Saúde

HC de Ribeirão privilegia pacientes da rede particular

No Hospital das Clínicas de Ribeirão, pacientes do SUS esperam até um ano por consulta, enquanto usuários da rede particular são atendidos em até 15 dias

Fachada do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto: 530 mil pacientes por ano
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Uma fundação oficialmente sem fins lucrativos pode estar no centro de um escândalo. Escolhida para administrar o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, a Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência (Faepa) passou a utilizar equipamentos, médicos, laboratórios e macas da unidade pública para atender, sem fila, pacientes da rede particular.

Hospital mais importante da região de Ribeirão Preto – formada por 25 cidades e 1,3 milhão de habitantes –, o HC local atende 530 mil pacientes por ano, seis mil todos os dias. Ligado à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), a administração do complexo foi entregue à Faepa em 1989. Mas foi só no final da década de 1990 que seus diretores conseguiram regulamentar o atendimento a pacientes dispostos a tirar do bolso o direito de utilizar o hospital modelo sem entrar na fila.

Diante da polêmica de utilizar estrutura pública para fins privados, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) publicou em 1999 um parecer que autorizava a fundação a atender planos de saúde desde que esses pacientes não furassem a fila dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). No ano seguinte, o Ministério Público, o HC e a Faepa ratificaram um termo de conduta que condicionava o atendimento privado ao tratamento igualitário aos pacientes do SUS.

Estacionamento Faepa construiu estacionamento particular ao lado do HC

Não foi o que aconteceu. Em pouco tempo, o terreno público se transformou em um canteiro de obras – todas pensadas para o benefício dos novos usuários. Sob a justificativa de que precisava de mais fundos para cuidar do HC, a Faepa construiu um centro de convenções para 2.500 pessoas e um estacionamento pago próximo ao hospital. O estacionamento gratuito para os pacientes do SUS fica longe, a um quilômetro do hospital, em um dos pontos mais altos da cidade.

A fundação também construiu seu prédio administrativo na área mais valorizada do município e, embora o HC Criança esteja há 11 anos para sair do papel, a Faepa prevê para junho deste ano, depois de 17 meses, a entrega de um prédio ambulatorial para a Clínica Civil – nome dado ao atendimento particular montado dentro do HC.

Se não bastasse, a Faepa esperou apenas 20 dias após iniciar o atendimento a convênios para proibir que os pacientes do SUS marcassem consulta e exame no HC sem antes passar por alguma Unidade Básica de Saúde (UBS). Um médico que dá expediente tanto no HC como em uma UBS da região estimou em dois meses o tempo de espera para agendar uma consulta em uma Unidade Básica e mais seis meses, em média, para garantir atendimento no Hospital das Clínicas. “Para algumas especialidades, a espera é de até um ano: ortopedia, psiquiatria, endocrinologia, cardiologia, nutrologia”, enumera o médico, que falou sob anonimato.

A reportagem entrou em contato com a Clínica Civil. Para marcar uma consulta com um especialista em aparelho digestivo, paga-se de 300 a 400 reais, enquanto para ser atendido por um cardiologista, esse valor varia de 300 e 500 reais. “O paciente é atendido entre sete e 15 dias no máximo”, garantiu a atendente.

Sem dinheiro para furar a vila, a cabeleireira Maria Josenice de Oliveira, de 53 anos, aguarda retorno desde novembro, quando passou 16 dias internada no HC entre a vida e a morte. Diagnosticada com câncer, ela retirou a mama em janeiro de 2013. Em outubro do ano passado, passou por uma reconstituição, mas uma infecção obrigou a retirada da prótese e a sua internação por duas semanas.

laboratório hc Prédio ambulatorial para clientes privados: pronto em 17 meses

Maria é uma das 300 mulheres da Rema (Reabilitação de Mastectomizadas), uma associação de reabilitação de mulheres da região de Ribeirão Preto que retiraram o seio em razão de um câncer. “O HC restringiu os nossos exames de sangue e diagnóstico. Como não conseguimos consulta, elas estão morrendo”, diz. “Já perdi sete amigas que poderiam ter se curado se fossem examinadas a tempo.”

Aos que conseguem vaga, mais problemas. Além de assistirem aos clientes particulares receberem prioridade no atendimento, os usuários do SUS seriam atendidos de forma improvisada. É o que diz uma enfermeira que trabalha na emergência há 17 anos.

Também sob sigilo, ela assegura receber “corriqueiramente” a recomendação para reduzir o uso do material médico. “Falta seringa, sonda, luvas. Há alguns dias usei gaze no lugar do algodão para fazer assepsia antes de furar o paciente com a agulha”, conta. “Os materiais são de baixa qualidade e em número cada vez menor. Quando acaba a luva, a gente divide com outros enfermeiros por até dois dias.”

Essa não é a única reclamação dos funcionários do HC de Ribeirão. Embora o patrimônio social da fundação tenha saltado de 49,6 milhões de reais para 80,5 milhões de reais entre 2011 e 2013, e o superávit dobrado no mesmo período (de 17,3 milhões para 38,4 milhões de reais), a Faepa negou em 2014 aos trabalhadores do complexo o reajuste do Prêmio Incentivo acordado com o Ministério Público do Trabalho desde 2007.

Questionada por CartaCapital, a Faepa respondeu “que qualquer divulgação à imprensa deve ser autorizada pelo Diretor da Fundação, que se encontra em período de férias e com o qual não conseguimos contato”.

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