, mas defende também ser preciso analisar a eficácia do medicamento. “A aprovação do remédio vai garantir outra opção de tratamento, embora nem todas as pessoas precisem recorrer a essa droga”, diz a CartaCapital, no 53º encontro anual da Sociedade Americana de Hematologia (ASH, sigla em inglês), em San Diego, Estados Unidos, no início de dezembro.

Em diversos países da Europa e nos EUA, a lenalidomida é utilizada como primeira opção no tratamento do mieloma múltiplo, apoiada em estudos clínicos bem sucedidos. A Anvisa informou, contudo, em setembro de 2011, que três áreas técnicas diferentes negaram o registro do medicamento no País por não considerá-lo seguro ou eficaz.

Procurada pela reportagem de CartaCapital, a agência de saúde declarou, por meio da assessoria de imprensa, que não tem posicionamento em relação ao medicamento por este não ser registrado. “O processo de aprovação do produto corre em sigilo, por isso não há detalhes sobre o mesmo”, diz a nota.

“A Anvisa quer estudos de comparação entre o medicamento de primeira linha no Brasil com a lenalidomida que são desnecessários, pois a droga tem resultados comprovados”, justifica a professora Hungria.

O remédio “padrão” no Brasil, aplicado ainda no tratamento da hanseníase, também é considerado eficiente por especialistas consultados pela reportagem de CartaCapital, além de ter baixo custo. Por outro lado, a medicação possui efeitos colaterais capazes de atrapalhar o tratamento e de comprometer a qualidade de vida dos pacientes.

Entre os problemas mais citados, estão o aparecimento de neuropatias, como o formigamento das extremidades do corpo, e a perda total de sensibilidade nestas áreas. Problemas que impedem os pacientes de utilizar a medicação por um tempo prolongado. “A doença não tem cura. As pessoas tratam, melhoram, recaem e tratam novamente”, aponta Hungria.

Neste aspecto, a lenalidomida, segundo especialistas, é melhor tolerada pelo organismo e os pacientes conseguem utilizá-la por mais tempo. Isso não significa, porém, que a droga seja livre de efeitos colaterais.

Phillip Scheinberg, chefe de Hematologia do Hospital São José (SP) e ex-pesquisador do National Heart, Lung, and Blood Institute (Instituto Nacional de Coração, Pulmão e Sangue), nos Estados Unidos, explica que a lenalidomida faz parte da mesma família do remédio utilizado como primeira linha no Brasil, alterado para ser menos tóxico. “Os riscos são menores, mas não são reduzidos a zero.”

Além da controvérsia sobre tratamentos, Hungria aponta que no Brasil a doença costuma ser diagnosticada em estado avançado. “A maior parte dos casos poderia ser identificada pelo exame eletroforiage de proteínas, que deveria ser inserido na lista check up por servir para identificar outras doenças após os 40 anos de idade.”

Segundo a professora da Santa Casa, estudos indicam que a doença atinge quatro a cada 100 mil pessoas. “No Brasil, não há dados precisos. Mas, nos Estados Unidos estima-se que cerca de 19 mil casos sejam identificados todos os anos.”

Controvérsias

Mesmo sendo considerada uma opção menos arriscada para o tratamento do mieloma múltiplo em diversos países, Scheinberg destaca que estudos apresentados no ASH de 2010 apontam para a possibilidade de complicações com o uso prolongado da lenalidomida.

Segundo trabalhos daquele ano, a adesão prolongada à droga pode estar relacionada com maior risco do aparecimento de outros tipos de câncer. “Há muita controvérsia sobre esses dados”, explica o hematologista. “O risco pode estar relacionado ao uso associado com outras drogas e, no momento, os médicos em geral acreditam que os benefícios superaram os riscos.”

Além disso, o uso do medicamento padrão no Brasil também já foi “responsável por diversos casos de má formação de fetos décadas atrás”, completa.

O hematologista afirma que a lenalidomida pode melhorar a qualidade de vida dos pacientes, mas não há indícios de aumento da sobrevida. No passado, os indivíduos diagnosticados viviam em média mais três anos, agora esse número passou para cinco.

Esse aumento, contudo, vem da evolução do tratamento, que combina outras drogas, como um todo. Um aspecto que Scheinberg aponta como possível saída para o medicamento não regulamentado pela Anvisa. “É plausível combinar a droga de primeira linha no Brasil com outra de melhor desempenho para obter resultados mais eficazes.”

Além disso, o hematologista aponta estudos do National Comprehensive Cancer Network, um banco de dados com pesquisas e orientações dos 21 centros de câncer líderes mundiais, que integram o medicamento utilizado no Brasil no tratamento da doença. “Essa droga é apontada como uma opção, embora não seja a primeira indicação.”

Mas a professora da Santa Casa destaca a necessidade de o Brasil se posicionar de maneira mais atualizada em relação aos medicamentos necessários para tratar doenças graves. “Há muitas opções novas aparecendo, mas no caso do mieloma múltiplo ainda estamos atrasados.”

E essas evoluções já se mostram promissoras. Na última edição do ASH, uma droga em fase de testes clínicos despontou como a possível terceira geração de medicamentos contra o mieloma múltiplo.

Estudos mostraram reação positiva ao tratamento em pacientes que não respondiam mais aos remédios disponíveis. “Alguns deles já haviam enfrentado cinco tipos de tratamento. Entre os trabalhos houve índices de resposta entre 34% e 50%.”

Com informações Agência Brasil.

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